Saúde mental do trabalhador é tema de palestra na Escola Judicial

Conteúdo da Notícia

Por Ademar Lopes Junior

 

"A Organização do Trabalho e a Saúde Mental dos Trabalhadores" foi o tema da palestra proferida na manhã desta sexta-feira (7/12), na Escola Judicial do TRT-15, pela professora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas, Márcia Hespanhol Bernardo. O evento contou com a participação de um magistrado e 33 servidores. O diretor e a vice-diretora da Escola, os desembargadores Samuel Hugo Lima e Tereza Aparecida Asta Gemignani, compuseram a Mesa de Honra ao lado da palestrante, e a vice-diretora apresentou a convidada, ressaltando sua experiência clínica e acadêmica. A desembargadora Asta salientou ainda a importância do tema, lembrando que o papel da Escola é "debater os assuntos mais relevantes, que despertam o clamor da sociedade", e quanto à palestra do dia, "que possa trazer subsídios para bem analisar o tema e bem decidir".

 

A exposição da professora Márcia Bernardo, que é mestre e doutora em Psicologia Social do Trabalho, pela USP, especialista em Saúde Pública, pela mesma universidade, e autora de diversos livros sobre o tema, teve foco no nexo causal entre a saúde mental do trabalhador e a organização do trabalho (e não com o ambiente do trabalho). A professora ressaltou que não se deve confundir o ambiente com a organização do trabalho. Esta, segundo a palestrante, "envolve questões subjetivas" e deve ser entendida como o "ritmo do trabalho, as formas de pagamento, a pressão pela qualidade e a relação entre chefe e subordinado". Já o ambiente do trabalho "envolve questões objetivas e, em geral, mensuráveis" (máquinas sem proteção, produtos químicos, ruído).

 

Na exposição de aproximadamente duas horas, a professora apresentou um panorama do trabalho no século XX (até a década de 1980), período em que se fortaleceram o binômico urbanização e industrialização, o sistema taylorismo/fordismo, com predomínio da separação entre quem planeja e quem executa o trabalho, pouca ou nenhuma autonomia, além das diferenças entre trabalho real e trabalho prescrito. Contrapondo-se a essa realidade, Márcia Bernardo expôs o que, na atualidade, especialmente nos meios de comunicação, se divulga como os "novos caminhos do emprego" e as "sobras de vagas de trabalho". Segundo a pesquisadora, o que mudou de fato nas relações de trabalho foi só o discurso que, diferentemente da prática, vem carregado de dupla mensagem: "Valorização dos trabalhadores nas empresas e intensificação do trabalho, uso da criatividade do trabalhador somente no que interessa à produção, paralelamente a um discurso de inclusão do trabalhador que busca legitimar a prática de maior exploração".

 

Essa mudança na concepção das relações de trabalho, segundo a professora, "tende a apagar, maquiar e amenizar a realidade com seu discurso moderno", e insiste em apresentar o trabalho como "diversão" (a exemplo do que ocorre na Google), sem horários rígidos e com metas de "criatividade".

 

Mesmo assim, a palestrante salientou que "não existe o ideal em termos de empresa", e que "não se pode ver a empresa sempre como vilã", e que "o importante é avaliar o contexto e entender os limites de cada caso".

 

O trabalho no século XXI

 

 

A supremacia do mercado financeiro sobre o de produção é uma das principais características do novo século, que também é marcado pela globalização, pela concentração do poder econômico, pela inclusão das novas tecnologias, pelo aumento dos setores de serviços em relação ao setor de produção, pela diversidade de tipos de trabalho, pelo enfraquecimento da organização coletiva dos trabalhadores e, também, pela flexibilização.

 

A palestrante destacou que a flexibilização nas novas relações de trabalho se apresenta como "um novo modelo de organização do trabalho, que suplanta o taylorimo-fordismo", conhecido como "toyotismo, também chamado de "modelo flexível, ohnoísmo ou ‘lean production'". O termo "ohnoísmo" se deve ao principal responsável pela introdução do sistema Toyota, Taiichi Ohno.

 

Mas flexibilizar o quê?

 

As principais características do toyotismo são produção puxada (por encomenda); redução de estoques; busca por profissionais com maior nível de escolaridade e menor idade e experiência (competência); níveis hierárquicos reduzidos (menos chefes); inclusão da subjetividade do trabalhador no processo de trabalho, juntamente com sua força física e destreza manual; intensificação do ritmo de trabalho; necessidade de maior envolvimento do trabalhador com os objetivos da empresa (sua "missão"); e gestão por estresse (assédio moral como instrumento da gerência).

 

Segundo expôs a professora Márcia Bernardo, todo esse discurso esconde um "papel de legitimar formas mais sofisticadas de exploração do trabalho", adaptando "o sentido atribuído a temas significativos para os trabalhadores de modo que atenda aos interesses do mercado globalizado". A palestrante chamou a atenção para o que ocorre na prática e que, "mesmo às vezes não se enquadrando como assédio moral, não deixa de ser uma forma violenta e perniciosa de exploração do trabalhador".

 

O moderno discurso de gestão, segundo a palestrante, envolve temas como "competência, trabalho em equipe, participação e autonomia". Para a professora, porém, cada um desses pontos, em essência, não se afasta de antigos paradigmas como "a busca da empresa pelo lucro". A competência, na modernidade, deixou de ser o "savoir-faire" para se transformar no "savoir-être", valorizando potencialidades dos trabalhadores mas não sua qualificação, e incluindo critérios ideológicos no processo seletivo, buscando-se trabalhadores criativos, porém ingênuos politicamente. No discurso, os trabalhadores são estimulados a participar da empresa apresentando sugestões para melhoria dos processos de produção, mas encontram dificuldade em exercer participação legítima nas CIPAS. Quanto ao trabalho em equipe, os trabalhadores são seduzidos com a imagem da "família-empresa", porém têm pouca referência a trabalho em grupo, e é grande o estímulo à competitividade. Já a autonomia, longe do sentido de liberdade e influência, serve "somente para dar conta do trabalho e das intercorrências, dentro de normas rígidas", ressaltou a palestrante.

Unidade Responsável:
Comunicação Social