No segundo dia do 13º Congresso do TRT, painel discute a nova jurisprudência do TST

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Por Patrícia Campos de Sousa

"A nova jurisprudência do TST – avanço ou retrocesso?" foi o tema do quarto painel do 13º Congresso do TRT-15, que reuniu no Theatro Municipal de Paulínia, nesta sexta-feira (28/6), o advogado Luiz Carlos Amorim Robortella e o ministro Augusto César Leite de Carvalho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A coordenação do painel coube ao ministro José Roberto Freire Pimenta, também integrante da Corte Superior Trabalhista.

Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Latino-Americano de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Luiz Carlos Robortella iniciou sua exposição discutindo o papel do juiz e da jurisprudência. Embora admitindo que o Poder Judiciário não deva ser um "mero aplicador inflexível dos textos legais", o palestrante defendeu que a interpretação da lei pelo magistrado não pode ser inteiramente discricionária. "Não se pode aceitar o total ceticismo em relação à norma legal. A lei é fruto da vontade popular e o juiz deve se submeter a ela. Seu papel é pensar até o fim o que começou a ser pensado pelo legislador. Ainda que circunstâncias sociais, econômicas ou políticas possam suscitar alterações na interpretação da lei, não se pode deixar de lado o primado da legalidade, essencial para garantir a segurança jurídica", argumentou o advogado.

O painelista disse reconhecer a função uniformizadora das súmulas do TST, mas condenou o caráter dogmático da jurisprudência. Apesar de admitir que as súmulas favorecem a coerência judicial e facilitam a vida do juiz, Robortella criticou o fato de elas serem aplicadas indiscriminadamente pelos magistrados, ainda quando eles as consideram injustas. Sustentou, também, que a natureza abstrata das súmulas leva à desconsideração das circunstâncias concretas, prejudicando o ideal de justiça. "As súmulas têm origem em casos individuais julgados que têm suas peculiaridades. Ao serem editadas, contudo, se desprendem da realidade que lhes deu origem." O advogado ressaltou ainda que os precedentes jurisprudenciais cristalizados nas súmulas surgem, invariavelmente, de conflitos, do que chamou de "patologias", e que, "nesse processo, a fisiologia fica escondida, pois o que chega à consideração dos ministros são apenas as patologias".

Para Robortella, a maior parte das súmulas editadas pelo TST tem avançado no sentido da concretização de direitos fundamentais do trabalhador, mas ele avalia que persistem ainda súmulas contraditórias, ilegais ou mesmo prejudicais ao próprio trabalhador, "fruto de interpretações jurisprudenciais que vão de encontro ou extrapolam a legislação vigente". Como exemplo de súmula contraditória, citou a que dispõe que os intervalos intrajornada não previstos em lei concedidos pelo empregador representam tempo à disposição da empresa, devendo ser remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada (Súmula 118). "Esse entendimento parece-me incoerente, uma vez que o próprio TST admite a jornada de 12 X 36 horas."

O advogado criticou também a Súmula 101, que consolida o entendimento do TST de que as diárias de viagem que excederem a 50% do valor do salário do empregado devem ser integradas ao salário, enquanto perdurarem as viagens. Para Robortella, apesar da boa intenção dos ministros, a súmula pode vir a ser prejudicial ao trabalhador. "Afinal, por que 50%? É lógico que deva haver critérios, mas estes não podem ser aplicados mecanicamente, sob pena de acarretarem prejuízos a quem se pretende proteger", defendeu.

Robortella posicionou-se ainda contra a nova redação dada à Súmula 277 do TST, estabelecendo a ultra-atividade dos acordos ou convenções coletivas de trabalho, por considerar que ela viola princípios básicos da negociação coletiva. "O acordo coletivo de trabalho não é eterno, tem prazo determinado. Suas cláusulas não podem ser automaticamente incorporadas aos contratos individuais de trabalho, como quer o TST, sobretudo porque isso leva à divisão dos trabalhadores, entre os que foram contratados antes e depois dessa incorporação."

Por fim, o painelista elogiou o TRT-15 pela decisão no caso das demissões em massa na Embraer, em 2009, a qual, na sua avaliação, instigou o TST a estabelecer regras mínimas para a dispensa coletiva, entre elas a necessária negociação prévia entre as partes. Disse, também, ser "louvável" a iniciativa recente do TST de alterar a redação da Súmula 244, para estender o direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à empregada gestante admitida mediante contrato por tempo determinado.

Na análise de Robortella, o capitalismo de hoje, diferentemente daquele do século XIX, respeita muito mais o trabalhador. "Vive-se, atualmente, uma nova realidade nas empresas, que, embora não impeça abusos, não justifica o protecionismo exagerado promovido pela Justiça do Trabalho, que pode até vir a prejudicar o trabalhador." Para o palestrante, a garantia de maior estabilidade ao trabalhador pode ter como efeito o aumento das contratações atípicas. "Protege-se o sistema de emprego formal à custa da precarização dos outros trabalhadores." Ele defendeu também um tratamento diferenciado para os diferentes tipos de empresa e condenou a aplicação genérica das súmulas trabalhistas. "Entendo que o TST deveria ser mais seletivo na edição de suas súmulas, pois normas muito genéricas podem criar injustiças diante de um mercado de trabalho tão heterogêneo. Algumas súmulas consagram o mito de uma igualdade no trabalho que não existe. Como é possível promover a equiparação do trabalho intelectual, por exemplo?", questionou.

Mudança de paradigma

O ministro Augusto César iniciou sua palestra buscando contextualizar o esforço do TST para atualizar sua jurisprudência. Segundo ele, a edição de novas súmulas trabalhistas e a revisão de antigas ocorridas nos últimos dois anos foram resultado das chamadas Semanas do TST, fórum por meio do qual os ministros da Corte vêm buscando afinar seu posicionamento diante dos principais temas relativos às relações de trabalho. De acordo com o ministro, o principal objetivo do Tribunal foi concretizar, no ambiente de trabalho, os princípios e direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, como, por exemplo, o conjunto de direitos da personalidade. "Isso não é ativismo judicial. Entendo que o TST não deve invadir o espaço sagrado do Legislativo, mas pode, sim, fazer valer os princípios constitucionais de textura aberta e que têm aplicação imediata", defendeu Augusto César.

De acordo com o palestrante, que é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidad Castilla La Mancha, na Espanha, a atualização das súmulas promovida pelo TST visou também compatibilizar a ordem jurídica com a nova realidade econômica, política e social do País. "Não se trata apenas de acompanhar as alterações da CLT. Vários dos temas tratados pelo TST em suas súmulas não estão na CLT, como, por exemplo, o contrato de trabalho por tempo determinado previsto na Lei 9.601/98. Com a nova redação da Súmula 378, por exemplo, estendemos a todos os empregados por tempo determinado a garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91."

Respondendo a Robortella, a quem agradeceu pela "crítica construtiva formulada", o ministro contestou a objeção feita pelo primeiro painelista à Súmula 118 do TST. Segundo Augusto César, "o TST não proíbe que o empregador conceda mais de duas horas de intervalo intrajornada, nem poderia fazê-lo, uma vez que a própria CLT, no caput do seu artigo 71, autoriza a empresa a estender esse prazo, desde que haja acordo escrito com o empregado ou contrato coletivo nesse sentido. O que não pode é se estabelecer uma jornada das 6 h às 10 h e das 17 h às 21 h, por exemplo, pois isso comprometeria a vida do trabalhador. Nesse caso, conforme determina a Súmula 118, o tempo desse intervalo deve ser acrescido ao tempo de jornada".

Augusto César disse concordar, porém, com Robortella de que seja aleatório o critério estabelecido pelo legislador para determinar que as diárias de viagem que excederem a 50% do salário do empregado devam ser a ele incorporadas, mas afirmou que o fato de a Súmula 101 do TST reafirmar essa posição não implica que não se possa discutir caso a caso e flexibilizar o critério material, caso não haja correspondência com a realidade dos fatos. "Este, pelo menos, tem sido o entendimento da SBDI-1, da qual faço parte."

Por fim, o palestrante defendeu a legalidade, a coerência e a relevância da Súmula 277 do TST, atualizada recentemente pela Corte. Segundo ele, a ultra-atividade da norma de trabalho coletiva se justifica pela relação assimétrica, hierarquizada existente entre patrões e empregados. "Pela lógica, a negociação de melhores condições de trabalho é uma demanda permanente dos sindicatos dos trabalhadores, mas não dos empregadores. O objetivo da súmula não é impor nada, mas, sim, obrigar os patrões a negociar. Essa é a posição que tem sido adotada na Argentina, Bélgica, México, além de vários países europeus, como Alemanha, Portugal, Itália e França. Se o patronato não quiser negociar, o que foi acordado terá vigência até nova negociação."

Entre as súmulas recentemente editadas pelo TST, o ministro destacou a que presume como discriminatória a dispensa de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, salvo prova em contrário, assegurando a reintegração do trabalhador no emprego (Súmula 443). "O que é princípio em nosso sistema é a vedação da dispensa arbitrária, sem justa causa, e não o direito potestativo do empregador. Este não pode ser absoluto se há lesão de direito fundamental. Nesse sentido, a súmula vem enriquecer o sistema. Precisamos entender que o local de trabalho não é o reino da necessidade. É o local de realização do direito de igualdade, da liberdade de expressão, dos direitos da personalidade."

Augusto César concluiu dizendo que estas e outras súmulas visam promover uma mudança de paradigma, "para realizar a ordem jurídica trabalhista que todos aqui pregam". Ele ponderou, no entanto, que embora o TST tenha como missão revelar às instâncias ordinárias os entendimentos jurisprudenciais prevalecentes, e induzi-las a adotá-los, a Corte não pode produzir um engessamento da jurisprudência.

Mal necessário

O coordenador do painel, ministro José Roberto Freire Pimenta, também saiu em defesa da atuação revisora do TST. Ele assegurou que os ministros da Corte não querem ser legisladores, mas advogou sua intervenção no sentido de dar concretude à Constituição Federal de 1988, "uma constituição pós-positivista, principiológica, que, diferentemente das constituições liberais do século XIX, enfatiza a dimensão valorativa do Direito". Para Pimenta, não só os tribunais, mas também os juízes de primeiro grau devem ser hoje concretizadores das normas legais e constitucionais, as quais, de acordo com o ministro, trabalham com conceitos mais indeterminados. "Devido à maior complexidade da sociedade, o legislador não consegue regular todas as situações criadas. Ele dá o tom, o rumo, mas é o julgador quem tem de avaliar o caso concreto, completando o comando normativo", justificou. Nesse sentido, lembrou que as súmulas são extraídas da ordem jurídica como um todo, não só das normas-regras, mas também das normas-princípios.

Pimenta observou, também, que o fenômeno da judicialização da política a que hoje assistimos no País deve ser atribuído não a uma ingerência indevida do Poder Judiciário, mas à omissão do Legislativo, "que prefere deixar para o Judiciário os temas polêmicos, como foi o caso do reconhecimento legal da união homoafetiva. O Congresso Nacional, como temos visto agora, só funciona em tempos de crise".

De acordo com o ministro, o objetivo maior do TST ao sumular o entendimento dominante de seus 27 membros é proporcionar maior segurança jurídica. Segundo ele, empregadores e empregados não saberiam como agir sem que a jurisprudência atuasse para completar o comando normativo. "A lei existe, apenas vamos complementando-a. Essa é a função jurisprudencial. O que não quer dizer que o TST esteja imune a críticas", argumentou. Pimenta também se posicionou contrário à edição de súmulas vinculantes, "pois levam ao engessamento da jurisprudência", mas disse que precedentes persuasivos são um mal necessário da atividade judicial. Ele lembrou que as súmulas do TST se baseiam em precedentes dos TRTs e mesmos em sentenças de juízes de 1º grau, e que dificilmente a Corte Superior Trabalhista vai se contrapor à posição da maioria dos regionais. "A atuação do TST deve sempre preservar e estimular a capacidade decisória do 1º e 2º graus. Evidentemente, decisões que se voltem contra precedentes dos TRTs ou do TST estão destinadas a cair, o que não significa que eles não possam ser matizados, conforme as circunstâncias peculiares do caso. Há espaço para isso."

O coordenador do painel lecionou, por fim, que as alterações na jurisprudência podem ser atribuídas não só a mudanças nas normas de regência sobre o caso ou a uma interpretação evolutiva da lei, determinada por alterações na realidade social, mas também a uma mudança no entendimento dos tribunais, muitas vezes em função de alterações em sua composição. Nesse sentido, destacou não existir um compromisso ideológico automático dos ministros do TST com a posição dos presidentes da República que os nomearam ou a de seus partidos. "As mudanças na posição do TST não são ideológicas nesse sentido, embora eu entenda que toda posição assumida seja ideológica."

Pimenta concluiu afirmando que o TST vive hoje um momento muito importante, voltado não apenas à concretização dos direitos fundamentais constitucionais, mas também à própria preservação do Direito do Trabalho. De acordo com o ministro, devemos, sim, levar em conta as alterações do mundo do trabalho, mas não podemos esquecer a hipossuficiência do trabalhador. "Não é a Justiça do Trabalho que é protecionista. A proteção do trabalhador é a própria razão de ser do Direito do Trabalho."

O painel foi encerrado com a entrega do Grande Colar da Ordem do Mérito Judiciário da Justiça do Trabalho da 15ª Região aos ministros Augusto César e Pimenta, respectivamente pelos desembargadores Flavio Allegretti de Campos Cooper, presidente do TRT-15, e Ana Paula Pellegrina Lockmann. A ministra Kátia Magalhães Arruda, do TST, também foi chamada ao palco pelo presidente do Tribunal para receber a mesma comenda.

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