Congresso discute as consequências da exposição do trabalhador ao calor e às radiações a céu aberto

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Por Patrícia Campos de Sousa

O painel "Caracterização da insalubridade no trabalho rural: exposição ao calor e às radiações a céu aberto" abriu, na quinta-feira, 17/10, as atividades vespertinas do primeiro dia do XVI Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, promovido pelo TRT-15 no Centro Internacional de Convenção "Dr. Nelson Barbieri", em Araraquara (SP). O tema foi abordado pelo pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Paulo Alves Maia, pelo presidente da Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais, José Manuel Osvaldo Gana Soto, e pelo desembargador João Batista Martins César, da 11ª Câmara do Tribunal. Os debates foram mediados pelo advogado trabalhista Wlademir Flávio Bonora.

Engenheiro mecânico formado pela Unicamp e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Paulo Alves Maia foi o primeiro a palestrar. Doutor em Engenharia Civil pela Unicamp, com especialização em Engenharia Mecânica na área térmica e de fluidos pela mesma universidade, e em Engenharia de Segurança do Trabalho pela PUC de Campinas, o painelista atua há mais de 25 anos na área de saúde e segurança ocupacional da Fundacentro, em Campinas, onde coordena projeto que estuda a sobrecarga térmica.

Sobrecarga térmica, lecionou Maia, é a carga de calor a que o trabalhador está sujeito, resultante das contribuições do calor metabólico (produzido pelo próprio corpo), dos fatores ambientais (temperatura do ar, umidade do ar, velocidade do ar e calor radiante, que é o tipo de calor proveniente do próprio Sol ou de um forno, por exemplo) e das vestimentas exigidas para o trabalho. "A sobrecarga ocorre quando o corpo da pessoa sai de seu equilíbrio térmico, começando a aquecer. Se leve ou moderada, pode causar desconforto e afetar negativamente o desempenho e a segurança do trabalhador, fazendo com que ele corra o risco de cometer erros, mas não chega a ser prejudicial à sua saúde. Porém, se a sobrecarga térmica se aproxima dos limites de tolerância do ser humano, os riscos de danos à saúde são grandes", advertiu o pesquisador.

Entre as doenças causadas pelo excesso de calor, a mais grave, segundo Maia, é a insolação, que ocorre quando o corpo se torna incapaz de controlar sua temperatura. "O mecanismo de transpiração falha e o corpo não é capaz de se resfriar", explica. "A temperatura corporal pode passar dos 41 ºC em 10 ou 15 minutos e, se o trabalhador não for socorrido imediatamente, o choque térmico pode levá-lo à morte ou à invalidez permanente." A insolação se caracteriza também pela pele seca e quente, sudorese profunda, calafrios e dor de cabeça latejante. O indivíduo pode sofrer alucinações, com sentimentos de confusão e tontura e fala ininteligível.

Os riscos dessa exposição, frisou o palestrante, exigem que se promova um constante monitoramento das atividades do trabalhador, bem como a sua gradual aclimatação nas frentes de trabalho. A avaliação do grau de exposição ao calor é feita ordinariamente pela medição do chamado Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo (IBUTG), por meio de um equipamento composto de três termômetros. O problema, de acordo com Maia, é que o índice medido por esse equipamento, em um determinado dia, pode não ser representativo da exposição sofrida pelo trabalhador, uma vez que o grau de exposição tende a variar muito de um dia para outro, e mesmo ao longo de um mesmo dia. Na avaliação do pesquisador, seria necessário fazer pelo menos seis leituras, de 10 em 10 minutos, para se ter um cálculo confiável do IBUTG, o que, segundo ele, não ocorre na prática. "Geralmente só se faz uma única medição, dado o alto custo do equipamento e do deslocamento do profissional especializado até o local que se deseja avaliar."

Nova tecnologia

Foi com essa preocupação que Maia e outros colegas da Fundacentro desenvolveram, a partir de um convênio com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), um software que faz o monitoramento da sobrecarga térmica do trabalhador rural a partir de dados fornecidos por estações meteorológicas. O programa, informou o palestrante, é disponibilizado gratuitamente no site da instituição (www.fundacentro.gov.br), podendo ser utilizado como ferramenta de gestão de saúde e segurança no trabalho não só por juízes trabalhistas, mas também por procuradores e fiscais do trabalho, por sindicatos e pelas próprias empresas.

Entre outras vantagens, a tecnologia torna desnecessário o deslocamento ao local de medição. O software faz oito medições numa única hora de pesquisa. Cada varredura feita pelo programa, detalhou o palestrante, analisa o ambiente de trabalho desejado por até 30 dias, com seis horas diárias de medição, informando a taxa metabólica média de todos os trabalhadores.

Segundo o professor, a ferramenta é de fácil utilização. Basta acessar, no portal da Fundacentro, os links "Sobrecarga térmica" e "Para estimar IBUTG clique aqui". Uma vez informados o local de medição (por meio do Google Maps ou da indicação dos parâmetros de latitude e longitude), o período da pesquisa, o tipo de atividade exercida pelo trabalhador (leve, moderada ou pesada) e a cobertura do solo, em questão de segundos estará pronto o relatório, que incluirá as datas e horários em que a medição foi feita, as estações meteorológicas acionadas e o IBUTG relativo a cada hora analisada. O relatório informa também se a exposição ao calor está de acordo com a legislação vigente ou se ultrapassa o limite de tolerância estabelecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para a caracterização de atividade insalubre, e traz as medidas de prevenção e controle necessárias à redução dos efeitos do calor excessivo, como a fixação do período de descanso a ser observado a cada hora de trabalho.

Paulo Maia explicou que o sistema atualmente só pode ser utilizado no Estado de São Paulo, mas que, em breve, seu emprego será ampliado para todo o País. "Embora não valha como parâmetro legal, a ferramenta permite uma medição do IBUTG bem mais acurada do que a obtida com o equipamento tradicional, devendo ser amplamente disseminada."

Atualização da NR 15

O segundo painelista, o chileno José Manuel Osvaldo Gana Soto, radicado no Brasil desde 1974, também atuou como pesquisador na Fundacentro, onde gerenciou a Divisão de Higiene Ocupacional. Engenheiro químico e de segurança do trabalho, com estágios de aperfeiçoamento profissional no National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH), nos Estados Unidos, e em diversas empresas norte-americanas, assim como no Centro de Pesquisas da Rhone Poulanc, em Lyon, na França, foi também consultor do MTE, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), ministrando cursos e treinamentos e conduzindo levantamentos de riscos no País e no exterior.

Segundo lecionou o palestrante, o organismo humano é adaptável à exposição ao calor, entre outras variações ambientais, mas há limites a essa adaptabilidade. "Em circunstâncias normais de saúde e conforto, a temperatura do corpo humano é mantida aproximadamente constante, entre 36,5 ºC e 37 ºC, com pequenas variações. Isso é conseguido através de um equilíbrio entre o calor produzido no organismo humano e a troca de calor com o ambiente. Qualquer alteração da temperatura do núcleo do corpo, mesmo que de poucos graus, pode ter graves consequências. Ao atingir a temperatura de 40,6 ºC, o ser humano entra em hipertermia ou sobrecarga térmica. Entre 41,7 ºC e 43,3 ºC, já se caracteriza o risco de morte. De acordo com a OMS, não se deve prosseguir trabalhando quando a temperatura do núcleo do corpo atinge 38 ºC."

No Brasil, explicou Gana Soto, essas limitações foram fixadas na Norma Regulamentadora nº 15 (NR15), publicada por meio da Portaria 3.214 do MTE, de 8 de junho de 1978, e que fixa o grau de tolerância do trabalhador à exposição ao calor, medida por meio do cálculo do índice IBUTG. A NR15 estabelece também medidas voltadas a evitar a sobrecarga térmica, como, por exemplo, a duração das pausas para descanso, de que deve gozar o trabalhador durante a jornada a céu aberto, conforme o tipo de atividade exercida (leve, moderada ou pesada). A norma considera níveis de IBUTG abaixo de 25 como ideais para o trabalho humano, que, nessas circunstâncias, pode ser executado de forma contínua. Relativamente às atividades pesadas, em que se incluem as do cortador de cana-de-açúcar, a NR determina que, sendo o IBUTG de 25,1 a 25,9, o trabalhador deve descansar 15 minutos após 45 minutos de trabalho. Para níveis entre 26 e 27,9, o recomendável já passa a ser 30 minutos de descanso para cada 30 de trabalho; de 28 a 30, o correto é trabalhar 15 minutos e descansar 45. Acima de 30 não é permitido o trabalho sem a adoção de medidas adequadas de proteção e controle.

Assim como o primeiro palestrante, Gana Soto considera que o único meio de evitar a sobrecarga térmica do trabalhador exposto a situação térmica desfavorável é fazer a medição contínua da temperatura do núcleo do seu corpo, o que se mostrava impraticável até a criação do software apresentado por Maia. "Essa é a importância da ferramenta desenvolvida pela Fundacentro. Além dos parâmetros fisiológicos (metabólicos) – como o tipo de atividade exercida, o nível de hidratação e o estado de saúde do trabalhador (se é diabético, hipertenso etc.) –, o sistema possibilita também medir de forma rápida e com precisão os parâmetros ambientais que influenciam essa temperatura."

Gana Soto propôs a criação de um grupo de trabalho, composto por especialistas em higiene ocupacional e medicina ocupacional, para atualizar a NR15, criada há mais de 35 anos e nunca revisada. "Além dos avanços técnico-científicos da literatura internacional, esse grupo deve levar em consideração as peculiaridades do nosso País e do trabalhador brasileiro." Para o pesquisador, a norma deveria incluir a obrigatoriedade do desenvolvimento de um programa de avaliação e controle da sobrecarga térmica para todas as situações de exposição ao calor. Ele também sugere que as empresas façam seus próprios investimentos na área.

Os avanços da jurisprudência

A palestra do desembargador João Batista Martins César focou na legislação e na jurisprudência produzida sobre o tema, em especial sobre o direito à percepção do adicional de insalubridade pelo trabalhador que atua a céu aberto. Procurador do trabalho por quase 15 anos, o painelista é mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade de Sorocaba e em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. É também autor de vários trabalhos jurídicos, entre eles os livros "Tutela Coletiva – Inquérito Civil – Poderes Investigatórios do Ministério Público – Enfoques Trabalhistas" (2006) e "A Tutela Coletiva dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores" (2013), ambos publicados pela Editora LTR.

João Batista criticou a Súmula 460 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que, para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade como insalubre, ato da competência do MTE. Na mesma linha, opôs-se à Orientação Jurisprudencial (OJ) 4, da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e que trata de lixo urbano. Assim como a Súmula do STF, a OJ dispõe que não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade como insalubre na relação oficial elaborada pelo MTE.

O desembargador observou, contudo, um notável avanço na jurisprudência sobre o tema, citando julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entendem, "à luz da interpretação sistemática, que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro". João Batista destacou também a OJ 173 da SDI-I do TST, cuja redação foi recentemente alterada, passando a dispor que, embora seja indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto e sujeito à radiação solar, por ausência de previsão legal, tem direito a ele "o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR15".

Embora se declare crítico da "monetarização" da saúde do trabalhador, o palestrante defendeu a revisão do artigo 193 da CLT, que obriga o empregado a optar entre o adicional de periculosidade e o de insalubridade. O desembargador citou alguns acórdãos recentes – entre eles alguns da 15ª Região –, que têm autorizado o trabalhador a acumular os dois adicionais.

O magistrado ressaltou ainda a agressividade do trabalho rural. Segundo ele, o esforço físico de um cortador de cana equivale ao desgaste de um corredor que disputa uma maratona. "Ele faz uma maratona por dia, só que sem contar com uma alimentação adequada, com preparação física recomendada e, pior, cheio de EPIs – luvas, perneiras, calça elástica, óculos, camisa de manga, botina de segurança, protetor auricular etc. –, que aumentam muito o esforço realizado e esquentam seu corpo." Nesse sentido, o palestrante defendeu a aplicação ao trabalhador rural da NR31, que garante pausa para descanso àqueles que exercem atividades necessariamente em pé, ou que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica.

João Batista chamou a atenção também para o problema da queima dos canaviais, que aumenta em aproximadamente 2 ºC o calor nas frentes de trabalho, além de produzir agentes químicos, como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), de repercussão negativa na saúde dos trabalhadores e nas comunidades próximas aos canaviais. Segundo o desembargador, a mera exposição do trabalhador aos HPAs na manipulação da cana justificaria a concessão do adicional de insalubridade. Ele defendeu ainda, com base na Lei 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, a responsabilidade objetiva (independente de culpa) do agente poluidor pela indenização ou reparação dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.

João Batista lamentou que a NR15 não seja devidamente aplicada no País e destacou a atuação do Ministério Público do Trabalho, que tem firmado Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com algumas usinas, visando à manutenção de um controle diário de medições de temperaturas e umidade relativa do ar e a suspensão da colheita quando a temperatura atingir 37 ºC. O importante, nesse caso, advertiu o palestrante, é garantir que os períodos de interrupção ou suspensão do trabalho sejam considerados como tempo à disposição do empregador e remunerados com base na média da produção diária. Ele lembrou também que muitas das ações civis públicas ajuizadas pelos procuradores do trabalho têm sido acolhidas pela Justiça do Trabalho da 15ª. "É hora de dar concretude à Constituição Federal, de tratar a saúde do trabalhador como a lei previu. E isso passa pela elaboração de avaliações de risco, pela adoção de medidas voltadas à aclimatação, à orientação, ao treinamento e à prevenção da sobrecarga térmica dos trabalhadores, sobretudo com a interrupção do labor para períodos de descanso ou a suspensão do serviços sempre que ultrapassado o IBUTG 25."

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