Trabalhador de usina de açúcar que perdeu as mãos deverá ser indenizado em R$ 1,6 milhão
Por Ademar Lopes Junior
A 1ª Câmara do TRT manteve decisão do Juízo de origem condenando uma das maiores usinas produtoras de açúcar, etanol e energia do Brasil a pagar quase R$ 1,6 milhão a um ajudante geral que teve as duas mãos decepadas em um acidente de trabalho. O colegiado manteve os valores arbitrados pela 1ª VT de Jaboticabal (R$ 500 mil a título de danos morais, R$ 500 mil pelos danos estéticos e mais R$ 538.837,80 de danos materiais) e excluiu da condenação original o valor de R$ 230.825,67 relativo a honorários advocatícios.
O reclamante foi contratado temporariamente em 3 de julho de 2008 para exercer as funções de ajudante geral, cujas atividades consistiam em limpar as grelhas (externas) da caldeira e, nos intervalos dessa operação, varrer o chão. O acidente aconteceu três meses depois, no dia 2 de outubro.
Por determinação do encarregado, foi designado para auxiliar o operador da caldeira na limpeza do alimentador da referida máquina. Foi a primeira vez que trabalhou nessa tarefa “sem qualquer treinamento ou orientação técnica de como proceder”. Ao limpar o segundo alimentador, teve “suas duas mãos amputadas, com exceção do polegar da mão direita”.
Segundo o preposto da empresa, o reclamante foi “convidado” a auxiliar o operador, uma vez que este se encontrava sozinho. O operador diz que chegou a apresentar os termos de segurança da máquina ao ajudante, lembrando que “pelo grau de perigo da máquina existe todo um procedimento de segurança”, e que ele teria dito ao ajudante que “iria realizar o procedimento de segurança da máquina”. Depois de informar o auxiliar que “iria proceder ao desligamento da máquina”, dirigiu-se ao quadro de energia, mas nesse momento, antes mesmo de chegar ao quadro, que fica em um piso inferior, começou a ouvir os gritos do ajudante. O operador sabia que “não era função do reclamante fazer a limpeza daquela máquina”, pois ele era “ajudante geral”, responsável por cuidar “apenas da limpeza da base”. Também sabia que “normalmente a limpeza da máquina é feita por duas pessoas, dois operadores que ficam no mesmo turno”, e que os operadores são treinados em curso de um único dia, no início da safra, no momento da admissão. O operador lembrou também que é ministrada uma palestra pelos técnicos de segurança.
O Juízo de primeira instância entendeu, por esse depoimento, que é “totalmente impertinente” a afirmação da empresa de que “no momento do acidente o reclamante estava executando tarefas inerentes às suas funções (serviços gerais)”, menos ainda de que o sinistro ocorreu por “ato inseguro” do empregado, resultando a culpa concorrente da vítima.
A relatora do acórdão da 1ª Câmara, desembargadora Thelma Helena Monteiro de Toledo Vieira, com o mesmo entendimento da sentença, salientou que “a exposição do autor a situação de risco, sem que fossem tomadas as devidas precauções, caracteriza culpa, estando correta a sentença que reconheceu a responsabilidade civil da reclamada”.
A sentença, na verdade, não agradou nenhuma das partes. A empresa alegou a nulidade do julgado por cerceamento de defesa que, segundo ela, era “a única pessoa que realmente tinha conhecimento dos fatos” e cujo depoimento era pretendido para demonstrar “questões técnicas envolvendo o local, atividades e exigências impostas ao trabalhador acerca da operação de ajudante de limpeza”. Também combateu a cumulação dos danos morais com os estéticos e negou sua responsabilidade pelo acidente de trabalho. Contra a condenação de R$ 1 milhão (sendo R$ 500 mil a título de danos morais e R$ 500 mil pelos danos estéticos), a empresa pediu a redução para R$ 100 mil, e ainda se opôs à manutenção da tutela antecipada que garante o tratamento médico ao empregado acidentado. O trabalhador, ao contrário, pediu a majoração do montante arbitrado, com a inclusão do 13º salário no cálculo da indenização, além dos gastos que serão suportados pelo autor com a contratação de empregados para auxiliá-lo nas atividades diárias. Sua principal alegação é sobre a “favorável condição socioeconômica” da empresa, capaz de “suportar condenação em valores mais expressivos que aqueles deferidos”. Ele considerou também a própria incapacidade total e permanente para o trabalho, em face das lesões causadas pelo acidente.
O acórdão entendeu que nenhum dos recursos, nem o da empresa, nem o do trabalhador, deveria prosperar. No que se refere ao pedido do trabalhador, o acórdão reconheceu que “não podem ser acolhidas as alegações de apelo do reclamante, porquanto a inclusão do 13º salário só é cabível no caso do pensionamento e, conforme bem pronunciou a origem, na apuração do valor da indenização a ser paga de uma só vez já está contemplada a hipótese de despesas com auxiliares”.
Do inconformismo do empregador, o acórdão salientou que “cabe ao juiz a condução do processo, mediante a observância, dentre outros, do princípio da livre apreciação da prova, insculpido no artigo 131 do CPC, devendo ser indeferidas diligências inúteis ao deslinde da controvérsia, nos termos do artigo 765 do mesmo Código”. Quanto à cumulação de danos morais com os estéticos, o acórdão buscou na doutrina do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, em sua obra “Indenizações por Acidentes do Trabalho ou Doença Ocupacional”, que afirma: “o dano estético, o corpo mostra; o dano moral, a alma sente” e que “a opção do Código Civil de 2002, de indicar genericamente outras reparações ou prejuízos que o ofendido prove haver sofrido (arts. 948 e 949), deixa espaço indiscutível para a inclusão do dano estético, conforme se apurar no caso concreto” e por isso “o acidente de trabalho que acarrete alguma deformação morfológica permanente gera o dano moral cumulado com o dano estético, ou apenas o primeiro, quando não ficar sequela”.
O acórdão também se baseou em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Súmula 387, que diz: “É lícita a cumulação de dano estético e dano moral”.
Quanto aos valores arbitrados, o acórdão observou que “a indenização pelo dano moral e estético, dada sua peculiar natureza, não pode ser ‘quantificada’”. Porém, salientou que “é inegável que o reclamante sofreu abalo ao seu patrimônio subjetivo, que abrange direitos do trabalhador constitucionalmente protegidos (art. 5º, X, da Constituição da República)”, e concluiu que tendo em vista o porte econômico da reclamada, considerou “correto o valor arbitrado na origem”.
Quanto ao valor de R$ 538.837,80, referente à indenização por danos morais, calculada com base no último salário do trabalhador, e a expectativa de vida média do brasileiro (72 anos), abrangendo o pedido de perdas e danos, lucros cessantes e despesas com auxiliares, o acórdão “não vislumbrou valor excessivo ou que possa configurar enriquecimento ilícito do trabalhador”.
O acórdão também concluiu que não podem ser acolhidos os apelos do empregador quanto à tutela antecipada, que segundo o seu entendimento, configuraria “bis in idem”. A decisão colegiada entendeu que, ao contrário das alegações de recurso, a tutela mantida pela sentença, “condenando a reclamada a garantir as despesas com tratamento das sérias sequelas advindas do acidente do trabalho”, é obrigação que “não se confunde com a indenização por danos materiais, sendo, portanto, suscetíveis de acumulação”.
O acórdão concluiu, no entanto, que a empresa tinha razão em seu pedido para afastar os honorários advocatícios, arbitrado na origem em R$ 230.825,67, justificando que, segundo a Súmula 219, item I, do TST: “Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família”.
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