Direito comparado: Escola Judicial promove debate sobre terceirização no Brasil e no Uruguai
Por Ademar Lopes Junior
A Escola Judicial do TRT da 15ª Região promoveu, na manhã desta quarta-feira (18/1), como parte do XXI Curso de Formação Inicial Básica para Juízes do Trabalho Substitutos, um encontro internacional intermediado pelo desembargador Manoel Carlos Toledo Filho – da 2ª Turma do Tribunal –, que atuou como debatedor. Os convidados para o Painel Internacional “O Direito Processual do Trabalho comparado e o sistema legal de terceirização no Uruguai” foram a juíza do trabalho Ana Gabriela Rivas Goycoechea, titular do 3º Julgado de Instância Única de Montevidéu, e o juiz Vitor Salino de Moura Eça, titular da 4ª Vara do Trabalho de Betim (MG). O encontro contou com a presença do vice-diretor da Escola Judicial, desembargador Samuel Hugo Lima, que compôs a Mesa de Abertura junto com os convidados e com o desembargador Manoel Carlos Toledo Filho; dos desembargadores Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani e Ana Paula Pellegrina Lockmann, da 3ª Turma do TRT; do juiz auxiliar da Vice-Corregedoria Regional, Ricardo Regis Laraia; e do juiz substituto Rodrigo Adélio Abrahão Linares. O evento reuniu, ainda, no auditório da Escola Judicial, no 3º andar do edifício-sede da Corte, 21 magistrados recém-empossados e 46 servidores e estagiários.
Na primeira parte do painel, a juíza uruguaia, numa exposição em espanhol, traçou um panorama das Leis 18.099/2007 e 18.251/2008, que regulam em seu país especificamente alguns casos de “externalização de operações e de mão de obra”, situação mais conhecida no Brasil como terceirização. A primeira lei, mais sucinta e bastante elogiada pelo desembargador Manoel Carlos, trata dos aspectos mais gerais do instituto, estabelecendo, por exemplo, que todo patrão ou empresário que utilize subcontratadores, intermediários ou fornecedores de mão de obra será responsável solidário pelas obrigações laborais destes, bem como pelo pagamento das contribuições da seguridade social, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Da Lei 18.251, a expositora destacou as figuras da subcontratação, intermediação e fornecimento de mão de obra, bem como as exclusões previstas na lei uruguaia (uma relativa à ocasionalidade da prestação das obras ou serviços e outra relativa ao contrato de distribuição). Também abordou o regime de responsabilidade, solidária e subsidiária; as obrigações alcançadas pela responsabilidade; as fontes documentais das obrigações laborais e o limite temporal da responsabilidade. A magistrada concluiu com uma exposição sobre a terceirização na atividade pública.
A importância de ambas as leis se deve, na opinião da juíza Rivas, ao avanço alcançado pela legitimação da terceirização no Uruguai, proporcionando uma “existência jurídica concreta” a essa prática moderna de mercado. Até a entrada em vigor das duas leis, a terceirização naquele país se reservava à doutrina e à jurisprudência. A magistrada lembrou, contudo, que apesar do avanço jurídico trazido pelas Leis 18.099 e 18.251, que ordenaram o instituto da terceirização, produto da descentralização empresarial, “ainda resta muito caminho a percorrer”, considerando-se os aspectos obscuros dessas leis, como, por exemplo, o alcance das tarefas acessórias compreendidas.
Subcontratação
Em seu aspecto subjetivo, a subcontratação trata de uma relação de trabalho triangular (empregador, tomador e trabalhador), explicou a juíza. A empresa empregadora deve ser, antes de tudo, autêntica (real). A principal (tomadora) conta com o poder de fixar parâmetros gerais de trabalho, e o trabalhador estará submetido ao poder de direção da empresa prestadora. Em seu aspecto vinculativo, a subcontratação é um “acordo negocial” e pode ser um contrato civil, comercial ou de direito público, sem exigência de forma solene, cujo objetivo de contrato é a realização de obras ou serviços, complementou a magistrada. Dentre os contratos mais comuns constam o de locação de serviços e as empreitadas, acrescentou Rivas.
Quanto aos aspectos objetivos, as obras e serviços devem integrar a organização da empresa tomadora e devem formar parte da atividade normal ou própria desta, seja ela principal ou acessória (manutenção, limpeza, segurança ou vigilância), lecionou a palestrante.
Intermediação
Três hipóteses explicam esta figura, ensina Rivas, que é doutora em Direito e Ciências Sociais pela Universidad de La República (UdelaR), de Montevidéu. A “tradicional”, em que a empresa simplesmente contrata trabalhador para prestar serviços a terceiro (relação triangular); a da “intervenção”, cujo intermediário intervém na contratação da mão de obra; e a em que o intermediário realiza obras ou serviços para a tomadora (na prática, são pequenas empresas sem grande autonomia).
Fornecimento de mão de obra
Diferentemente da legislação brasileira (mais especificamente a Lei 6.069), na figura do fornecimento de mão de obra, a Lei 18.251 não faz referência ao tempo de duração da prestação de serviço do trabalhador terceirizado. Esse aspecto gera, segundo a magistrada Rivas, duas interpretações: o fornecimento de mão de obra segue sendo temporário, ou se admite que esse fornecimento seja permanente. De qualquer modo, ambas as formas são alcançadas pelo regime de responsabilidade laboral, explicou ela.
Debates
Mestre e doutor em Direito pela USP, o desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, no período reservado para os debates, destacou que, ao contrário do que ocorre no Brasil, “não há distinção, no direito uruguaio, entre obras e serviços”. Manoel Carlos ainda acrescentou que essa diferenciação jurídica é exclusiva do Brasil. Outro aspecto destacado pelo debatedor foi quanto à ampla prática de terceirização no país vizinho, inclusive nas atividades principais das empresas. O desembargador comentou ainda a força dos sindicatos uruguaios, que serve de prevenção à precarização das atividades laborais.
Um aspecto curioso apontado pela juíza Rivas foi o de que em seu país são raros os casos de execução. Segundo a magistrada, após a sentença, normalmente os devedores pagam o que foi determinado pelo juízo. Esses pagamentos, às vezes, são feitos em cotas (parceladamente), ou ainda em acordos, no máximo em 45 dias (inclusive quando o Estado é o reclamado).
Direito comparado
O juiz Vitor Salino de Moura Eça, em sua abordagem do Direito Processual do Trabalho comparado, lembrou que a aplicação dogmática da norma brasileira faz com que ela se torne pouco flexível, e, nesse cenário, “a jurisprudência nas nossas decisões é cada dia mais exuberante, fazendo do País quase um adepto da ‘Common Law’”. Salino lembrou que o Direito do Trabalho já nasceu internacionalizado, de um Pacto de Paz e Solidariedade numa Europa destruída pela 1ª Guerra Mundial.
Em sua exposição, recheada de informações de peculiaridades dos direitos inglês, canadense, alemão, cubano e até asiático, o juiz ressaltou que o Direito Internacional foi criado para se tratar com os diferentes, mas que a dificuldade idiomática (no que se refere à Língua Portuguesa) é a responsável pela ainda não consolidação de um bloco econômico mais forte na América do Sul. O magistrado mineiro disse ainda que o importante de “visitar” outros direitos (códigos) é “ver as vantagens e desvantagens, tentar importar o que é bom e tratar com respeitosa distância o que não serve”.
Para o desembargador Manoel Carlos, “a língua não deve ser impedimento para uma integração, porque, se assim fosse, a França e a Alemanha não teriam conseguido alcançar uma moeda única”. O debatedor reforçou a afirmação do colega mineiro, de que o Direito Processual do Trabalho deve ter, a exemplo do Direito do Trabalho, princípios universais.
Vitor Salino de Moura Eça é membro do Conselho Consultivo e professor na Escola Judicial do TRT da 3ª Região (MG). Graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Direito e doutor em Direito Processual pela PUC-MG – onde leciona nos cursos de graduação, mestrado e doutorado em Direito – e pós-doutorando em Direito Social Comunitário pela Universidad Castilla-La Mancha, Espanha. Além disso, é professor visitante em diversas universidades no Brasil e no exterior. É autor dos livros Prescrição Intercorrente no Processo do Trabalho (LTR, 2008) e Direito Processual do Trabalho Comparado (Del Rey, 2009), este último em parceria com o desembargador Manoel Carlos Toledo Filho.
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