Para Regis de Morais, magistrado não deve ser um mero aplicador da lei
Por Ademar Lopes Junior
História, filosofia, sociologia e muito bom-humor marcaram a palestra “O papel do juiz na sociedade”, ministrada pelo professor João Francisco Regis de Morais, dentro do programa do XXI Curso de Formação Inicial Básica para Juízes do Trabalho Substitutos, promovido pela Escola Judicial do TRT da 15ª. A Mesa de Honra foi composta, além do palestrante, pelo diretor e pelo vice-diretor da Escola Judicial, respectivamente os desembargadores José Antonio Pancotti e Samuel Hugo Lima. Ao todo foram 64 participantes, incluindo o desembargador José Otávio de Souza Ferreira, o juiz auxiliar da Vice-Corregedoria, Ricardo Regis Laraia, a juíza Marina de Siqueira Ferreira Zerbinatti, titular da VT de São Roque, 21 juízes substitutos e 40 servidores e estagiários.
Regis de Morais, que também é mestre em filosofia social e doutor em educação (filosofia e história da educação), como bom mineiro, característica que não tentou esconder, não poupou os ouvintes de casos históricos que, de alguma maneira, compuseram valores e traços inerentes ao magistrado. Regis também se valeu de pensadores do direito, como Paulo Bonavides, para lembrar aos ouvintes do papel do Judiciário que, como parte do Estado no ordenamento, deve estar a serviço da nação e da cidadania. O palestrante questionou “de que vale ser a 6ª economia do planeta se, em 512 anos de história, a educação nunca foi prioridade no Brasil”. Em sua exposição sobre a industrialização no Brasil, e a formação de uma classe trabalhadora cada vez mais urbana e industrial e menos agroexportadora, Regis responsabilizou o sistema escravocrata de mais de 400 anos no País, um dos mais longos já registrados, pela atual mentalidade empresarial brasileira que, de modo geral, acha que "faz um grande favor” quando concede emprego e que trata os empregados como “quase escravos”.
Regis lembrou que a ética tem como primeiro fundamento o autorrespeito e que “nada há de mais trágico do que chegar à velhice com vergonha de si mesmo”
O palestrante, que também é autor de 55 livros e 71 artigos, abordou a questão da sociedade produtivista e consumista (mais conhecida como sociedade de consumo), surgida após a Segunda Guerra, e que é responsável, nos dias atuais, pela construção “de um meio urbano como um mundo de aparências”, uma realidade na qual “quem não pode consumir não pode (se) exibir e, portanto, é maltratado pela sociedade”.
Regis ressaltou ainda a existência, além dos poderes instituídos, dos poderes clandestinos paralelos (“lobbies” empresariais, poderes criminal e militar e até a pressão política do patriciado, que são os 2% que detêm 60% do PIB), e traçou um paralelo com a visão marxista da mais-valia, da alienação do trabalhador com relação à natureza, ao produto do seu trabalho, ao gênero humano, aos seus companheiros até sua completa expropriação de si mesmo (quando perde seus direitos e sua dignidade).
Com base nesse entendimento, o palestrante salientou o papel social dos juízes, atribuído pela Constituição Federal, mas aconselhou a todos que evitem os “ataques de supercidadania” (sentimento de estar acima dos cidadãos médios, “misto de narcisismo e paranoia”), que para o professor é uma “infantilidade”, e lembrou aos magistrados o que o jurista Dalmo de Abreu Dallari registrou em sua obra “O poder dos juízes”: “a sociedade espera com esperança a justiça” que, apesar da redundância flagrante, reflete um sentimento profundamente sincero.
Aos novos magistrados, recém-empossados em dezembro de 2011, Regis também afirmou que, no processo de convencimento do juiz, “é necessário encontrar o ponto de equilíbrio entre independência e arbitrariedade”, e que ao magistrado não cabe ser apenas o “escravo da lei”, muito menos o mero “aplicador da lei”.
Regis concluiu sua exposição com a citação de Santo Tomás de Aquino, que define ser a “autoridade um princípio de amor”, e lembrou que a ética tem como primeiro fundamento o autorrespeito (“nada há de mais trágico do que chegar à velhice com vergonha de si mesmo”). Já o segundo fundamento da ética é “amar os demais seres humanos”. Em ambas as circunstâncias, o magistrado é chamado a se aproximar do jurisdicionado, com a circunspecção necessária à sua função, porém com humildade e sem mau-humor. Regis resgatou ainda o exemplo bíblico do Cristo que, ao lavar os pés de seus apóstolos, exemplificou que “o mais importante é aquele que está mais disposto a servir”.
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