Congresso Rural debate iniciativa polêmica envolvendo trabalhadores, empresários e governo

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Por Ademar Lopes Junior

O 1º painel do XVI Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, na manhã desta quinta-feira, 17/10, tratou do "Compromisso Nacional Para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar" e teve como palestrantes o presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), Elio Neves, e a vice-diretora da Escola Judicial (Ejud) do TRT-15, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani. A desembargadora Antonia Regina Tancini Pestana, que integra a 3ª Câmara do Tribunal, mediou o painel.

Antonia Pestana, que é natural de Araraquara, cidade que sedia o congresso, falou de sua alegria e emoção de participar "de evento tão expressivo para a Justiça do Trabalho, especialmente por mediar um painel que trata de uma iniciativa pioneira no País e que envolve representantes de trabalhadores rurais, de empregadores e, também, do Governo Federal". A desembargadora salientou a importância do Compromisso Nacional, que deu "base para outras discussões, como as que envolveram os trabalhadores da construção civil".

O presidente da Feraesp, em sua palestra, traçou em linhas gerais a trajetória das negociações entre trabalhadores rurais (cortadores de cana-de-açúcar), empregadores e Governo Federal, que culminaram na assinatura do Compromisso Nacional Tripartite, em 2009, com vigência até 30 de abril deste ano. Neves afirmou que a ideia de uma ampla discussão foi acolhida, na época, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfrentando questões de terceirização do corte de cana e combate à atividade do "gato" (contratante, no meio rural, de mão de obra), além de outras demandas, chamadas por Neves como "de pé de eito", em que os próprios trabalhadores questionam seus direitos, principalmente os que envolvem saúde e segurança. Dentre algumas dessas questões, destacam-se, por exemplo, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) de pouca eficácia, como luvas e óculos, que são certificados como de proteção à saúde, porém, na prática, são desprezados pelos trabalhadores, por serem ineficientes. A migração de cortadores de cana, os dormitórios e as instalações sanitárias também constaram da pauta de discussões. Segundo Neves, são itens que exigem regulamentação urgente, a fim de impedir o tráfico de trabalhadores - a "compra e venda" de seres humanos, como definiu o palestrante - e garantir condições dignas de trabalho.

O presidente da Feraesp afirmou, porém, que, "infelizmente, o Governo não conseguiu cumprir integralmente sua parte no acordo, como, por exemplo, a reinserção no mercado de trabalho de cortadores de cana desempregados pela crescente mecanização da lavoura". O sindicalista defendeu que o compromisso da negociação tripartite deve ser "ético" e a perspectiva da discussão envolvendo o capital e o trabalho "não pode parar só no texto da lei".

Questionamentos

Doutora em Direito do Trabalho pela USP e integrante da Academia Nacional de Direito do Trabalho, com 25 anos de carreira na Magistratura Trabalhista, a desembargadora Tereza Asta, em sua palestra que abordou os aspectos jurídicos do Compromisso Nacional, afirmou que "a questão é extremamente controvertida", mas defendeu a necessidade do debate, principalmente pela "inegável importância do setor sucroenergético para o País, maior exportador mundial de açúcar".

A magistrada ressaltou alguns pontos do Compromisso, que envolveu "a universalização de um conjunto de boas práticas, como a eliminação do intermediário, inclusive no caso do trabalhador migrante; o fim da vinculação da remuneração do encarregado da turma a um percentual dos salários pagos aos cortadores de cana; maior transparência na aferição e forma de pagamento da cana cortada, com a prestação de informações claras e precisas aos trabalhadores; a adoção de práticas destinadas à promoção da saúde e segurança dos trabalhadores, em especial a concessão de duas pausas coletivas por dia e a utilização de EPIs adequados para o trabalho no campo; a valorização da atividade sindical e da negociação coletiva; o fornecimento de transporte seguro e gratuito aos trabalhadores para as frentes de trabalho no campo, com a organização de um sistema de atendimento a acidentes no percurso; o fornecimento gratuito de recipiente térmico para acondicionar alimentos, garantindo condições de higiene e manutenção de temperatura e eliminando a situação de "boia-fria"; a observância dos requisitos estabelecidos pela Norma Regulamentadora 31, especialmente no caso dos alojamentos dos trabalhadores; e, por fim, a divulgação das boas práticas trabalhistas utilizadas, para que se tornem referência para as relações de trabalho e sejam adotadas também pelos fornecedores independentes de cana-de-açúcar", conforme lecionou a desembargadora.

A vice-diretora da Ejud ressaltou também que, da parte do governo, "o compromisso envolveu um conjunto de programas e políticas públicas destinadas aos trabalhadores do cultivo manual da cana-de-açúcar", como, por exemplo, a adequação dos EPIs; a ampliação progressiva dos serviços oferecidos pelo Sistema Público de Emprego (Sine), favorecendo a contratação; a adoção de um Plano de Auxílio Mútuo de Emergência, com integração local/regional dos serviços de saúde, visando possibilitar atendimento nos casos de acidentes de trabalho no percurso e nas frentes de trabalho no campo; a alfabetização e a elevação da escolaridade/qualificação e requalificação dos trabalhadores, a fim de possibilitar sua reinserção produtiva no mercado de trabalho; e o fortalecimento de ações e serviços sociais em regiões de emigração de trabalhadores para atividades sazonais do cultivo manual da cana-de-açúcar".

Vice-Presidente do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Preservação da Memória da Justiça do Trabalho, a desembargadora Tereza Asta falou ainda do controvertido selo "Empresa Compromissada", recebido por 169 das 255 empresas que aderiram ao Compromisso. A questão, segundo a palestrante, suscita algumas discussões, como, por exemplo, se a concessão do selo atestaria "a atuação regular que não corresponde à realidade", tendo em vista "os termos de ajuste de conduta (TACs) celebrados com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e as inúmeras ações trabalhistas ajuizadas contra as usinas signatárias do Compromisso Nacional". Tereza Asta também questiona se "haveria a instituição de um 'Compromisso' de fachada, apenas para possibilitar a concessão de um 'selo social' chancelado pelo Governo Federal e utilizado comercialmente para exportação, em benefício da empresa signatária".

A magistrada questionou ainda se a "realização de auditorias contratadas pelas usinas que aderiram ao Compromisso prejudicaria a fiscalização do Ministério do Trabalho" e, também, se "seria possível exigir a realização de fiscalização pelo Ministério do Trabalho como pré-requisito para a concessão do selo".

A título de debate, a palestrante questionou se a negociação tripartite seria "um modelo novo de negociação coletiva, organizada de forma tripartite, com a participação também dos órgãos e ministérios governamentais, modelo esse que deve ser admitido por estimular a adoção de 'boas práticas' e o diálogo social, além de conferir maior eficácia e amplitude à atuação dos corpos intermediários" ou "deveria ser mantido apenas o modelo previsto na CLT, em que participam da negociação coletiva só os representantes dos empregados e dos empregadores". Também questionou, por fim, se "a contratação coletiva prevista no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 deve admitir, ou não, esse modelo tripartite, além do previsto na CLT, quando a implementação das questões discutidas envolver a implementação de políticas públicas".

A magistrada, reforçando o espírito de abertura para novas e profundas discussões, encerrou a palestra com uma frase do escritor Guimarães Rosa, dizendo que "o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia".

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