Quinto painel do Congresso do TRT discute a viabilidade da CLT

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Por Luiz Manoel Guimarães

Com mediação do desembargador Fernando da Silva Borges, vice-presidente administrativo do TRT, o quinto painel do 13º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região propôs um debate sobre a "Viabilidade da CLT" e convidou dois palestrantes de peso. De um lado, o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Hélio Zylberstajn, Ph.D. em Relações Industriais pela Universidade de Wisconsin (EUA). Do outro, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Kátia Magalhães Arruda, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

A partir do próprio conceito da palavra "viabilidade", Zylberstajn submeteu a CLT a um crivo com base em três critérios. Quanto ao primeiro, "longevidade", os 70 anos da Consolidação não deram margem a dúvidas. "‘Passa', no que diz respeito à longevidade a CLT ‘passa'", decretou o professor. Ainda assim, ele pôs em xeque se a durabilidade da Consolidação seria realmente um atestado de qualidade (viabilidade), ou se representaria exatamente o contrário.

Já sobre a "executabilidade", a conclusão do palestrante foi no sentido oposto. Em que pese a melhora verificada nas últimas duas décadas, quando o nível de empregos formais no Brasil subiu pelo menos 10 pontos percentuais, ao menos metade do mercado de trabalho brasileiro ainda é composta por trabalhadores que atuam na informalidade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, revelou Zylberstajn. "Apesar da CLT, ainda existe muita informalidade no mercado de trabalho brasileiro, que se caracteriza pela alta rotatividade da mão de obra. Ainda hoje, no Brasil, um terço dos trabalhadores não completam um ano no emprego", afirmou. "Além disso, a CLT induz o litígio, forma pouco eficiente de manifestação do conflito. Anualmente são ajuizadas na Justiça do Trabalho brasileira cerca de dois milhões de reclamações."

O palestrante aplicou ainda à Consolidação uma análise com base na pergunta "oferece obstáculos?", terceiro critério de que Zylberstajn se valeu para auferir a viabilidade ou não da CLT. "É possível transitar pela ‘estrada CLT'? Há obstáculos? Se há, seriam intransponíveis? É possível ‘consertar' a estrada? Haveria ‘atalhos viáveis'?", questionou sucessivamente.

Com o intuito de responder a essas questões, o palestrante comparou a CLT com o Sistema de Relações de Trabalho e Emprego (SRT), formulado, inicialmente com o nome de Sistema de Relações Industriais, em obra publicada em 1958 pelo americano John Thomas Dunlop, da corrente de economistas institucionalistas. O SRT, explica Zylberstajn, reconhece a natureza conflituosa da relação de trabalho. "Não nega o conflito, mas oferece instrumentos para as partes administrá-lo autonomamente." A CLT, ao contrário, defende o professor, foi uma espécie de "prato feito" entregue aos trabalhadores, que, por sua hipossuficiência econômica, não teriam condições de lutar pelos próprios direitos, e aos empregadores, que não se encontrariam preparados para interagir com os trabalhadores e dividir o poder.

A Consolidação das Leis do Trabalho surgiu, resgata Zylberstajn, num contexto de mercados incipientes, de pouca competição e escassa sofisticação tecnológica. Como consequência, avalia ele, foi imposto um sistema de "pouca interação (negociação) entre patrões e empregados e muita intervenção por parte do Estado (que detém a exclusividade na produção de regras e na solução de controvérsias), com estruturas de representação (sindicatos) controladas e cooptadas". Passados 70 anos, é possível enxergar claramente os defeitos da CLT, afirma o professor. "Trata-se de um conjunto de regras com ênfase no direito individual, em detrimento do direito coletivo, e com detalhamento excessivo, numa espécie de hipertrofia da legislação, que é a fonte preferencial de regulamentação das relações trabalhistas."

Já no SRT, o papel do Estado se restringe a garantir as regras do jogo, e a negociação se dá dentro da empresa, sublinhou Zylberstajn. "Esse é um ponto crucial do Sistema. É onde começa o jogo. Não há SRT sem negociação dentro da empresa. A representação dos trabalhadores é constituída no próprio local de trabalho, e isso é uma ameaça para o estilo de gestão brasileiro e também para os sindicatos pouco representativos", detalhou.

Como exemplo de "atalho" para contornar as deficiências da CLT, o professor citou o Acordo Coletivo Especial (ACE), cuja proposta de legalização foi encaminhada ao Executivo em novembro passado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O ACE foi, inclusive, tema do primeiro painel do 13º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT (leia matéria aqui). "No modelo proposto pelo ACE, a negociação é direta entre as partes, no próprio local de trabalho. Com essa proposta, os metalúrgicos do ABC querem produzir regras, inovar, porém esses atalhos são vistos com desconfiança. Em alguns círculos, são combatidos explicitamente, inclusive", lamentou Zylberstajn. "Mas eles merecem uma oportunidade. Afinal, são voluntários, partem dos próprios trabalhadores e não vão revogar nada, nenhum direito", defendeu.

Defesa da CLT

Pesquisadora de temas relacionados à precarização do trabalho e à eficácia dos direitos constitucionais trabalhistas, a ministra Kátia Magalhães Arruda iniciou sua carreira na Magistratura Trabalhista em 1990, como juíza substituta na 16ª Região (MA). Em 2000, foi promovida a desembargadora do TRT-16, Corte que iria presidir no biênio 2005-2007. Lecionou por 15 anos (de 1994 a 2009) no curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Ela ponderou que, de fato, a Consolidação das Leis do Trabalho nasceu "sob uma sociedade centralizada e autoritária, mas o registro histórico nos mostra que a comissão que elaborou a CLT recebeu sugestões de dois mil sindicatos na época". Para a magistrada, ainda que não só com virtudes, a Consolidação se tornou o principal marco legislativo do Direito do Trabalho brasileiro, "e quiçá do mundo".

A ministra argumentou também que, longe de se manter estanque, como que estacionada na década de 1940, quando foi elaborada e entrou em vigor, a CLT tem se mantido permanentemente dinâmica, com sucessivas modificações e atualizações. Como exemplos, ela citou a Lei nº 605, de 1949, que fez a regulação do descanso semanal, a instituição do décimo terceiro salário, a expansão dos direitos para o trabalhador rural, o FGTS, o aviso-prévio proporcional (Lei nº 12.506/2011) e a recentíssima Emenda Constitucional (EC) nº 72, de 2013, a qual ampliou os direitos dos empregados domésticos. A atualização constitucional da CLT, por sinal, também não foi pequena, entende a magistrada, que cita ainda, nesse aspecto, modificações como a diminuição da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, a unificação nacional do salário mínimo, o reconhecimento de acordos e convenções coletivas e avanços antidiscriminatórios, com o estabelecimento de igualdade entre trabalhadores urbanos e rurais inicialmente e, agora, com a EC 72, também os domésticos.

"O que seria do Direito do Trabalho no Brasil sem a CLT?", indaga a palestrante, rebatendo os que criticam a Consolidação. "Estaríamos atrelados a um conjunto de normas esparsas", sustenta a ministra, para quem a CLT tem funcionado também como "fonte de inspiração inovadora para outros ramos do Direito", argumento que a magistrada busca comprovar citando o festejado Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

A ministra adverte que, mesmo com toda a regulação prevista na CLT, ainda persistem no Brasil as piores formas de exploração de mão de obra, como o trabalho infantil e o trabalho escravo, e ainda é expressiva a ocorrência de problemas como o desemprego, o trabalho informal e a terceirização, sem falar no altíssimo número de acidentes de trabalho. "São mais de 700 mil acidentes por ano", alertou a palestrante. "Bem ou mal a CLT vem representando ao longo desses 70 anos um limite ao avanço da precarização das relações de trabalho no País", sublinhou.

A palestrante comemorou o crescimento de 43,5% no emprego formal no País, nos últimos anos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mas lembrou que, entre os trabalhadores empregados, 22,2% ainda estão na informalidade, de acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de fevereiro de 2012.

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