Juízes vitalícios participam de seminário regional promovido pela Escola Judicial em Ribeirão Preto
Por Patrícia Campos de Sousa
Setenta juízes substitutos e titulares participaram nestas quinta e sexta-feira, dias 23 e 24, no auditório da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) de Ribeirão Preto, do 1º Seminário Regional de Magistrados Vitalícios das Circunscrições de Bauru e Ribeirão Preto do Judiciário Trabalhista da 15ª Região. Com o tema "Conhecimento para uma atuação crítica", o Seminário, promovido pela Escola Judicial do TRT-15, com o apoio da Presidência da Corte, é o primeiro de uma série de eventos que serão realizados até o fim do ano, em sedes de circunscrições do Regional, voltados à capacitação dos magistrados vitalícios. A iniciativa vem ao encontro do que determina a Resolução nº 9 de 2011 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), que regulamenta a formação continuada dos magistrados.
O Seminário foi aberto pelo diretor da Escola Judicial, desembargador Samuel Hugo Lima, que compôs a mesa de honra ao lado do coordenador-geral da Pós-Graduação em Direito da Faap de Ribeirão, o juiz aposentado João Agnaldo Donizeti Gandini; do vice-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), Luís Rodrigo Fernandes Braga; do juiz André Luiz Alves, diretor do Fórum Trabalhista de Bauru; e dos magistrados Fábio Natali Costa, representante da Escola Judicial na Circunscrição de Ribeirão Preto, e Patrícia Maeda, representante dos juízes substitutos no Conselho Consultivo e de Programas da Escola.
"Vocês hoje estão aqui como estudantes. Muitos juízes sofrem da ‘síndrome do Romário', jogador de futebol que dizia ‘para que treinar, se eu sei jogar?'. Mas o fato é que, por mais competentes que sejam, os magistrados não conhecem tudo", afirmou o desembargador Samuel, justificando a convocação dos colegas para o evento. Segundo ele, "o objetivo das escolas judiciais, criadas pela Emenda Constitucional 45/2004, é justamente o de assegurar ao cidadão o direito à prestação jurisdicional por juízes atualizados, antenados com o seu tempo". De acordo com o diretor, a Escola Judicial do TRT-15 já vem atuando há alguns anos na capacitação dos juízes iniciantes, mas estava devendo em relação aos juízes vitaliciados. "Em breve serão os desembargadores e os ministros do TST que sentarão nos bancos escolares para se atualizarem. É o Judiciário voltando para a escola para melhorar a prestação jurisdicional."
Samuel Hugo Lima agradeceu ao presidente do Tribunal, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, pela convocação dos juízes e pelo apoio à realização do seminário, e lamentou a impossibilidade de comparecimento do magistrado à abertura do evento, devido a compromissos institucionais assumidos anteriormente em Brasília. O diretor explicou que a presença do presidente Cooper na sexta-feira também não seria possível em função de sua participação, como aluno, em um curso de extensão em Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas. "Como podem ver, não são só os juízes, mas também o presidente do Tribunal que está de volta aos bancos escolares", reforçou o desembargador.
O diretor da Escola Judicial agradeceu também à Faap de Ribeirão Preto, na pessoa do professor Gandini, pela cessão gratuita do "excelente espaço"; à Amatra XV, pelo apoio recebido; e, por fim, aos diretores regionais e à Secretaria da Escola, pelo empenho na organização do evento.
Em breve discurso, o professor Gandini parabenizou o desembargador Samuel pela iniciativa de interiorizar debates tão caros ao Judiciário. "Há leis novas e maneiras novas de ver o direito, de ver o ser humano, com as quais os juízes precisam se atualizar. Que o evento se repita muitas vezes, e aqui na Faap", concluiu Gandini, colocando a instituição à disposição da Escola e do Tribunal para novas parcerias. Além de cursos de pós-graduação em Direito, inclusive o curso de Direito do Trabalho e Processo de Trabalho, coordenado pelo diretor do Fórum Trabalhista de Ribeirão Preto, juiz Marcos Porto, a instituição ministra vários cursos nas áreas de gestão e no campo das artes e se prepara para implantar a graduação em Direito e em Administração de Empresas em 2014.
O vice-presidente da Amatra XV, por sua vez, ressaltou a relevância do seminário como espaço para o enfrentamento das novas questões colocadas à Justiça do Trabalho e de troca de experiências entre os juízes. "Encontros para discutir as dificuldades pessoais e profissionais dos colegas são sempre muito proveitosos e devem ser repetidos com frequência." Luís Rodrigo Braga destacou também a "interiorização" da Escola, "demonstrando o seu comprometimento com a primeira instância", e o fato de os juízes terem podido escolher os temas das palestras, o que, segundo ele, sinaliza o respeito democrático da instituição às peculiaridades e interesses regionais. Ele elogiou também o Tribunal pelo atendimento de antiga reivindicação da Amatra XV de que o afastamento do juiz para capacitação se desse sem prejuízo da jurisdição e com o ressarcimento das despesas com locomoção e hospedagem. Por fim, enalteceu o espírito democrático do desembargador Samuel, "um paradigma de magistrado e ser humano".
A EC 72 e os novos direitos do empregado doméstico
A primeira atividade do seminário foi uma mesa-redonda sobre os novos direitos do empregado doméstico, integrada pelo desembargador Lorival Ferreira dos Santos e pelo procurador do trabalho Nei Messias Vieira, sob a mediação do juiz Fábio Natali Costa.
Nei Messias Vieira, que foi juiz do trabalho dos TRTs da 3ª (MG) e da 15ª Região, focou sua exposição na descrição dos riscos à saúde a que estão expostos os trabalhadores que atuam no âmbito domiciliar e na responsabilidade do empregador pelos eventuais acidentes de trabalho e doenças ocupacionais desses profissionais. Segundo o procurador, com aprovação da Emenda Constitucional 72/2013, que estende aos domésticos todos os direitos assegurados aos trabalhadores celetistas, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho terão de enfrentar questões relativas não apenas à apuração da jornada do trabalho. Para Vieira, a incorporação de direitos implica também conferir um novo tratamento ao trabalho domiciliar infantil ou ao assédio sexual do trabalhador doméstico, assim como exige um tratamento equitativo com relação às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. "Com a equiparação do empregado doméstico aos demais trabalhadores celetistas será possível estabelecer, também, o nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) entre as atividades desenvolvidas por aquele profissional, muitas delas de alto risco, e as lesões ou agravos sofridos. Por exemplo, o grau de risco de exposição aos efeitos tóxicos de substâncias corrosivas, já catalogado pelo NTEP e previsto para o profissional celetista, será agora estendido ao trabalhador doméstico."
De acordo com o palestrante, os agravos decorrentes da exposição excessiva ao sol ou à umidade (caso, respectivamente, dos piscineiros e cozinheiros), a agentes insalubres ou perigosos (caso dos cuidadores de pacientes em domicílio, dos tratadores de animais e de jardineiros) ou a produtos sanitários à base de cloro e outros elementos tóxicos (caso das faxineiras), bem como as doenças osteomusculares resultantes de esforços físicos intensos, movimentos repetitivos e posições antiergonômicas, que campeiam no trabalho doméstico em geral e que até então eram tratadas como doenças degenerativas, deverão, doravante, ser tratados como doenças do trabalho, podendo gerar inclusive indenizações.
O procurador apontou também as dificuldades para fiscalizar as condições de trabalho do empregado doméstico, tendo em vista a proibição constitucional de ingresso nos domicílios sem mandado judicial. Por fim, ressaltou a tendência do juiz, quando se trata de conflito envolvendo empregador doméstico, a ter mais empatia com o reclamado, o que, segundo ele, pode influenciar na instrução do processo. Para Vieira, a intimidade entre as partes também vai requerer do magistrado mais paciência e acuidade na apuração dos fatos, para que o conflito possa ser resolvido com razoabilidade.
O desembargador Lorival Ferreira dos Santos, vice-presidente judicial do TRT no biênio 2010-2012, iniciou sua exposição apresentando um panorama da evolução legal relativa aos empregados domésticos, desde a Lei 5.859/1972, que autorizou o registro em carteira e concedeu férias de 20 dias aos domésticos, passando pela Constituição Federal de 1988, que estendeu a esses empregados vários direitos garantidos aos demais trabalhadores celetistas, até a recém-aprovada Emenda Constitucional 72/2013. O palestrante avaliou as dificuldades que os magistrados encontrarão para julgar as ações relativas aos novos direitos assegurados pela Emenda e fez algumas apostas quanto aos incisos que ainda estão sendo regulamentados pelo Congresso Nacional. Entre os pontos mais polêmicos da nova lei, destacou a adoção do salário mínimo proporcional, a fixação e controle do tempo do intervalo intrajornada, a possibilidade de celebração de acordos de compensação de horas e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
O desembargador deteve-se, em especial, na questão da jornada de trabalho do empregado doméstico, citando acórdão recente relatado pelo ministro Maurício Godinho Delgado, do TST, que autoriza a pactuação, por acordo bilateral escrito entre as partes, da jornada de 12 X 36 no âmbito doméstico por parte de cuidadores de idosos e de doentes da família do empregador. Ele chamou a atenção também para a dificuldade em estabelecer o controle de jornada do trabalhador que dorme no emprego e coloca-se à disposição do empregador também durante a noite e a madrugada. Segundo Lorival, a solução ideal, no caso, a exemplo dos ferroviários, seria o pagamento de 1/3 da hora normal. "Em todos esses casos, o magistrado do trabalho terá de ter muita responsabilidade ao decidir, e talvez o melhor seja apostar na conciliação", concluiu o desembargador.
Magistrados debatem alternativas para agilizar a execução trabalhista
Após o almoço, os magistrados participaram de uma dinâmica de grupo sobre a efetividade da execução trabalhista, sob a coordenação das juízas Kathleen Mecchi Zarins Stamato e Renata dos Reis D'Avilla Calil, titulares, respectivamente, das VTs de São João da Boa Vista e de Capivari.
Em breve exposição, a juíza Kathleen traçou, inicialmente, um panorama da execução trabalhista no Brasil, em especial na 15ª Região, onde, tal como no resto do País, o número de execuções iniciadas anualmente permanece superior ao número de execuções concluídas no período. Segundo a magistrada, apesar das metas do Conselho Nacional de Justiça e do Plano Estratégico do Tribunal para diminuição do acervo de processos na fase de execução, e das várias iniciativas visando avançar nesse sentido – como a criação de núcleos de apoio à execução nos tribunais, a realização de semanas nacionais e regionais de conciliação na execução, a instituição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) e do Leilão Nacional da Justiça do Trabalho, entre outras –, "ainda estamos longe de alcançar os resultados desejados e esperados pela sociedade e de atender ao princípio constitucional da duração razoável do processo".
De acordo com a magistrada, um passo fundamental para tentar reverter a elevada taxa de congestionamento da execução trabalhista é "deixar de tomar a CLT como norma exaustiva e exclusiva e recorrer subsidiariamente ao CPC, onde foram consignados procedimentos capazes de dar maior celeridade à execução, conforme nos autoriza a própria CLT". Entre esses procedimentos ela destacou a possibilidade de indicação de bens pelo devedor, o pagamento parcelado da dívida, a intimação da penhora na pessoa do advogado do executado e a multa ao devedor que não indica bens quando os possui.
Por fim, a juíza conclamou os colegas a serem mais pró-ativos nas execuções. "Ao invés de ficarmos acomodados, aguardando as mudanças legislativas, podemos nos antecipar e imprimir uma maior agilidade às execuções com fundamento nos princípios trabalhistas e na legislação supletiva, como já fizemos no passado, por exemplo, no caso do convênio com o Bacen."
Após a exposição, os juízes, divididos em seis grupos, discutiram e responderam a quatro diferentes questões formuladas pelas coordenadoras. As conclusões dos grupos foram apresentadas publicamente por relatores escolhidos pelos colegas, que registraram também as posições divergentes. Oficinas semelhantes serão incluídas na programação dos seminários que serão oferecidos pela Escola para magistrados das demais circunscrições, e as posições dos juízes sobre os temas propostos deverão dar origem a uma publicação registrando o pensamento da 15ª sobre o espinhoso tema da execução trabalhista.
A programação do primeiro dia do seminário foi encerrada com a palestra do economista e professor da USP Rudinei Toneto Júnior, sobre a atual política econômica brasileira. Por meio da comparação com outros países, o palestrante desenhou um cenário negativo para o crescimento brasileiro nos próximos anos. Para o professor Rudinei, que é doutor em Economia pela USP, a reversão dessa tendência vai requerer não apenas uma "revolução" na infraestrutura produtiva nacional, mas sobretudo um maior investimento do governo e da sociedade na educação e na qualificação profissional.
Discussão sobre a qualidade de vida do magistrado foi a tônica do segundo dia do evento
O evento prosseguiu na sexta-feira com mais quatro palestras. Pela manhã, o professor Antônio Ernani Pedroso Calhao, da Fundação Getulio Vargas (FGV), discorreu sobre "A gestão estratégica no Poder Judiciário: uma visão contextualizada ao BSC". Na sequência, o professor Ângelo Soares, da Universidade de Quebec em Montreal, no Canadá, discutiu o tema "Burnout: a organização do trabalho muito além do individualismo".
Após o almoço, Peter Jandi Junior, coordenador do curso de Pós-Graduação em Java Corporativo da Faculdade Politécnica de Campinas e do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Padre Anchieta, apresentou a conferência "Tecnologia de Informação: o digital, o real e o virtual". Entre outros pontos, o palestrante destacou o papel dos usuários na garantia da segurança das novas tecnologias.
O seminário foi encerrado com a palestra "Vale a pena investir em qualidade de vida no trabalho?", a cargo do professor Mário César Ferreira, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. O palestrante tem pós-doutorado em Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho pela Université Paris 1, Sorbonne, na França.
Como complemento às atividades presenciais, todos os magistrados que participaram do Seminário deverão acompanhar, até meados de junho, o curso autoinstrucional "Gestão estratégica com BSC", no ambiente virtual de aprendizagem da Escola Judicial (plataforma Moodle).
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