Nova lei dos motoristas profissionais é debatida em seminário para juízes da 15ª

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Por Luiz Manoel Guimarães

A Lei 12.619/2012, que disciplina o trabalho dos motoristas profissionais, foi o tema que abriu o segundo e último dia (27/9) do 1º Seminário Regional de Magistrados Vitalícios da Circunscrição de Campinas da 15ª Região. Realizado pela Escola Judicial (Ejud) do TRT-15 no auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus Campinas, o evento reuniu cerca de cem juízes de 1ª instância.

Para apresentar a nova lei, o seminário trouxe o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, titular da 2ª Vara do Trabalho (VT) de Araraquara e gestor regional de 1º grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho – o chamado Programa Trabalho Seguro –, implementado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. A coordenação dos debates coube ao juiz Saint-Clair Lima e Silva, representante da Ejud na Circunscrição de Campinas.

"O tema é muito apropriado à 15ª Região, que é densamente povoada, com muitas empresas do setor de transportes", comentou o juiz José Antônio. Para ele, a elevada carga de trabalho a que os motoristas profissionais estão submetidos no Brasil traz sérios riscos não só a esses profissionais, mas também à sociedade como um todo. "As atividades com as maiores jornadas de trabalho apresentam os maiores índices de doenças profissionais e acidentes de trabalho, o que, no caso dos motoristas profissionais, significa também acidentes de trânsito", advertiu o magistrado. "Hora extra em excesso é sinônimo de acidente de trabalho." O juiz observou, inclusive, que o Código Penal brasileiro, em seu artigo 149, tipifica como crime o ato de submeter alguém a jornada de trabalho exaustiva.

Monstrengo

O palestrante não poupou a Lei 12.619. "É um ‘monstrengo' jurídico, com alguns dispositivos úteis, proveitosos, que devemos fazer valer, mas outros, como o que prevê o chamado ‘tempo de espera', são aberrações que contrariam o próprio espírito da lei, jogando por terra os limites de jornada de trabalho impostos pela nova legislação", sentenciou.

O aspecto central da lei, lecionou José Antônio, é que ela pretende justamente regular a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional. "Jornada no caso específico dos motoristas empregados, e tempo, quando se trata de todos os trabalhadores do setor", esclareceu o juiz, para quem a lei diz respeito, no entanto, apenas aos motoristas que trabalham no transporte rodoviário de passageiros e de cargas. "Ela não se aplica a motoristas de ambulâncias, do comércio urbano e aos motoboys, por exemplo, mas, por analogia, pode ser aplicada a certas categorias, como a de motoristas de ônibus", preconizou.

O palestrante destacou o artigo 2º da lei, o qual, em seu inciso V, impõe "o controle fidedigno – fiel, exato, inquestionável, sobre o qual não podem pairar quaisquer dúvidas –, pelo empregador, da jornada de trabalho e do tempo de direção". José Antônio chama a atenção para uma "inversão de valores": "O controle de jornada passa de prerrogativa do empregador a direito fundamental dos trabalhadores", sublinha o juiz, lecionando também que à jornada desses profissionais não se aplica a exceção do trabalho externo sem controle de jornada prevista no artigo 62, inciso I, da CLT. "Ainda que a empresa tenha apenas um ou dois empregados, está obrigada a controlar a jornada."

Esse controle, dispõe também o inciso V do artigo 2º da lei, pode ser feito por meio de anotações em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, ou ainda "de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador". José Antônio adverte, no entanto, para o fato de o diário de bordo e a papeleta "serem manuscritos e, portanto, manipuláveis". Ele defende a inclusão do tacógrafo entre os dispositivos eletrônicos aptos ao controle de jornada. "É um meio excepcional que precisamos passar a admitir. Controla todas as paradas do veículo, o que faz dele o melhor instrumento para controle das pausas e dos intervalos, principalmente quanto ao tempo máximo de direção", propõe o juiz. "Mas o tacógrafo não pode ser o único meio de controle de jornada", pondera ele, observando que os motoristas têm um tempo de trabalho anterior ao início da viagem e posterior à chegada, períodos em que acompanham a carga e a descarga do veículo, respectivamente. "Por isso, a prova testemunhal não pode ser descartada."

De acordo com estatísticas do Ministério da Saúde, citou o magistrado, 61% dos motoristas profissionais do País bebem regularmente. "É uma questão de saúde pública", enfatizou. "Precisamos ter cuidado com as justas causas relacionadas à embriaguez e ao uso de drogas." Além disso, a categoria padece "de um número incomparável de adoecimentos. Lombalgias e hérnias de disco, por exemplo, são, frequentemente, companheiras desses trabalhadores", acrescentou.

No entendimento de José Antônio, acidentes de trabalho e doenças profissionais são um fenômeno multicausal. "Só muito excepcionalmente a culpa será exclusiva do empregado ou do empregador. O que é certo, ao meu ver, é que a jornada de trabalho de algum modo contribui para as ocorrências desse tipo. É, no mínimo, uma concausa", afirmou o palestrante, observando que, no caso dos motoristas profissionais, a jornada diária não raramente é de "12, 13, 14 horas por dia, muitas vezes sem pausa".

A propósito disso, o juiz revelou que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 4.246/2012, de autoria do deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), propondo que se admita, no caso dos motoristas profissionais, a prorrogação da jornada de trabalho por até quatro horas diárias, o dobro do limite permitido atualmente. Além disso, prossegue o magistrado, o PL reduz o intervalo mínimo entre uma jornada e outra das atuais 11 para apenas 8 horas, e o descanso semanal cai para 32 horas, contra as 35 horas asseguradas hoje à categoria (nas viagens com duração superior a uma semana, o descanso semanal estabelecido atualmente é de 36 horas). "A justificativa do deputado é que a Lei 12.619 estaria inviabilizando a atividade econômica no setor", lamenta José Antônio. "E há um grave risco de o projeto ser aprovado."

O magistrado critica o artigo 3º da lei, o qual deu nova redação ao artigo 235-C, parágrafo 8º, da CLT. Embora atribua textualmente ao tempo de espera do motorista profissional – períodos em que o trabalhador, em viagens de longa distância e duração, aguarda a conclusão das operações de carga ou descarga ou das fiscalizações em barreiras fiscais ou aduaneira de fronteira – a condição de período que excede à jornada normal, no parágrafo 9º do mesmo artigo a lei estabelece, como remuneração para o tempo de espera, apenas o percentual de 30% do valor da hora normal. "O tempo de espera não é visto como hora extra. Isso viola ao mesmo tempo o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, e o artigo 4º da CLT", entende o juiz.

Quanto ao tempo máximo de direção, o palestrante lecionou que a Lei 12.619 restringe às viagens de longa distância (quando o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 horas) o direito ao descanso de 30 minutos a cada quatro horas de direção. "Entendo que a regra deve ser aplicada também às viagens de duração inferior a 24 horas", defendeu o juiz, para quem o princípio também deve ser aplicado, por analogia, a motoristas de outras áreas que não o transporte rodoviário. "O direito não está nas leis. Está nas nossas mãos", preconizou José Antônio aos colegas.

Qualidade de vida

"Saúde ou doença é uma questão de escolha", afirmou Belmiro d'Arce, que encerrou a programação matutina do segundo dia do seminário com a apresentação de dicas de sáude aos magistrados

O médico e professor Belmiro d'Arce, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, concluiu a programação matutina do segundo dia do seminário com a palestra "A arte de trabalhar e viver com saúde e qualidade de vida". O palestrante foi apresentado pela juíza Patrícia Maeda, integrante do Conselho Consultivo e de Programas da Ejud.

"Hereditariedade, idade, ambiente e disponibilidade de assistência médica são certamente fatores influentes, mas a nossa saúde é determinada sobretudo por nossos hábitos de vida, o modo como cuidamos do nosso corpo", alertou Belmiro d'Arce, ao abrir sua exposição. Para o palestrante, "a maioria das pessoas considera que o mais importante é combater os agentes agressores externos, mas o fato é que quando a gente se cuida, se protege, o agente agressor não tem como agir. Corpo, mente e espírito têm necessidades básicas que precisam ser atendidas. Se as atendemos, adquirimos um corpo resistente, capaz de suportar as agressões físicas e emocionais. Se o terreno estiver vulnerável, o resultado é a doença. A questão, portanto, é: no que eu estou errando para adoecer tanto?".

De acordo com o professor, saúde não pode ser atribuída a sorte, assim como a doença não é fruto do azar. "A saúde precisa ser conquistada, e só conquistamos o que plantamos. Devemos estar motivados para conquistar a nossa saúde. Embora ela seja sempre referida pelas pessoas como a condição mais importante e a mais desejada, na prática é a dimensão mais negligenciada. Só compreendemos sua importância na hora em que ela falta. Isso precisa mudar. É preciso investir em saúde, no controle dos hábitos de vida, assim como vocês investem no seu trabalho", argumentou o palestrante.

Belmiro d'Arce salientou que, a despeito dos avanços da medicina e tecnológicos, as pessoas continuam sofrendo e eventualmente morrendo por problemas primários. "Os hospitais estão superlotados, as doenças aumentam e acometem, cada vez mais, pessoas mais jovens. Licenças de trabalho aumentam por problemas emocionais e mentais. As pessoas estão estressadas e esgotadas. Nunca tivemos tanta tecnologia e nunca tivemos tantas doenças." Segundo o professor, tomar o caminho da saúde exige conhecimento, mas requer sobretudo esforço, determinação e renúncia. "Só você pode atender às necessidades do seu corpo. Ninguém pode fazê-lo por você. E tem de ser feito do jeito certo, e não do jeito que você gosta ou do jeito que todo mundo faz."

Adepto da homeopatia há 30 anos e vegetariano há 20, Belmiro d'Arce deu várias dicas de hábitos saudáveis de vida. Para o professor, a manutenção de um corpo bem nutrido e hidratado e a prática de exercícios físicos são fundamentais para que possamos enfrentar a rotina de trabalho estressante. "Adoecemos mais por agressões que cometemos contra nós mesmos do que por agressões do meio externo. Temos de educar a mente para gostar do que é saudável. Se é bom para nós, temos de gostar. Não há outro caminho."

O palestrante recomendou também "colocar mais amor na vida. Amor a nós mesmos e aos outros. Bons sentimentos nos dão bem-estar, os maus provocam doenças. Uma vida com amor é muito mais resistente às intempéries".

Por fim, pediu desculpas pelo tom emocional da apresentação. "Meu objetivo foi incomodar, mostrar nossos erros, tocar nas feridas. Espero que eu tenha contribuído para mobilizar ações práticas dos senhores, que eu os tenha entusiasmado a cuidar da sua saúde. Saúde ou doença é uma questão de escolha. Faço votos que escolham a saúde. É preciso se esforçar, mas vale a pena", concluiu o professor.

 

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