Mário Garmendia Arigon aborda o sistema trabalhista uruguaio em palestra na Escola Judicial

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Por Patrícia Campos de Sousa

 

O advogado e professor uruguaio Mário Garmendia Arigon ministrou nesta terça-feira (11/12), no auditório da Escola Judicial do TRT-15, em Campinas, a palestra "Atualidades e desafios do sistema trabalhista uruguaio". De passagem pelo Brasil, o jurista foi convidado pelo desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, integrante da 4ª Câmara do Tribunal e do Conselho Consultivo e de Programas da Escola, a partilhar com os colegas do TRT a experiência recente de seu país. A exposição foi incluída na programação do XXII Curso de Formação Inicial Básica para Juízes do Trabalho Substitutos, ministrado pela Escola Judicial. Aberta a servidores e estagiários do Regional, foi acompanhada também por outros magistrados de primeiro grau – entre eles o juiz auxiliar da Vice-Presidência Judicial, Firmino Alves Lima, e a diretora do Fórum Trabalhista de Campinas, Rita de Cássia Scagliusi do Carmo – e pelo desembargador Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva.

 

Antes da palestra, Manoel Carlos advogou, perante os novatos, um maior emprego do direito comparado no dia a dia do magistrado. Segundo o desembargador, a utilização dessa fonte para preencher as lacunas e omissões legais "é ainda mais pertinente no caso dos países da América Latina, com realidades e problemas semelhantes aos nossos e cujas soluções também poderiam ser aproveitadas no direito brasileiro". Ele admitiu que, antes da Internet, o acesso ao direito estrangeiro era restrito, mas disse que hoje não há mais justificativa para não se fazer a integração supletiva da lei também com o direito comparado, conforme autorizado expressamente pelo artigo 8ª da CLT. "Com a Internet temos acesso fácil, gratuito, em tempo real e, muitas vezes, com tradução automática (ainda que não totalmente confiável) à legislação de todos os países."

 

A convite do desembargador, o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, outro entusiasta do direito comparado, fez algumas considerações sobre os resultados obtidos em sua tese de doutorado em Direito Social, defendida na Universidad Castilla-La Mancha, na Espanha, em que compara as relações de trabalho neste país com as observadas no Brasil. Entre outros pontos, o magistrado, que é titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, chamou a atenção para o fato de que a Espanha, um dos países que mais flexibilizaram os direitos trabalhistas, enfrenta hoje uma grave crise econômica e trabalhista, com um índice de mais de 25% de desemprego e elevadas taxas de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais, consequência, segundo ele, de jornadas de trabalho extensas sem as pausas necessárias.

 

Mário Garmendia Arigon foi apresentado aos novos juízes da 15ª pelo desembargador Manoel Carlos, que compôs a mesa do evento ao lado do colega Samuel Hugo Lima, diretor da Escola Judicial. Os veteranos, porém, já tiveram algumas oportunidades de assistir ao palestrante nos últimos anos, em eventos promovidos pelo Tribunal, pela Escola Judicial ou pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV). Advogado e professor da Universidade da Republica do Uruguai, Garmendia integra o "Grupo de los Miércoles", fórum de estudos e investigação em Direito do Trabalho fundado pelo jurista uruguaio Américo Plá Rodríguez, já falecido. O grupo se reúne há 35 anos, toda quarta-feira, na capital uruguaia.

 

Avanços legais

Garmendia centrou sua exposição na apresentação e avaliação das normas trabalhistas que vêm sendo aprovadas no Uruguai a partir de 2005, inovando significativamente o sistema laboral do país. Entre as mudanças mencionadas, ele destacou a lei de 2005 que torna nula qualquer ação ou omissão do empregador em que se evidencie a perseguição ou a discriminação do trabalhador por motivos sindicais; a lei de 2007 que ampliou de dois para cinco anos o prazo de prescrição dos direitos trabalhistas durante a vigência da relação laboral; a norma que estendeu aos trabalhadores domésticos, rurais e a domicílio as normas protetoras asseguradas às demais categorias profissionais, como as que definem o limite da jornada de trabalho e outros benefícios; e a lei, sancionada em 2007, que estabeleceu a responsabilidade solidária do tomador de serviços por obrigações trabalhistas não honradas pela empresa prestadora. Esta última norma, explicou o palestrante, foi substituída, em 2008, por outra que lhe modulou os efeitos, para converter em subsidiária a responsabilidade da empresa tomadora que comprovar o exercício de seu dever de vigilância sobre a empresa prestadora.

 

Garmendia destacou também a recriação no país, em 2009, de um processo específico para a matéria laboral. Ele contou que em 1990 todos os processos de natureza civil (comercial, de família, trabalhistas) foram fundidos em um único processo, disciplinado no "Código General del Proceso". Quase vinte anos depois, porém, o Uruguai – acertadamente, segundo o palestrante – optou por reeditar o processo trabalhista, inspirado na ideia de celeridade, "valor essencial que se impõe ao processo nessa matéria".

 

Outra inovação importante na legislação trabalhista uruguaia apontada pelo professor foi "o reforço das consequências negativas para quem não cumpre as determinações judiciais relativas aos créditos laborais", medida considerada fundamental para garantir a eficácia das decisões. As normas aprovadas nesse sentido, observou o professor, "reduziram a distância entre quem cumpre e quem não cumpre as obrigações trabalhistas, passando uma mensagem clara de que é melhor pagar". Entre essas normas estão a aplicação automática, sem a necessidade de solicitação do credor, de multa de 10% sobre o valor das obrigações trabalhistas não cumpridas.

 

O jurista uruguaio destacou, por fim, a reconvocação do "Consejo de Salarios", fórum de negociação coletiva tripartite (com representantes do Governo, dos trabalhadores e de empregadores) instituído em seu país nos anos 1940 para fixar o salário mínimo e outras condições laborais das várias categorias econômicas. Segundo Garmendia, além do fortalecimento do movimento sindical, a atuação desse conselho nos últimos anos tem possibilitado forte incremento no salário real dos trabalhadores uruguaios e a conquista de outros benefícios, ensejando uma mudança social importante no país, em face da maior e melhor distribuição da riqueza nacional.

 

 

 

 

Balanço positivo

De acordo com o palestrante, um balanço da legislação trabalhista vigente nos últimos sete anos no Uruguai aponta que, além de instrumento para integração social (dos empregados domésticos e rurais, por exemplo), as novas normas têm contribuído para melhorar as condições de trabalho e de vida de todos os trabalhadores uruguaios, assim como para aumentar o prestigio do Direito do Trabalho no país. Garmendia observou, no entanto, que esse desempenho positivo deve ser atribuído também ao contexto de expansão econômica nacional, lembrando que as normas de Direito de Trabalho são permeáveis ao contexto sociopolítico nacional e que, nesse sentido, "as leis trabalhistas têm hoje uma aplicação prática mais importante do que tinham antes, quando os sindicatos eram mais fracos, por exemplo".

 

Entre os desafios colocados pela nova realidade, Garmendia destacou a importância de equilibrar as relações entre política e direito. Embora reconhecendo a tolerância do direito à influência da ideologia, da economia e da política, ele advertiu que essa permeabilidade não pode ser desmedida. "A política não pode se impor ao direito." De acordo com o palestrante, assistimos hoje ao predomínio das soluções políticas sobre as soluções jurídicas quando se trata de conflitos coletivos. "Num clima de coação, contudo, não há entendimento eficaz. Quem tem mais força negocia a seu favor", reclamou o professor. Segundo Garmendia, na resolução de um conflito coletivo, deve-se buscar a saída menos traumática possível para as partes, o equilíbrio na negociação entre os envolvidos, mediante a utilização de critérios como a racionalidade, a conveniência e a oportunidade, entre outros. Desta perspectiva, afirmou que o principal desafio a ser enfrentado pelo país nesse campo é "a reconstrução da confiança no instrumento jurídico como garantia última da convivência em sociedade, amparando quem tem razão, que nem sempre é quem detém a força. Não existe outra resposta à crise do direito que o próprio direito. Este é o único caminho para responder à complexidade social", concluiu o jurista.

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