Juiz Jorge Souto Maior palestra na Escola Judicial sobre o papel histórico do Direito do Trabalho

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  "O papel histórico do Direito do Trabalho" foi o tema da palestra proferida pelo juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, Jorge Luiz Souto Maior, a um público formado por 12 magistrados e 43 servidores e estagiários. O evento ocorreu na Escola Judicial do TRT-15, na manhã desta sexta-feira (14/12), e contou também com a presença do desembargador Manoel Carlos Toledo Filho.  O diretor da Escola, desembargador Samuel Hugo Lima, integrou a Mesa de Honra do evento ao lado do palestrante e dos magistrados Guilherme Guimarães Feliciano, presidente de Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), e José Henrique Rodrigues Torres, da 1ª Vara do Júri da Comarca de Campinas.

      Antes da palestra, o juiz José Henrique Torres pediu a palavra para convidar os magistrados presentes a integrar a Associação dos Juízes para a Democracia, da qual é presidente do Conselho. Reconhecida pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a associação trabalha pela divulgação das ideias democráticas, pelos direitos humanos e pelos valores do Judiciário.

       Souto Maior, que também é professor livre-docente do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP, abriu sua exposição alertando para o risco de se manterem leituras históricas reduzidas, como, por exemplo, a de que o Direito do Trabalho surgiu após a Revolução Industrial, fruto de uma intervenção do Estado para resolver os conflitos existentes entre o capital e o trabalho. "Essas leituras diminuem a importância do Direito do Trabalho", ressaltou o palestrante, lembrando ser ainda comum ouvir que "o Direito Trabalhista existe para criar conflitos onde não existem". O magistrado sublinhou o equívoco que essas leituras encerram, por apresentarem uma evolução histórica construída teoricamente, e defendeu a necessidade de "apagá-las da mente, sob pena de tornar a função do magistrado sem sentido".

O capitalismo e a Justiça do Trabalho

 

       Durante aproximadamente 300 anos, mais precisamente do período feudal ao surgimento do capitalismo, o Ocidente viu nascer o Estado liberal (1789), responsável por desenvolver um novo modelo de poder estatal, com intervenção mínima na economia e permissivo, até certo ponto, de grandes injustiças sociais como o trabalho infantil, condições precárias de trabalho e baixos salários. Apesar de essas serem as condições aceitas socialmente na época, o próprio desenvolvimento do capitalismo, com a crescente urbanização e transformação do trabalho, cada vez mais industrializado, gerou os conflitos entre capital e trabalho que permearam todo o século XIX e explodiram na Primeira Guerra Mundial e, mais tarde, na Segunda Guerra Mundial, envolvendo os principais países do mundo.

    Para o professor Souto Maior, a lógica da liberdade individual impediu que as leis trabalhistas fossem aplicadas na prática. Ele lembrou que, mesmo as várias convenções surgidas após a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram ratificadas mediante "condições" expressas (a convenção só valeria na França, por exemplo, se os demais países signatários cumprissem também o disposto naquela convenção).

    As diferenças sociais, ocasionadas pela exploração liberal e desenfreada da força de trabalho, chamaram a atenção até mesmo da Igreja, que em 1891 publicou a encíclica Rerum Novarum, pela qual alertava para as condições precárias dos trabalhadores, exigindo uma conscientização geral dos povos para a solução desse conflito.

   Com a história como pano de fundo, o professor Souto Maior apontou as principais conquistas no campo do Direito do Trabalho. Pela OIT, que nasceu após a Primeira Guerra Mundial, o trabalho humano deixou de ser mercadoria de comércio e o trabalho infantil foi proibido, além de se garantir proteção ao trabalho da mulher. Pela Declaração de Filadélfia, em 1944, já no final da Segunda Guerra, reafirmaram-se os princípios estabelecidos pela OIT. A própria Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, para o palestrante, não é a segunda geração dos direitos humanos, mas "a tentativa de superação da Declaração dos Direitos do Homem", fruto da Revolução Francesa. Souto Maior lembrou que, apesar de sua importância embrionária, essa declaração foi escrita para prever os direitos do homem francês com posses, mas não os direitos da mulher, por exemplo, nem os dos pobres. Segundo o palestrante, a Declaração dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das ONU em 1948, foi a possibilidade de se construir um Estado capitalista, em oposição a um novo Estado (socialista) que começava a se desenvolver. Para ele, o Direito do Trabalho vai se construindo a partir dessa lógica, limitando as liberdades tanto dos empregados como dos empregadores.

       Souto Maior ressaltou que, no Brasil, "ainda não construímos sequer um projeto de nação e mantemos resquícios escravagistas". De acordo com o professor, mesmo a Justiça do Trabalho, com início no governo de Getúlio Vargas, sustentava uma lógica peculiar de proteger apenas os trabalhadores urbanos (mas não os rurais), e, curiosamente, a aplicação das leis trabalhistas passava mais pela conciliação, "tanto que as atuais varas do trabalho eram chamadas de juntas de conciliação e julgamento". O magistrado lembrou que a Justiça do Trabalho no País não foi uma criação ao acaso, mas um compromisso do Brasil, ao assinar a OIT, em 1919, de apresentar um projeto de lei trabalhista.

       O palestrante criticou ainda a visão distorcida de muitos empresários brasileiros sobre as leis trabalhistas, as quais, segundo ele, "são descumpridas descaradamente ou são cumpridas ‘se quiserem'". Paralelamente, para os trabalhadores, as leis trabalhistas são "um favor".

       Souto Maior concluiu afirmando que a "lógica do mercado está inserida no Judiciário", e lançou um desafio aos novos magistrados para que "se enxerguem dentro do contexto, se não para salvar a humanidade, ao menos para salvar a si mesmo".

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