Família de degustador conquista indenização de mais de R$100 mil na Justiça do Trabalho
Por Ademar Lopes Junior
Um grupo empresarial do ramo de bebidas foi condenado a pagar ao espólio de ex-funcionário, além de outras verbas, uma indenização no valor de R$ 104.940, relativa a apólice de seguro de vida em grupo mantida pela empresa em benefício dos empregados, com desconto em folha de pagamento. O valor apurado corresponde a 36 vezes o salário base de R$ 2.915 recebido pelo trabalhador falecido. “A ruptura ilegal do pacto laboral acarretou prejuízo ao requerente, já que o contrato de seguro foi rompido automaticamente com a dispensa”, confirmou a sentença da 1ª Vara do Trabalho de Jacareí.
O reclamante trabalhou por mais de 20 anos para o grupo, inicialmente para outras duas empresas absorvidas pela reclamada e, depois, para o próprio grupo, de 21 de outubro de 1993 a 13 de junho de 2001, quando foi dispensado sem justa causa. Exerceu a função de cervejeiro prático, vindo a falecer em 2 de agosto de 2002, vítima de disfunção múltipla de órgãos e sistemas, broncopneumonia, cirrose hepática, etilismo e hepatites B e C hemorrágica, conforme atestado de óbito.
Segundo a Ficha de Evolução Clínica apresentada pela empresa, o reclamante desligou-se do trabalho à revelia do departamento médico da reclamada, o qual, sustentou a ré, estava acompanhando o quadro de saúde do trabalhador. A empresa também afirmou que não houve liberação médica do autor em exame demissional para a rescisão contratual. Disse ainda que, uma semana após a dispensa, o trabalhador retornou ao departamento médico portando exames clínicos e solicitando a prorrogação do convênio médico, constando da ficha médica, nessa oportunidade, a descrição de alterações clínicas decorrentes de doenças que já eram do conhecimento daquele departamento. O juízo da VT considerou que, “diante da gravidade do quadro clínico do empregado, inclusive à época da dispensa, competia à reclamada emitir o comunicado de acidente de trabalho (ao qual se equipara a doença profissional)”, e acrescentou que “a concessão ou não do benefício previdenciário compete à Autarquia Previdenciária”. Uma vez que não foi feita a comunicação ao INSS, a dispensa imotivada foi tida como nula pelo juízo, que restabeleceu o vínculo contratual até a data do óbito.
A perícia descreveu nos autos as atividades do obreiro como cervejeiro, dentre elas a “degustação organoléptica (consistente na retirada de 60 a 80 ml do produto, análise visual, observando cor, turbidez, espuma, CO2, aroma e avaliação do sabor, ingerindo cerca de 20 ml do produto), degustação por etapas (saída do mostro, fermentação e maturação) e do produto final, provando o produto acabado de maneira variável – em média três degustações, diariamente. Após a fermentação era incluído o álcool, cuja concentração era de 4,6%”. Mas ressaltou que “o trabalho do autor não o teria infectado com os vírus das hepatites B e C, valendo também lembrar os antecedentes familiares acerca de diabetes”. Como afirmou o perito, “do prontuário médico consta histórico de alcoolismo crônico”. O laudo pericial também ressaltou “não ser crível que, menos de três anos como cervejeiro prático (21/10/1993 a 19/6/1996, data do exame feito), seria suficiente para causar esteatose hepática”, uma vez que, como explicado pelo perito, esta doença “ocorre em 90-100% dos indivíduos que consomem grandes quantidades de álcool, ainda que por um período curto de tempo, desenvolvendo-se em todo indivíduo que consumir mais de 60 gramas de álcool diariamente, regredindo, em geral, após dias ou semanas de abstinência alcoólica”.
O trabalhador ingeria cerca de 20 ml por degustação – três ao dia – e, considerando a concentração de 4,6% de álcool, ingeria diariamente uma média de 15 gramas, quantidade “insuficiente para o desenvolvimento da esteatose hepática”, conforme atestado pelo perito, mas que pode ter agido “como fator contributivo, pelo fato do de cujus ser portador de uma patologia mental conhecida pela reclamada e laborar diariamente em contato com bebida alcoólica”. Segundo a perícia, trata-se de “doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida ou preexistente, ou seja, concausa”.
A empresa recorreu da sentença, sob o argumento de que “as doenças que acometeram o obreiro (hepatites B e C) não podem ser consideradas como de origem laboral (apesar de o obreiro ter sido degustador de cerveja – um gole por lote de cerveja), pois são causadas por vírus, sem relação com ingestão de bebida alcoólica”. Afirmou também que “deveriam ter sido considerados os antecedentes familiares com relação a diabetes, que a esteatose hepática foi diagnosticada após apenas dois anos e oito meses após o início do pacto e que o autor não realizou tratamento para as hepatites B e C”. A ré insurgiu-se também contra o restabelecimento do vínculo laboral até a data do falecimento do reclamante e contra o pagamento de multa e de diferenças das verbas rescisórias.
O relator do acórdão da 7ª Câmara do TRT, desembargador Luiz Roberto Nunes, entendeu que a reclamada tinha razão em parte de seus pedidos e, por isso, excluiu da condenação o pagamento de aviso prévio (diferenças e eventuais reflexos em tal título), multa de 40% do FGTS (diferenças e eventuais reflexos) e diferença de férias proporcionais. Também autorizou a compensação dos valores pagos a título de aviso prévio e de multa de 40% do FGTS e determinou que, quanto à correção monetária, deverá ser considerado o mês subsequente ao laborado, contrariamente ao decidido na primeira instância, que tomou como termo inicial o mês do efetivo pagamento. (Processo 0005700-75.2002.5.15.0023)
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