CLT faz 70 anos em meio ao debate sobre seu papel nas relações de trabalho no País

Conteúdo da Notícia

Por Luiz Manoel Guimarães

Para muitos, ela precisa de reforma. Já outros dizem que a retirada de excessos já seria suficiente. Críticas à parte, neste 1º de Maio a CLT se torna uma "senhora" de 70 anos com um histórico de bons serviços na regulação das relações entre empregados e empregadores no País.

A Consolidação das Leis do Trabalho nasceu pelas mãos de quatro "pais", uma comissão de juristas nomeada em 1942 pelo então presidente da República, Getúlio Vargas, especificamente para redigir a CLT. O grupo incluía um jovem assessor do ministro Alexandre Marcondes Filho, do Trabalho, Indústria e Comércio. Arnaldo Lopes Süssekind tinha apenas 24 anos à época e foi a memória viva do Direito do Trabalho brasileiro nas últimas sete décadas.

Em 2011, por ocasião dos 70 anos da instalação da Justiça do Trabalho no Brasil (também comemorados no 1º de Maio), o jurista revelou, em entrevista à repórter Beatriz Bulla, do site Última Instância, detalhes de como o ministro Marcondes Filho definiu os integrantes da comissão que faria nascer a CLT. Segundo Süssekind, que faleceu em 9 de julho de 2012, exatamente no dia em que completava 95 anos, a escolha de Luiz Augusto Rego Monteiro foi natural. "Ele era o diretor-geral do DNT [Departamento Nacional do Trabalho], o principal departamento do Ministério." Já a inclusão de José de Segadas Viana foi um pedido do próprio Getúlio, que ficara impressionado com Viana, numa conversa durante um voo ao Sul do País. Sobre Dorval Lacerda Marcondes, indicado ao ministro pelo próprio Süssekind, sob a justificativa de ser quem mais entendia de Direito do Trabalho na Procuradoria do Ministério, Marcondes Filho fez apenas uma pergunta: "É parente do Lacerda?". Ele se referia ao jornalista Carlos Lacerda, fundador do jornal Tribuna da Imprensa e que chegou a ser, nos anos 1960, governador do extinto Estado da Guanabara. Mais do que isso, no entanto, Lacerda era o arqui-inimigo de Vargas e foi pivô da crise que culminou no suicídio do presidente, em agosto de 1954, no segundo mandato de Getúlio. "Não, não é parente do Lacerda", respondeu laconicamente Süssekind, não sem observar à repórter: "Não sei se ele queria vetar ou concordar [com a indicação], isso eu não sei". Desfeita a dúvida quanto ao parentesco com o célebre e político carioca, o nome de Dorval Lacerda Marcondes foi prontamente aceito, arrematou o entrevistado, que, para a sua própria surpresa, completou o grupo. "Quem você acha que vai me representar [na comissão]?", disparou Marcondes Filho a um ainda perplexo Süssekind. Houve ainda, na verdade, um quinto e último componente, Oscar Saraiva, que, no entanto, deixaria a comissão antes da conclusão dos trabalhos, para se dedicar ao projeto de Consolidação das Leis da Previdência, interrompido posteriormente pelo governo.

A princípio, aliás, o projeto do Executivo era elaborar a Consolidação das Leis do Trabalho e Previdência Social, um documento único para as duas áreas, mas, por sugestão da comissão, Marcondes Filho logo desistiu da ideia. Com a CLT, o que o governo buscava, conforme explicou Süssekind em 2008, durante a homenagem que recebeu por ocasião do 8º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, em Paulínia, era "juntar numa só lei, corrigindo algumas normas e certos antagonismos, os decretos legislativos de 1930 a 1934, as leis do Congresso Nacional até 10 de novembro de 1937 e os decretos-leis do período subsequente". Mas rapidamente a comissão percebeu que precisaria ir além, complementando a legislação trabalhista vigente à época, acrescentou o jurista. Entre outras coisas, exemplificou ele, foi necessário acrescentar "uma introdução com definições e princípios, um amplo título sobre o contrato individual do trabalho, porquanto a Lei nº 62, de 1935, só tratava da rescisão e da estabilidade, e um capítulo referente a salário, pois só vigorava legislação sobre o salário mínimo".

"Foi uma comissão sem paixão política, com interesses apenas doutrinários e brasileiros", sublinhou Süssekind, que conheceu Getúlio por intermédio de uma das filhas do presidente. Alzira Vargas era colega do futuro ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) na Faculdade de Direito da então Universidade do Brasil, posteriormente Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Três décadas depois de sua primeira participação na CLT, Süssekind voltaria a dar uma contribuição importante à Consolidação, em 1977, ao fazer parte da elaboração dos novos capítulos a respeito de férias e de segurança e medicina do trabalho.

Nova realidade

Boa ou má a CLT é relevante desde que nasceu. Tanto que, ainda recém-nascida, já protagonizava controvérsias, a ponto de, promulgada em 1º de maio de 1943, só ter sido publicada no Diário Oficial no mês de agosto seguinte, entrando em vigor somente em 10 de novembro daquele ano – segundo Süssekind, um pedido dos empregadores, que queriam postergar ainda mais a vigência da Consolidação. Sessenta anos depois, no princípio da última década, enfrentaria a maior ameaça, talvez, à sua efetividade, risco consubstanciado no Projeto de Lei 5.483/2001, de autoria do Poder Executivo e que propunha alteração no artigo 618 da CLT. A proposta era estabelecer que as condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevaleceriam sobre o disposto em lei, excetuadas apenas as normas de segurança e saúde do trabalho e a própria Constituição Federal. Era a chamada "prevalência do negociado sobre o legislado", ideia que acabou arquivada.

Mas o peso da idade é inevitável. No último dia 15 de abril, em palestra na Escola Judicial do TRT-15, na sede da Corte, em Campinas, o juiz Homero Batista Mateus da Silva, titular da 88ª Vara do Trabalho de São Paulo, observou que a CLT já sofreu mais de mil alterações. Professor de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidade de São Paulo (USP), o magistrado ressaltou a importância da Consolidação, mas afirmou que, atualmente, ela se converteu num "espírito que norteia a Justiça do Trabalho", dividindo com a jurisprudência a tarefa de regular as relações trabalhistas no País. Segundo Homero, as mudanças mais recentes no mundo jurídico brasileiro conferiram às súmulas e às orientações jurisprudenciais "status de lei", tanto que "já se ouve falar em vigência da súmula, ‘vacatio legis' da súmula...".

Falando sobre a palestra, a vice-diretora da Escola Judicial, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, lembrou que, de fato, no início de sua carreira, há mais de 30 anos, "a jurisprudência só se aplicava em dois casos: ‘praeter legem' (em caso de vazio da lei) e ‘secundum legem' (em caso de preceder a lei, em confronto com a realidade)". Atualmente, num cenário em que os conflitos se tornaram internacionais, "a lei deixou de atuar como padrão de conduta por si só", obrigando os chamados operadores do Direito "a se valerem dos princípios", avalia a magistrada. Para aprofundar o debate a respeito da CLT nos dias de hoje, Tereza Asta redigiu dois artigos, que podem ser lidos aqui e aqui.

 TRT promove iniciativas para marcar a data

No TRT da 15ª, as comemorações dos 70 anos da CLT incluem iniciativas como a divulgação da data, por intermédio da Coordenadoria de Comunicação Social da Corte, aos veículos de comunicação da 15ª, bem como no portal do TRT na internet. Também serão distribuídos cartazes elaborados pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) às Varas do Trabalho da 15ª e à Procuradoria Regional do Trabalho, bem como a prefeituras, câmaras de vereadores, subseções da OAB e sindicatos de municípios que fazem parte da jurisdição do Tribunal. Além disso, a logomarca e o slogan da campanha em homenagem à Consolidação serão inseridos em todos os documentos oficiais do Regional, e todos os magistrados e servidores da Justiça do Trabalho da 15ª Região serão convidados a contar uma história pessoal relacionada à CLT, também para veiculação no site da Corte.

Dando seguimento às homenagens, em 16 de maio o aniversário da Consolidação será objeto de ato solene durante as sessões administrativas do Tribunal Pleno e do Órgão Especial do TRT. Nos dias 27 e 28 de junho próximo, "Os 70 anos da CLT" serão o tema central da 13ª edição do Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, no Theatro Municipal de Paulínia. Durante o Congresso, será exibido um mosaico de fotografias de magistrados e servidores da 15ª junto à CLT, material que também poderá ser visto no portal do Tribunal.

Unidade Responsável:
Comunicação Social