11ª Câmara mantém decisão condenando Usina pela forma de pagamento a coletores de cana

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Por Ademar Lopes Junior

A 11ª Câmara do TRT-15 deu parcial provimento ao recurso da reclamada, uma usina do ramo sucroalcooleiro, apenas no que se refere à ampliação do prazo de início do cumprimento da obrigação de não fazer para 180 dias, a contar da intimação do trânsito em julgado, e manteve, no mais, a sentença proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Matão. O juízo de primeiro grau havia julgado procedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho e tinha condenado a usina a se abster de remunerar por unidade de produção os seus cortadores de cana, sob pena de multa de R$ 1.500 por trabalhador atingido, a cada mês em que se verificasse o descumprimento.

Todas as seis preliminares de mérito apresentadas pela reclamada, na tentativa de justificar a extinção do feito sem resolução de mérito pela eventual ilegalidade ativa do órgão ministerial para tutelar o suposto direito individual heterogêneo foram também afastadas pelo acórdão, que teve como relator o juiz convocado Hélio Grasselli. O acórdão ressaltou que a empresa, de modo geral, por meio de preliminares, "alegou que o tema envolvendo o pagamento por unidade de produção, especificamente no caso dos cortadores de cana-de-açúcar, diz respeito a típico interesse individual heterogêneo, o que afasta a legitimidade de atuação do órgão ministerial".

Em seu recurso, a empresa defendeu a tese de que "o pagamento por produção é autorizado pela lei, de modo que o Poder Judiciário equivocou-se ao proferir sentença proibindo a reclamada de remunerar seus empregados por unidade produzida". E também não concordou com a "imposição de multa em caso de desobedecimento da obrigação de não fazer imposta judicialmente", por entender que esta "não encontra amparo legal e, se mantida, acarretará enriquecimento ilícito do recorrido".

O colegiado considerou o contexto fático no qual se insere o cortador de cana e registrou que "a complexidade dos cálculos para a aferição da remuneração do trabalhador já seria suficiente para uma reprimenda por parte do Poder Judiciário".

A Câmara ressaltou que "o empregado faz o seu trabalho, corta a cana, após isso, todo o cálculo da remuneração fica a cargo da ré, apesar de estarmos em pleno século XXI, na sociedade da informação, da internet, da comunicação instantânea, ainda assim, o sistema e os meios de realização dos cálculos remontam ao século XVIII". Nessa situação, segundo o acórdão, "transparência, definitivamente, não há", uma vez que "o trabalhador não tem a menor condição de efetivamente aferir quantas toneladas de cana foram cortadas, pois o cálculo é feito por uma média da cana cortada, porém conjuga-se metros cortados por toneladas".

Para o colegiado, esse sistema "é digno de uma tese de doutorado em matemática, todavia, para os cortadores, representa miséria, adoecimento e morte", o que justifica, segundo afirmou, a adoção das razões de decidir apresentadas pelo magistrado de primeira instância. Mesmo assim, o colegiado acrescentou alguns novos argumentos, todos embasados em estudos das condições do trabalho do cortador de cana.

"Por que morrem os cortadores de cana?"

Para o colegiado, é "difícil de acreditar que essa pergunta tenha cabimento quase dois séculos e meio depois da 1ª Revolução Industrial, quase cento e cinquenta anos após a abolição da escravatura no Brasil, vinte e cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, entre tantos outros parâmetros temporais". A decisão colegiada, contudo, não só confirmou que essa pergunta tem cabimento como apresentou resposta certeira: "morrem porque não suportam o esquema adotado pelas empresas" e porque são "trabalhadores forçados e conduzidos à exaustão", além de serem "aviltados em sua dignidade desde a contratação, pois trabalham numa das profissões mais penosas do mundo contemporâneo com garantia, apenas, do salário mínimo", sendo "forçados a chegar à completa exaustão para que consigam, no final do mês, obter uma remuneração que varia entre 600 e 900 reais".

O acórdão destacou o aumento de 100%, nas últimas décadas, do volume de trabalho de um cortador de cana (nos anos 80, eram seis toneladas/dia, e a partir da década de 90, a média é de 12 toneladas/dia). Isso se deve, segundo o acórdão, a um conjunto de fatores, dentre eles o aumento da quantidade de trabalhadores disponíveis, devido ao aumento da mecanização do corte de cana, aumento do desemprego e expansão da fronteira agrícola para as regiões do cerrado; possibilidade de seleção mais apurada pelos departamentos de recursos humanos das usinas; contratação por período de experiência (em que os trabalhadores que não conseguem atingir a nova média de produção, 10 toneladas de cana por dia, são demitidos antes de completarem três meses de contrato).

O acórdão apresentou ainda um balanço das atividades de um trabalhador que corta hoje 12 toneladas de cana em média por dia de trabalho. Segundo o balanço, um cortador nessas condições realiza as seguintes atividades no dia: caminha 8.800m; despende 366.300 golpes de podão; carrega 12 toneladas de cana em montes de 15kg em média cada um (perfazendo, assim, 800 trajetos levando 15kg nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros); faz aproximadamente 36.630 flexões de perna para golpear a cana; perde, em média, 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte do interior de São Paulo, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela cana queimada, trajando uma indumentária que o protege da cana, mas que aumenta a temperatura corporal.

A Câmara ressaltou, com todo esse detalhamento pormenorizado da atividade do corte de cana, que "fica fácil entender por que morrem os trabalhadores rurais cortadores de cana em São Paulo", e afirmou que a solução para o problema só se dará quando se atingir o cerne da questão da morte dos cortadores de cana, que é "o excesso de trabalho e o pagamento por produção". O colegiado ressaltou que "não existe atleta profissional que tenha um desgaste físico e mental diário" comparável ao de um cortador de cana, e lembrou que a alimentação desses trabalhadores "não se compara à de um atleta profissional".

Por tudo isso, o colegiado concluiu que "é inegável que não se pode admitir uma forma de remuneração que possibilita o trabalho até a exaustão, até a fadiga, que causa acidentes, adoecimentos e mortes", e que, na realidade, "não estamos diante de possibilidades ou eventualidades, de eventos incertos", mas de "triste realidade cientificamente comprovada!". O acórdão registrou ainda que a reclamada "apresentou argumentação no sentido de que o pagamento por produção tem o efeito de evitar ‘corpo mole' por parte dos trabalhadores", o que, segundo afirmou o colegiado, "causa espécie e indignação esse tipo de defesa", até porque "a CLT prevê expressamente a possibilidade de dispensa por justa causa em caso de desídia ou ‘corpo mole' (art. 482, alínea 'e')".

No entanto, a 11ª Câmara entendeu que o recurso da empresa merecia ser acolhido "apenas em um tópico: o prazo para implementação da medida". O colegiado entendeu que o prazo de dez dias, imposto pelo Juízo de primeiro grau, "revela-se por demais exíguo", e por isso, determinou que a obrigação de se abster de remunerar por produção os trabalhadores envolvidos no corte manual de cana de açúcar deveria ser implementada no prazo de 180 dias a contar da intimação do trânsito em julgado. (Processo 0001117-52.2011.5.15.0081)

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