Seminário põe em pauta a atuação do juiz nas ações indenizatórias de acidente de trabalho
Por Luiz Manoel Guimarães
A Escola Judicial (EJ) do TRT da 15ª Região realizou nesta sexta-feira, 23, o seminário "Atuação pró-ativa do juiz nas ações indenizatórias de acidente de trabalho". O encontro teve início com a palestra "Perícia judicial: um diálogo entre a Saúde e o Direito", proferida pela médica Maria Maeno, pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).
Na abertura do evento, o diretor da Escola Judicial, desembargador Samuel Hugo Lima, compôs a mesa juntamente com a palestrante e com a vice-diretora da EJ, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, e destacou que o seminário foi organizado em consonância com o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Entre os magistrados presentes ao Auditório 1 da Escola, onde foi realizado o encontro, estava o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara e, juntamente com o desembargador Edmundo Fraga Lopes, da 3ª Câmara do TRT, integrante do comitê regional do Programa. Também compareceu o vice-corregedor eleito para o biênio 2012-2014, desembargador José Pitas. Aberto a magistrados, sindicalistas, integrantes do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, além de servidores e estudantes, o seminário foi transmitido ao vivo pela internet para toda a 15ª Região.
Ao apresentar a primeira palestrante, o desembargador Samuel comparou o volume de acidentes de trabalho que o País ainda registra com os recentes combates no Oriente Médio. "Os conflitos na Faixa de Gaza mobilizaram a atenção da imprensa internacional. Os acidentes de trabalho no Brasil são como uma ‘faixa de gaza' no País, mas não despertam o interesse da mídia."
"Elementar, meu caro Watson"
Formada pela Faculdade de Medicina da USP, com mestrado pela Faculdade de Saúde Pública da mesma universidade, Maria Maeno trabalhou por 19 anos (16 deles na coordenação) no Programa de Saúde dos Trabalhadores da Zona Norte de São Paulo, embrião do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo. É assessora da coordenação do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em Saúde Ocupacional.
Para a palestrante, uma perícia médica bem feita pressupõe o máximo de investigação. Algo como se o perito encarnasse seu lado "Dr. Watson", o médico que, na obra de Sir Arthur Conan Doyle, é o célebre assistente do maior detetive de todos os tempos. Ao longo da história, aliás, como ilustrou a perita, vários profissionais da medicina exercitaram esse perfil de "parceiro de Sherlock Holmes". Foi o caso, por exemplo, do inglês James Lindt (1716-1791), que, a serviço da marinha britânica, desvendou a causa do escorbuto.
Nesse sentido, Maria Maeno defendeu a necessidade da chamada "anamnese ocupacional", uma vistoria cuidadosa do local de trabalho do reclamante, de preferência em companhia deste. "Não é raro a reclamada ‘maquiar' o local. É preciso ter um olhar perspicaz e saber aplicar técnicas que possibilitem uma apuração mais precisa do caso", preconiza a palestrante, que salientou ainda a importância de se levantar se há outros casos, semelhantes ao do reclamante, na mesma empresa ou no mesmo ramo econômico.
Fundamentar as conclusões expostas no laudo também é essencial, defende a perita. "As sentenças são fundamentadas, e o laudo pericial também deve ser. É importante que o perito municie o juiz dos elementos necessários ao julgamento. No entanto, muitos peritos se limitam a dizer coisas como ‘há nexo causal' [entre a doença e a atividade desenvolvida pelo trabalhador], ‘não há nexo causal', sem fundamentar suas afirmações", lamenta ela. "É necessário expor a situação de maneira clara, fundamentada e isenta ao juiz, mas sem esquecer que o julgamento do caso cabe ao magistrado."
Lista extensa
No Brasil, explica a palestrante, as doenças ocupacionais estão relacionadas em dois documentos oficiais, a Portaria 1.339 do Ministério da Saúde e o Decreto 3.048 do Ministério da Previdência Social, ambos de 1999. "São mais de duzentos agravos ocupacionais, uma das listas mais extensas do mundo", ressalta ela, em linguagem do meio médico. Cada doença é designada por meio de um código que combina letras e algarismos, detalha Maria Maeno. "O capítulo das doenças osteomusculares, por exemplo, vai do código M00 ao M99."
A Classificação Internacional de Doenças (CID), no entanto, não dá ao médico as informações necessárias à avaliação do grau de incapacidade do trabalhador vitimado, observa a palestrante. "Um câncer de mama causa incapacidade?", questiona a perita. "Não necessariamente", responde ela. "Dependendo da função exercida pelo trabalhador, a perda de um pedaço de um dedo pode ser um fator incapacitante, ao menos para aquela função", adverte. "É importante não menosprezar nenhum dano."
Para estabelecer o grau de incapacidade sofrido pelo trabalhador, o perito deve recorrer à Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), aprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2001, ensina Maria Maeno. Nessa análise, é preciso levar em conta as reações de cada indivíduo, em obediência à velha máxima de que "cada caso é um caso", observa a palestrante. "Uma tendinite não se dá da mesma forma em todas as pessoas nem provoca as mesmas repercussões em todas elas", exemplifica.
"A incapacidade é um problema social, e não pessoal", pondera Maria Maeno. "Não depende só do indivíduo ou da equipe de saúde, e sim da sociedade. A superação do problema depende da natureza da doença, da assistência prestada à vítima, do apoio familiar, do apoio social e do meio em que o trabalhador vive. A OMS considera tudo isso para definir o grau de incapacitação", leciona a perita, citando o exemplo do físico britânico Stephen Hawking, cujas limitações físicas não o impedem de tornar relativo o conceito de incapacidade.
Prevenção
A programação do seminário teve sequência com a desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani. Doutora em Direito do Trabalho pela USP e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT), a vice-diretora da EJ palestrou sobre "O princípio da prevenção e a atuação do juiz nos processos sobre acidente de trabalho e doenças profissionais". Em seguida, o procurador regional do trabalho aposentado Raimundo Simão de Melo, também integrante da ANDT, tratou do tema "Fundamentos da responsabilidade civil nos acidentes de trabalho: controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais". O evento foi concluído com a palestra "As perícias nos casos de transtornos mentais e os conflitos nas discussões das concausas", proferida pelo professor doutor da Faculdade de Medicina da USP (Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho) Júlio César Fontana-Rosa.
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