Juíza Maria Inês Targa discute as lições do caso Shell/Basf em palestra na Escola Judicial

Conteúdo da Notícia

Por Patrícia Campos de Sousa

Cerca de cem pessoas, entre magistrados, servidores e estagiários, lotaram o auditório da Escola Judicial do TRT-15 na tarde desta quarta-feira (17/4) para assistir à palestra sobre o "caso Shell/Basf" proferida pela juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa. Titular da 2ª Vara do Trabalho (VT) de Paulínia, a magistrada é autora da sentença que condenou as empresas a indenizarem e a prestarem atendimento integral à saúde aos ex-trabalhadores da fábrica de pesticidas instalada no município e aos filhos destes gerados após a exposição dos pais a substâncias tóxicas. Após ser confirmada pela 4ª Câmara do TRT, a decisão foi objeto de recurso de revista no Tribunal Superior do Trabalho (TST), onde a ação foi finalmente resolvida no último dia 8 de abril, mediante acordo entre representantes das empresas e dos trabalhadores.

Entre outros pontos acordados, a Raizen Combustíveis S.A. (ex-Shell) e a Basf se comprometeram a efetuar o pagamento imediato a 1.058 pessoas de 70% dos valores das indenizações por danos materiais e morais individuais definidos na sentença, corrigidos até a data dos desembolsos, totalizando cerca de R$ 200 milhões. O acordo garante ainda o atendimento médico vitalício às vítimas habilitadas e o pagamento de uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 milhões, dos quais R$ 150 milhões serão revertidos a duas instituições que atuam no campo da pesquisa, prevenção e tratamento de vítimas de desastres ambientais, e o restante, destinado à construção de uma maternidade em Paulínia.

O evento, que integra as atividades da 9ª Semana Temática da Formação Inicial de Magistrados do Trabalho da 15ª Região, foi aberto pelo vice-presidente judicial do TRT, desembargador Henrique Damiano, que ressaltou a extrema relevância do tema. Segundo o magistrado, a decisão no caso Shell/Basf é um marco representativo no que diz respeito à proteção do meio ambiente de trabalho, "uma decisão histórica para o Brasil, tratado até então como o lixão do mundo".

Antes de iniciar sua exposição, Maria Inês anunciou a presença de dois diretores da Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (ATESQ), entidade que, segundo ela, desempenhou importante papel na mobilização dos trabalhadores e para a obtenção da conquista ora festejada. Antonio Marcos Rastero e Mauro Bandeira de Torres presentearam a magistrada com flores, recebidas com grande emoção. "Sinto-me muito honrada com a homenagem prestada por esses dois grandes homens, gente que faz, que muda o mundo", afirmou a palestrante, arrancando aplausos da plateia.

A apresentação da juíza foi aberta com a exibição de um vídeo de 15 minutos intitulado "Caso Shell. O lucro acima da vida", onde é narrado o sofrimento dos trabalhadores e dos moradores das chácaras no entorno da planta da fábrica, também atingidos pela contaminação química, e traçado um histórico da Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), visando ao reconhecimento da responsabilidade das empresas e à compensação dos trabalhadores pelos danos sofridos. Apesar de partilhar a alegria pelo acordo homologado, Maria Inês lembrou as vidas perdidas durante a tramitação da ação e pediu um minuto de silêncio pelo recente falecimento, aos 49 anos, de uma das principais lideranças dos trabalhadores, protagonista do vídeo exibido.

A magistrada, que é mestre em Processo Civil pela PUC-Campinas, doutora em Educação pela Unicamp e professora da Faculdades de Campinas (Facamp), reportou os principais trâmites da ACP 222, detendo-se nas dificuldades encontradas para proferir a sentença. "Dado o ineditismo da ação, tivemos de inovar os procedimentos, já que não havia paradigmas em que se basear." Ela ressaltou também as dimensões do processo, que somou mais de uma centena de volumes, e o porte das empresas julgadas, "que puderam contar com o melhor time de advogados do País", o que, segundo ela, requereu um trabalho árduo de sua equipe, bem como dos procuradores do MPT envolvidos no caso, diante dos inúmeros embargos à execução e agravos de petição impetrados.

Entre as dificuldades enfrentadas ela mencionou, em primeiro lugar, a delimitação do recorte das pessoas a serem beneficiadas pela ação. Baseada no argumento de que os poluentes orgânicos são agentes bioacumulativos e teratogênicos, ou seja, produzem alterações na estrutura ou função da descendência, a magistrada defendeu que os efeitos da tutela da ação fossem estendidos aos filhos dos trabalhadores nascidos após a exposição dos pais aos agentes químicos. Maria Inês referiu-se também ao esforço para vencer o argumento dos advogados das empresas acerca da inviabilidade de adoção do procedimento trabalhista – caracterizado, entre outros, pela irrecorribilidade das decisões interlocutórias e pela restrição ao número de testemunhas – em ação tão complexa sem prejuízo do direito de defesa.

A decisão de condenar as empresas ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais, explicou a magistrada, teve como fundamentos a responsabilidade civil objetiva do empregador e os princípios da precaução e do poluidor-pagador. O principal obstáculo, segundo ela, foi afastar a tese da defesa de que o direito de ação estava prescrito. "Este foi o grande nó da ação e também o maior aprendizado da minha vida. Talvez o principal mérito desse processo tenha sido a possibilidade de afirmar a imprescritibilidade da ação para reparação de dano ambiental. Não só por tratar do direito fundamental à vida, como pela especificidade mesma do dano em questão, cujo panorama é modificado a cada dia. Ainda não sabemos toda a extensão dos danos, inclusive quanto às gerações futuras."

 

Unidade Responsável:
Comunicação Social