Câmara condena empresa a indenizar herdeiros de empregado falecido após 17 horas de trabalho
Por Ademar Lopes Junior
A 4ª Câmara do TRT-15 deu provimento ao recurso interposto pelos herdeiros de um trabalhador que morreu aos 32 anos, vítima de choque elétrico dentro da empresa em que trabalhava. Os reclamantes, o filho menor (um ano e quatro meses, representado por sua mãe) e a própria viúva, conquistaram indenização por dano material e moral.
Pelo dano material, a reclamada, uma indústria de transformadores elétricos, deverá pagar de uma só vez o valor equivalente a dois terços do salário mensal da vítima, multiplicado pelo número de meses "desde a sua morte até a data em que completaria 78 anos" (conforme o pedido original, com base na expectativa de vida calculada pelo IBGE). Pelo dano moral, os herdeiros deverão ser indenizados em 400 salários mínimos legais, sendo 200 para a viúva e 200 para o filho, além de correção monetária e juros de mora na indenização por dano moral, na forma do enunciado da Súmula nº 439 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e correção monetária na indenização por dano material, desde a data da morte da vítima, e juros de mora conforme artigo 883 da CLT.
O relator do acórdão, desembargador Dagoberto Nishina, determinou ainda a expedição de carta de ordem, pela qual o juízo de origem "deverá intimar a reclamada para que comece a pagar imediatamente o valor mensal do pensionamento, na data em que a vítima recebia habitualmente seu salário, sob pena de multa de R$ 10 mil por dia de atraso, cujo valor será descontado do crédito total apurado na liquidação".
A sentença proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de São José do Rio Pardo havia julgado improcedente o pedido dos herdeiros reclamantes, determinando a culpa exclusiva da vítima no acidente de trabalho. O colegiado, porém, negou essa tese, entendendo que o trabalhador, no dia do acidente, estava submetido a uma jornada extenuante e ilegal, de mais de dez horas de trabalho, e estaria esgotado física e mentalmente.
A empresa confirmou que o falecido era "empregado com elevada experiência profissional". Confirmou também que, no dia do acidente, o trabalhador tinha começado a jornada às 7h e que houve pausa para o almoço, de uma hora e trinta minutos, e também pausa para o jantar. Por conta disso, a ré contestou que a jornada fosse "ininterrupta", mas presumiu "a fadiga alardeada na petição inicial como motivo ensejador do evento".
No relatório da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) consta que "a sala de máquinas possui dispositivo de intertravamento na porta e também placa de identificação de ‘CUIDADO ALTA TENSÃO'". O documento registrou também que, das pessoas que frequentam o local, o trabalhador que morreu era "o que tinha maior conhecimento dos riscos existentes, pois foi ele quem projetou e montou todos os equipamentos elétricos da sala de máquinas".
A defesa da reclamada e o registro no relatório da Cipa deram a base do entendimendo do juízo de primeiro grau, que julgou improcedentes os pedidos dos reclamantes, reputando toda a culpa pelo acidente exclusivamente ao trabalhador.
A Câmara afirmou, porém, que vislumbra "claramente na descrição do empregador, artigo 2º, da CLT, um espectro mais amplo na assunção de todos os riscos do empreendimento, atraindo obrigação de reparar dano, independentemente de culpa, quer quanto a terceiros, quer em relação aos seus colaboradores". O acórdão afirmou ainda que a previsão do artigo 927 do Código Civil não se limita a danos causados a terceiros, "mas também, e principalmente, os empregados porventura vitimados pela atividade do empregador, mesmo sem concorrência deste, porém, causados pelos riscos de sua atividade".
O acórdão ressaltou que "não há nos autos qualquer prova que evidencie a culpa do trabalhador no evento que lhe suprimiu a vida". Ele foi contratado em 4 de janeiro de 2011, "com pleno e absoluto conhecimento de sua função", visando "resolver qualquer problema relacionado à manutenção do laboratório de ensaios junto à empresa/reclamada".
No dia do acidente, 17 de março de 2011, ao caminhar pelo laboratório de ensaio, segundo o testemunho de um companheiro de trabalho, a vítima, "em ato inusitado, inesperado, pretendeu repentinamente inspecionar os equipamentos colocando seu corpo entre o disjuntor e a carcaça do gerador, recebendo descarga elétrica fatal que resultou no óbito". Ainda segundo essa testemunha, o choque recebido pelo trabalhador foi de aproximadamente de oito mil volts.
O auto de levantamento do local do acidente, elaborado pela polícia, revela que a vítima estava caída "num pequeno corredor, muito estreito, segurando um ferro, como se tivesse tentado se apoiar no suporte do transformador". O laudo acrescenta, segundo o acórdão, um dado relevantíssimo: "No chão havia um líquido como se fosse óleo; um tablado de madeirite, tipo uma passarela em cima de vários cabos e fios; muito pó de serra, como se tivesse havido uma tentativa de secar o local". O documento revela ainda que "as costas da vítima estavam queimadas, como se ele houvesse escorregado e tentado se apoiar, mas bateu as costas no transformador e acabou recebendo a descarga elétrica".
Para o colegiado, "não se pode descartar a hipótese levantada pelo perito da Polícia Técnica, quanto a um possível escorregão no chão besuntado por óleo diesel que vazara de um dos transformadores, motivo da presença da equipe no local, ocasião em que a vítima, num movimento involuntário, tenha agarrado a base metálica à sua frente e fechado o circuito com o contato de suas costas com outra estrutura".
O acórdão, por fim, afirmou que se deve também "considerar o possível esgotamento físico/mental da vítima, que, conforme apurado pelo perito, no dia fatídico, começou a trabalhar às 7h e sofreu acidente à 00h10 do dia seguinte" – segundo as testemunhas, com duas interrupções: almoço (1h30) e entre 15 ou 40 minutos para comer uma pizza após as 18h. A Câmara lembrou que "não há em nosso ordenamento permissão para submeter o trabalhador a uma jornada de dezessete horas de trabalho". Ressaltou também que "isso é biologicamente inviável, pois o corpo humano não foi concebido para permanecer alerta por tanto tempo, e o relógio mecânico não se coaduna com o relógio biológico – este é uma criação divina; aquele, inventado pelo próprio homem, serve apenas para registro do que se convencionou como segundo, minuto, hora, dia, mês, ano..."
Em conclusão, o acórdão afirmou que "não é aceitável imputar à vítima culpa pelo infortúnio" e que, "extenuado física e mentalmente em razão do excesso de labor imposto pela sua empregadora, em total afronta ao disposto no artigo 7º, inciso XIII, da Constituição, potencializou-se, por culpa exclusiva da empresa, a suscetibilidade da ocorrência de acidente em prejuízo daquele cuja energia já havia se exaurido". (Processo 0000010-77.2012.5.15.0035)
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