Servidores de Sorocaba têm em comum fortes relações familiares, constata Grupo Móvel da Presidência

Conteúdo da Notícia

Fotos e texto -  Luiz Manoel Guimarães

Principal cidade do sudoeste paulista, Sorocaba, segundo o IBGE, já tem hoje cerca de 630 mil habitantes e é a quinta colocada em desenvolvimento econômico no estado. Com quatro varas do trabalho (VTs), o Fórum Trabalhista local atende também os municípios de Votorantim e Araçoiaba da Serra, totalizando 775 mil cidadãos jurisdicionados, aproximadamente.

O Fórum recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), criado pelo presidente do TRT-15, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, e coordenado pelo juiz Flávio Landi. Até dezembro de 2014, quando termina a gestão do desembargador, o GMP terá visitado todas as varas, coordenadorias de distribuição de feitos, postos avançados, centrais de mandados e ambulatórios médicos da Justiça do Trabalho da 15ª Região, identificando demandas e criando oportunidades de aprimoramento. O principal objetivo do Grupo é ser um canal de comunicação direto entre as unidades visitadas e a Presidência do Tribunal.

Morava em Jaçanã

Carlos Wagner Rodrigues da Silva, servidor da 1ª VT de Sorocaba, já garantiu em sua biografia um detalhe peculiar. Ele é nascido no bairro celebrizado na composição que se tornou símbolo, uma espécie de hino informal, até, da maior cidade do País: ele mesmo, o Jaçanã, terra do namorado que, para a frustração de sua amada, não podia perder o trem das onze.

Na adolescência, trabalhou com o pai, numa gráfica da família, e estagiou no setor bancário. Graças a muitas horas de estudo nas madrugadas e finais de semana, ingressou na Universidade de São Paulo (USP), para cursar direito, e, em 1996, com apenas 19 anos, ingressou na Justiça do Trabalho da 2ª Região, lotado na então 64ª Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de São Paulo.

Em 2001, no entanto, casado e com duas filhas, Carlos tornou-se mais um paulistano a trocar a capital pelo interior, em busca de melhor qualidade de vida para a família. Já morando em Sorocaba, continuaria trabalhando por mais três anos em São Paulo, antes de conseguir a remoção para a 15ª, gastando em média três horas por dia no trajeto ida e volta. "Hoje só preciso de 15 minutos para ir de casa ao trabalho", comemora.

Profissionalmente, seu grande sonho, a magistratura trabalhista, ainda não se tornou realidade. Carlos voltou a estudar no ano passado e já prestou três concursos, para a própria 15ª, para a 9ª (PR) e para a 2ª Região. Por enquanto, ainda não passou da 1ª fase, mas, a cada tentativa, sente que está chegando mais perto. "Na 2ª Região, fiquei por um ponto."

Trabalho em equipe

Também egressa da 2ª Região, Vanessa Cavalari Vicente da Rocha, da 2ª VT de Sorocaba, destaca uma iniciativa coletiva da unidade. Diariamente, às 16 horas, todos os servidores da secretaria se unem para guardar no devido local os processos que foram objeto de trabalho ao longo do dia – não só os que foram manuseados por advogados, partes e peritos, no balcão da VT, mas também os que fizeram parte da pauta de audiências ou que sofreram algum andamento durante o expediente, entre outros casos.

A experiência já vai completar 10 anos em 2014 e, além de facilitar e acelerar a execução de uma tarefa que, feita individualmente, seria demorada e cansativa, reforça os laços de união do grupo de servidores da unidade. Tanto que, às sextas, após todos os processos terem sido guardados, eles fazem uma rápida pausa para degustar "a comidinha da sexta-feira", conforme explica Vanessa. "A cada semana, um de nós fica responsável por trazer um prato, obedecendo a uma escala previamente traçada", esclarece a servidora. "Pode ser um bolo, por exemplo." É um momento de confraternização, reforça ela. "A gente conversa, troca receitas. Percebemos que esse momento é um diferencial, que promove a união do grupo", celebra Vanessa, sorocabana "da gema".

Três é melhor ainda

Raul Tadei Tormena, 33 anos atualmente, protagonizou aos 26, juntamente com a esposa, Mônica, um ato de coragem de que poucas pessoas seriam capazes. Eles adotaram, de uma tacada só, os irmãos Fabiano, Renan e Rafael, então com seis, cinco e três anos.

O casal se conheceu na própria Justiça do Trabalho, na qual Raul ingressou com apenas 22 anos, em 2002, mesmo ano em que se formou em direito. Mônica, hoje advogada, era estagiária na 3ª VT de Sorocaba. Casaram-se em 2004 e, dois anos depois, numa matéria de jornal, conheceram a Casa de Belém, entidade localizada na vizinha cidade de Votorantim. Lá, crianças de até 12 anos, vítimas de violência doméstica, recebem acolhimento provisório, encaminhadas pelo Conselho Tutelar ou pelo Juízo da Infância e Juventude. A Casa de Belém mantém um programa por meio do qual famílias cadastradas podem acolher temporariamente essas crianças, em períodos de férias escolares ou feriados. Foi assim que os meninos entraram na vida de Raul e Mônica.

Como dizem, "era para acontecer". A intenção dos dois, inicialmente, era acolher apenas uma criança. Mas a assistente social da entidade, durante a entrevista com o casal, numa espécie de "iluminação", talvez, sugeriu a mudança de planos. "Primeiro ela nos disse: ‘Meu anjo da guarda me cutucou'", lembra Raul, num largo sorriso. "Depois nos perguntou: ‘Podem ser duas crianças?'. Foi só a gente dizer que sim, para ela emendar: ‘Podem ser três?'", descreve o servidor, sorrindo cada vez mais. "Não esqueço o nome dela: Sandra Pinesso Cianfarani."

Sandra falava de Fabiano, Renan e Rafael, cuja história, até então, nada tinha de lúdica. "Eles foram abandonados pela mãe, que, por sua vez, também havia sido abandonada. Quando os conhecemos, inclusive, a Justiça já havia decidido pela destituição do poder familiar sobre eles", esclarece Raul. Segundo o servidor, o mais novo dos irmãos, Rafael, quando chegou à Casa de Belém, aos seis meses de idade, apresentava um quadro de desnutrição aguda. "Mas a entidade cuida muito bem das crianças, com alimentação, vestuário e cuidados médicos e odontológicos, até."

O casal, então, resolveu acolher os três irmãos em julho daquele ano de 2006, a princípio com a perspectiva de conviver com eles por apenas duas semanas. Alguns dias depois da entrevista, mais precisamente no dia 15, um sábado, às 9 horas da manhã, lá estavam Raul e Mônica na Casa de Belém, de posse da autorização judicial para levar consigo os meninos. "‘Marinheiros de primeira viagem', nós não sabíamos que teria sido possível retirá-los já na sexta à noite. Quando chegamos, a maioria das outras crianças da entidade, umas 20, já haviam saído no dia anterior, e os meninos não fizeram por menos. ‘Por que vocês demoraram tanto?', eles nos perguntaram, com uma espontaneidade que nos desconcertou. Naquele mesmo momento, já começaram a nos conquistar", diverte-se Raul.

Na época, Mônica não estava trabalhando, e Raul estava em férias – "agendadas um anos antes, por absoluta coincidência", garante o servidor. Fabiano e Renan, os dois mais velhos, já haviam vivido a experiência com outras famílias, mas para o caçulinha Rafael tudo seria novidade. Seguiram-se dias de típicos passeios familiares, nos parques e shoppings da cidade, por exemplo. Raul e Mônica eram "tio" e "tia", de início, mas, passada uma semana, os laços já haviam se estreitado inexoravelmente. E não só entre os cinco. Toda a família já estava integrada aos meninos, e vice-versa. Os quatro avós, os dois irmãos de Raul, a irmã de Mônica, ninguém se imaginava mais sem os três. "Sempre falamos de adoção, desde os tempos de namoro. Coincidentemente, tanto eu quanto minha esposa, embora não tenhamos problema algum que nos impeça de gerar filhos, pensávamos em adotar já antes de nos conhecermos. Mas, quando fomos acolher os meninos, ser pais não estava em nossos planos. Eu era assistente de juiz na VT de Itu e fazia esse trajeto, aqui de Sorocaba até lá, todos os dias", justifica Raul, lembrando dos cerca de 80 quilômetros que percorria diariamente, ida e volta. Mas, depois de apenas uma semana, tudo mudou. "Sentimos que não poderíamos mais viver sem os três. Eles já haviam se tornado nossos filhos", conta o servidor, emocionado.

Faltava "oficializar", tornar de direito o que já ocorria de fato. Em 30 de julho de 2006, domingo, cumprindo o que havia sido estabelecido duas semanas antes, Raul e Mônica levaram os meninos de volta à Casa de Belém – "foi uma choradeira geral; o Renan ‘grudou' na mãe", lembra o servidor –, mas não sem antes perguntar a eles se queriam ser seus filhos. "Recebemos um sim unânime", lembra Raul, sem conseguir esconder a satisfação. No dia seguinte, logo pela manhã, o casal ingressou na Vara da Infância e da Juventude de Votorantim com um pedido de guarda provisória, deferido na terça-feira, 1º de agosto. Neste mesmo dia, as crianças já estavam de volta à família.

"Deferida a guarda provisória, entramos com o pedido de adoção", prossegue Raul. "A assistente social foi à nossa casa e constatou, palavras dela, ‘a completa integração das crianças com a família'." A audiência na Vara da Infância e da Juventude ocorreu, conta Raul, já no dia 1º de setembro de 2006, exatamente um mês após a concessão da guarda provisória, e, com base nos pareceres da assistente social e do Ministério Público, o juiz sentenciou ali mesmo a favor da adoção, determinando a retificação de registro dos irmãos.

Hoje, Fabiano já está com 14 anos, completados no último dia 22 de setembro, e cursa a 8ª série do ensino fundamental. Renan, que fará 13 anos no próximo 11 de abril, está na 7ª série, e o caçulinha Rafael, já na 5ª série, fez 11 em 12 de agosto passado. Quando Raul e Mônica lhes perguntaram se eles teriam vontade de conhecer a mãe biológica, Fabiano disse que sim. "Mas só para saber se eu poderia ajudá-la de alguma forma. Meus pais são vocês."

Em todo esse processo, os avós também tiveram um papel decisivo. Os pais de Mônica, inclusive, são "vizinhos de muro" do casal, e os meninos logo se tornaram seus primeiros netos. "Se eu e Mônica não tivéssemos adotado as crianças, meus sogros o teriam feito", diverte-se Raul. Na mesa ao lado, uma colega não resiste e arremata: "Deus sabe o que faz. Bendita a hora em que vocês leram aquele jornal".

Mais um paizão feliz

Curiosamente, o caso de Raul não é único na 2ª VT de Sorocaba. No final de 2010, após "quatro ou cinco anos de espera", como ele enfatiza, Braz de Camargo Junior, também lotado na unidade, conseguiu junto com a esposa, Josineli Aparecida Camargo Mendes Camargo, oficial de justiça na VT de Salto, a guarda de um menino de quatro anos e de uma menina de apenas dois. "Nós já nos inscrevemos no Cadastro Nacional de Adoção prevendo adotar mais de uma criança. Pensávamos em adotar até quatro", sublinha o servidor.

A exemplo do que aconteceu com Raul e Mônica, os laços entre Braz e Josineli e as crianças também se formaram rapidamente. Foram duas semanas de visitas aos pequenos, na Casa do Menor de Sorocaba, abrigo para crianças de até seis anos, vítimas de maus-tratos ou de abandono. Nesse período o casal foi à entidade nada menos do que sete vezes. "Já nos primeiros encontros, a menina chorava, ‘pedindo' a mamãe", recorda Braz.

Próximo ao Natal de 2010, o juízo da Vara da Infância e da Juventude de Sorocaba deferiu a guarda provisória. "Fomos direto do Fórum para a entidade, e daí para uma correria atrás do enxoval, brinquedos e tudo o mais", conta o servidor. "Desde os primeiros dias, a menina dormia muito bem. Ela é como eu", descreve o papai coruja. "Já o menino é igual à mãe. Tem o sono leve."

Hoje os quatro dividem a casa com os quatro cachorros da família, e as crianças estudam em horário integral. O menino já está no segundo ano do ensino fundamental, enquanto a irmã frequenta a pré-escola. E a pequena tem iniciativa. "Começou a fazer judô na escola sem nos avisar. Quando vi, já havia chegado a cobrança da primeira mensalidade", conta Braz, divertindo-se com as peripécias da filha. "Agora, além do judô, ela faz balé. Já meu filho está no judô também e na escolinha de futebol", detalha o servidor, com jeitão cada vez mais coruja. "Quando eu chego para buscá-los, e o alto-falante anuncia minha chegada, minha filha vem lá debaixo gritando ‘papai, papai!'. Ela pula no meu pescoço de um jeito que, se eu não tomo cuidado, até me derruba."

"Estamos fazendo tudo para que eles se sintam cada vez mais parte da família", afirma Braz. "Quando os colegas me convidam para um ‘happy hour' ou coisa assim, eu logo recuso porque não consigo me imaginar saindo daqui e indo para outro lugar, em vez de ir para casa para vê-los."

Do Planalto Central

Filha de um professor da Universidade de Brasília (UnB), Daniela Fernandes Ferreira Lopes, da 4ª VT de Sorocaba, é "nascida e criada" na capital federal – "morei até os 18 anos na Asa Sul" – e viveu a efervescência cultural da cidade nos anos 1980 e 1990. "Meu pai sempre foi fã de rock, e eu aprendi violão para tocar Legião Urbana", exemplifica a servidora, que teve aulas de inglês com Carmem Manfredini, irmã de Renato Russo. Aliás, Daniela e o pai estavam, nada mais, nada menos, no célebre último show da banda na capital federal, em 1988, quando Renato Russo interrompeu o evento por causa de um quebra-quebra geral.

Formada em direito e em nutrição, a servidora afirma fazer parte de uma geração educada "para conhecer a história de Brasília, sua arquitetura, sua música". "Conheci Oscar Niemeyer e Lúcio Costa pessoalmente, numa palestra na escola, no ensino médio", sublinha Daniela. "Eles contaram histórias muito interessantes da construção da cidade, coisas que não estão nos livros. Oscar, por exemplo, disse que sua primeira impressão de Juscelino, com aquelas botas e suspensórios típicos do então presidente, foi a de que se tratava de um verdadeiro jeca", lembra ela, entre risos.

A propósito disso, a servidora recomenda uma visita ao Museu do Catetinho, que, ofuscado pelos pontos turísticos mais "badalados" do Distrito Federal, é pouco conhecido por quem não é de lá, diz ela. "É uma casinha de madeira no Gama [cidade-satélite de Brasília], de onde o presidente acompanhava as obras da nova capital", resume.

Com efeito, o Catetinho foi a primeira residência oficial de Juscelino em Brasília. O nome remete à então sede do Executivo federal, o Palácio do Catete, no Rio, onde hoje funciona o Museu da República. Projeto de Oscar Niemeyer, o Catetinho foi construído em apenas 10 dias, em novembro de 1956, todo em madeira, mesmo, e sem maiores confortos, para que o presidente, diz a história, não se distanciasse dos trabalhadores, que viviam em barracos e tendas.

Tombado como patrimônio histórico em 1959, foi transformado em museu, abrindo aos visitantes a oportunidade de conhecer a antiga suíte presidencial e a sala de despachos, entre outros ambientes. Além de fotografias que eternizam a aventura que foi construir Brasília, preserva também uma série de objetos curiosos, incluindo uma coleção dos famosos suspensórios do presidente. A propósito, é fácil de achar – fica no quilômetro zero da BR 040, que liga Brasília ao Rio.

A influência da capital se reflete em sua própria personalidade, acredita Daniela. "Sou uma pessoa extremamente organizada e acho que isso tem muito a ver com a cidade. A Brasília de minha infância e adolescência era uma Brasília extremamente limpa, organizada, arborizada", afirma. "A cidade funcionava. As escolas públicas eram de boa qualidade e havia segurança. Eu podia andar na rua à noite sem preocupação. O povo era educado, politizado, consciente. Discutíamos todo tipo de questão social."

A servidora não contesta, no entanto, a máxima de que o brasiliense é formado por "cabeça, tronco e rodas". "A dependência do carro é grande, é verdade", rende-se Daniela.

Mãe extremada

Cedida para o TRT da 15ª Região, Daniela é servidora do quadro do Conselho Nacional de Justiça. "O CNJ vai muito além das questões estritamente processuais", enfatiza. "O Conselho trabalha com valores. Entre suas iniciativas, estão projetos voltados à liberdade e aos direitos individuais da mulher e campanhas antibullying, por exemplo." Ela destaca sobretudo o Mutirão Carcerário, realizado entre os anos de 2008 e 2011, período em que o CNJ fez um verdadeiro raio X do sistema penitenciário brasileiro e das varas criminais e de execução penal. "Foram detectados casos de presos que, mesmo já tendo cumprido a pena havia quase um ano, ainda permaneciam na prisão", lembra ela. "Até então, não existia no País um cadastro único de detentos, que acabou sendo criado pelo CNJ graças a esse projeto."

No entanto, a Daniela mãe, como não poderia deixar de ser, se sobrepôs à Daniela servidora, e ela trocou Brasília por São Paulo, inicialmente, e, depois, por Sorocaba, a fim de ter acesso a melhores condições de tratamento para o filho Leonardo, que sofre de lúpus eritematoso sistêmico, doença inflamatória que pode atingir qualquer tecido do corpo. "Só conseguimos o diagnóstico correto em São Paulo, no Hospital Sírio-Libanês. Em Brasília ninguém conseguiu diagnosticar."

Nesse aspecto, aliás, Daniela não poupa críticas à capital federal. "A saúde em Brasília é caótica, tanto na rede pública, quanto na particular. Há bons médicos, mas a estrutura hospitalar é deficiente. Isso se aplica à rede de laboratórios também", afirma a servidora. "A máxima das pessoas de alto poder aquisitivo em Brasília é que o melhor pronto-socorro da cidade é a ponte aérea", ironiza.

Mas o caso de Leonardo não é exceção à regra de que, mesmo das situações mais difíceis, podem emergir coisas boas, e Mamãe Daniela, "derretida", se rende à força do menino. O drama do pequeno Léo, hoje com seis anos, começou já no hospital, ao nascer. "Fizeram uma transfusão sanguínea errada. Em vez de ‘O' positivo, deram-lhe ‘O' negativo. Além disso, a doença começou destruindo o sangue do Léo. Chegou a destruir um terço do sangue, e o fígado e o baço, onde ocorre essa destruição, ficaram com um tamanho três vezes maior do que o normal", descreve Daniela. "Meu filho já teve trombose e mais de 10 pneumonias", recorda ela, que hoje está bem mais otimista quanto à saúde do menino, graças a um tratamento com células-tronco retiradas da própria medula de Leonardo e reimplantadas nele mesmo.

Em São Paulo, para onde se mudou em julho de 2009, Daniela ficou cedida inicialmente ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sediado na capital paulista. Em janeiro de 2012, mudou-se novamente, desta vez para Sorocaba, permanecendo na Justiça Federal até maio passado, quando se transferiu para a Justiça do Trabalho.

A cada duas semanas, no sábado, ela vai a São Paulo, para uma consulta do filho no Sírio-Libanês. Viaja também uma vez por mês a Campinas, onde são tratados os problemas hematológicos de Leonardo, no Centro Infantil Boldrini. "Mensalmente o sangue é examinado e é feito o controle dos medicamentos."

Mais do que mãe, Daniela tornou-se "fã nº 1" de Léo. "Meus filhos são a minha vida, mas o Leonardo...", reflete. "Eu costumo dizer que ele é o meu bilhete da megassena premiado. Ele me fez ser uma pessoa melhor, com perspectivas diferentes. Nunca reclama de dor e é tão feliz, curte viver. A missão dele é nos ensinar. A gente que aprende com ele", diz a servidora, derretendo-se ainda mais pelo filho, cuja saúde, diz Daniela, exige cuidados constantes. "O quadro é estável, mas a imunidade se mantém sempre muito baixa, por causa do tratamento."

Doutora em simpatia

"Nascida e criada" em Salto de Pirapora, município de 45 mil habitantes, mais ou menos, e distante cerca de 25 quilômetros de Sorocaba, Maria Helena de Andrade Amaral sai de lá diariamente em direção ao Fórum Trabalhista sorocabano. Ou melhor: saía. No último dia 25 de outubro, quando completou 19 anos como servidora da Justiça do Trabalho, Maria Helena se aposentou.

Com sotaque característico e bom-humor que parece inabalável, a servidora deixou uma marca permanente na 3ª VT de Sorocaba, última unidade em que atuou (foram 15 anos), depois da Coordenadoria de Distribuição de Feitos do FT da cidade, onde ficou por três anos, e da VT de São Roque, cidade da região – lá ela ingressou na Justiça do Trabalho, em 25 de outubro de 1994, mas ficou só quatro meses. Antes disso, trabalhou num escritório de contabilidade (seu primeiro emprego, de 1972 a 1974, dos 17 aos 19 anos). Em seguida, diploma de magistério na parede, lecionou por apenas um mês. Mas ao menos fez, ainda que brevemente, a vontade de seus pais, Dona Julieta e Seo João, costureira e carpinteiro que sonhavam com filhos professores. Em dezembro de 1975, Maria Helena ingressou no quadro de servidores da Prefeitura de Salto, no cargo de auxiliar de secretaria, e só saiu em 1992, já formada em direito, justamente para se preparar para outros concursos públicos.

"Sou tão agradecida a esse trabalho", diz ela da Justiça Trabalhista, entre sorrisos. Já de início o salário era melhor do que o anterior, na Prefeitura de Salto, mas Maria Helena recorda também que foi muito bem recebida em todas as unidades por que passou. "Sempre fui tratada com muito respeito e carinho e fiz muitos amigos aqui. Os colegas fizeram com que eu gostasse ainda mais do Tribunal", resume ela. Além de "uma realização pessoal", como afirma Maria Helena, a JT foi "a oportunidade de pôr em prática os ensinamentos da faculdade", garante a servidora, que também fez pós-graduação em direito do trabalho.

A aposentadoria tem uma razão. "Quero cuidar mais de minha família, principalmente de meu netinho", explica Maria Helena, que se encanta só de lembrar do pequeno Matheus, de cinco anos. "É a minha vida."

O lugar para curtir a merecida vida de aposentada também já está certo. "Conheço todo mundo lá e todo mundo me conhece", conta a servidora, referindo-se à sua querida Salto de Pirapora. "É o lugar onde eu me encontro. A gente vai formando laços e depois não consegue desatar."

Entre uma e outra rápida interrupção pelos colegas da VT, que se manifestam em frases do tipo "Maria Helena é dez", a entrevista segue até que eu peço para ela resumir em poucas palavras o que foram seus 19 anos na Justiça do Trabalho. Não faltam, é verdade, as clássicas "dever cumprido" e "consciência tranquila" – com direito a mais um "tranquila", à guisa de ênfase –, mas Maria Helena finaliza com uma frase que sintetiza bem o que parece ser seu principal dom, o de saber se relacionar bem com as outras pessoas. "Procurei o melhor nos outros e dei o melhor de mim."

Desde os Willys

Ao contrário de Maria Helena, Edson Fernandes de Freitas, oficial de justiça, é sorocabano "da gema". Em comum com a colega da 3ª VT, ele tem a aposentadoria, que, no seu caso, ainda não chegou, mas está próxima, graças a mais de 50 anos de trabalho, 47 deles no serviço público.

Edson começou sua trajetória profissional aos 15 anos, como escriturário na Distribuidora de Automóveis Sorocaba, concessionária da antiga Willys-Overland, montadora norte-americana que se notabilizou principalmente pelos icônicos Jipes, celebrizados pela Segunda Guerra Mundial. Foram três anos de trabalho, de 1962 a 1965, em meio não só aos veículos de origem militar, mas também Dauphines e Gordinis (francesinhos que a Willys fabricava sob licença da Renault) e, claro, as hoje cultuadas Rurais, nas versões station wagon e picape. Havia também o desejado sedan Aero Willys ("sonho de consumo" da classe média da época, segundo matéria da revista Quatro Rodas), que, um pouco mais tarde, em 1966, seria lançado na versão Itamaraty, tido por muitos como o primeiro automóvel de luxo fabricado no Brasil.

Nesse mesmo ano, Edson serviu no Exército, na 14ª Circunscrição de Serviço Militar, em Sorocaba, onde os rapazes que seriam os recrutas do ano seguinte se apresentavam. Três enfermeiras ficavam encarregadas de coletar sangue dos jovens, para detecção do tipo sanguíneo, e, quando iam lavar as seringas (ainda não vivíamos num mundo de artigos descartáveis), passavam perto do então "soldado Freitas". Uma delas, Noêmia, seria a futura "senhora Freitas". "Um dia criei coragem e perguntei que hora ela saía. Começamos a namorar", lembra ele, divertindo-se. Cinco anos depois, estavam casados.

Antes, porém, Edson ingressou na Escola de Sargentos das Armas (EsSA), em 1968. Em novembro daquele ano, terminou o curso como 1º colocado da turma, o que lhe valeu a Medalha Marechal Hermes e uma carta de congratulações da Câmara de Vereadores de Sorocaba. "Meu pai sempre me incentivou a seguir a carreira militar. Ele foi convocado para a Segunda Guerra Mundial em 1944 e só não foi para a Itália por causa de uma norma baixada pelo Getúlio, que vedava o embarque de cabos casados", lembra o servidor.

Foram quase 12 anos como sargento, até o ingresso no Banco do Brasil, em abril de 1980, após ter sido aprovado em concurso público realizado no ano anterior. "Fui o segundo colocado na região de Sorocaba." Depois de uma rápida passagem por São José dos Campos, conseguiu vaga no Centro de Processamento de Dados do BB em sua terra Natal. "Minha mulher também é de Sorocaba e queria ficar perto da família."

Em 1998 se aposentou, mas não conseguiu ficar parado. Acabou fazendo o concurso para oficial de justiça no mesmo ano e, já em julho de 2000, estava de volta à ativa. Os quatro primeiros meses como servidor da JT da 15ª foram vividos na VT de Itanhaém, no litoral. Ficou depois quase cinco anos em Tatuí, até voltar mais uma vez a Sorocaba, onde espera se aposentar novamente em breve. "Dependo do resultado de uma ação de desaposentação, que está em curso na Justiça Federal, para poder me aposentar como oficial de justiça."

Suas experiências anteriores renderam-lhe ensinamentos importantes para o dia a dia como oficial de justiça. "No Exército, eu comandava uma tropa de 120 homens, e fui gerente de equipe no Banco do Brasil. Já entrei aqui, na Justiça do Trabalho, acostumado a lidar com gente", sublinha.

Seu cotidiano atual requer firmeza, muitas vezes, mas também sensibilidade, noutras tantas. "Certa vez, fui fazer aqui mesmo em Sorocaba a remoção de um caminhão que havia sido arrematado. O depositário tinha a posse do veículo e fazia uso dele no trabalho, mas não era o proprietário. Mesmo sabendo da penhora, tentou me fazer acreditar que o bem era dele, na verdade. Chamei a polícia, e mesmo assim o cidadão ainda queria retirar os acessórios do caminhão. O policial teve de intervir. Por outro lado, noutra ocasião, na desocupação de um cortiço onde havia seis casebres, precisei de muito cuidado para cumprir a diligência sem tornar a situação ainda mais difícil para aquelas famílias", compara Edson. "É uma função em que somos muito xingados, mas também recebemos elogios", analisa o oficial, que se formou em direito em 1990. "Eu sempre quis fazer a faculdade, e aqui na Justiça do Trabalho foi onde eu pude aplicar meus conhecimentos", afirma ele, que considera seu emprego público na JT o melhor dos três por que passou.

Nos planos para o futuro, a prioridade é estar sempre junto da família. Dois de seus filhos também enveredaram pela carreira jurídica. Karen, a primogênita, é analista judiciária, lotada na 4ª VT de Sorocaba, e Daniel é advogado. "Quando eu me aposentar, quero trabalhar com ele. Posso dar uma assessoria na parte que conheço", adianta Edson.

Mas como nem tudo na vida é trabalho, ele planeja também viajar. Um destino já é certo: Treze Tílias, município do meio-oeste catarinense, a 420 quilômetros de Florianópolis. "Foi recomendado por amigos."

Cidinha, a incansável

Maria Aparecida Gomes Pedroni, também oficial de justiça, completou no último dia 17 de novembro 13 anos como servidora da Justiça do Trabalho da 15ª. Antes, por uma década, foi da Justiça Estadual paulista. Nem de longe, porém, sua trajetória profissional a isso se restringe: de origem humilde, começou a trabalhar aos 10 anos de idade, como empregada doméstica, além de vender verduras na rua. Sua mãe teve nada menos do que 22 filhos. Coincidência ou não, a primeira roseira plantada por Maria Aparecida em sua primeira casa em Sorocaba deu exatos 22 botões (de rosas brancas, a propósito), conta a servidora. "Plantei aquela roseira justamente em homenagem à minha mãe", garante ela.

Aos 17 anos, conquistou seu primeiro registro na carteira de trabalho, como babá das crianças de uma família tradicional de Sorocaba. A ligação foi especialmente forte com um filho do casal. "Cuidei do garoto desde que ele tinha 15 dias até que completou seis anos de idade. Eu o amei muito. Hoje ele está com 38 anos e é executivo de uma multinacional", detalha, orgulhosa. "A primeira coisa que ele falou foi ‘Cidinha'."

Além do amor pelas crianças, o trabalho proporcionou a Maria Aparecida a oportunidade de estudar, graças ao apoio dado pelos patrões. Até então, tinha apenas o antigo primário, da 1ª à 4ª série. Fez, então, o supletivo do ginásio numa escola particular, e o ensino médio numa escola municipal. Classificada na 17ª colocação no vestibular, cursou a Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi), tornando-se a única de sua família a ter curso superior.

Quando ainda estava no último ano da faculdade, houve o concurso para o preenchimento de vagas no quadro de servidores da JT da 15ª, incluindo o cargo de oficial de justiça. "Fiz as provas torcendo para que, se eu fosse aprovada, a convocação só viesse no ano seguinte. E deu tudo certo. O concurso foi homologado em fevereiro, e eu fui chamada em junho."

Parte de seu sucesso Maria Aparecida credita a mais uma "coincidência" em sua vida. "Eu costumava vender minhas férias, mas, daquela vez, meu antigo chefe na Justiça Estadual não permitiu. Graças a isso, tive 15 dias para estudar. Eu ia para um parque aqui em Sorocaba e estudava à sombra das árvores", descreve Cidinha. "Passar nesse concurso significou um salto muito grande para mim", resume ela. "Sou muito grata à Justiça do Trabalho. Graças a ela, pude bancar meus três filhos na faculdade", acrescenta Cidinha, que, modesta, sintetiza sua vida como "a trajetória de alguém que, como a grande maioria dos brasileiros, fez do limão uma limonada".

Se no início da entrevista a servidora não escondeu o orgulho em relação à mãe, agora era o momento de revelar o mesmo por seus três rebentos. Lucas, o mais velho, 28 anos, químico formado pela Universidade Estadual de Campinas, é funcionário da Petrobras. Depois de concluir o mestrado, iniciou, em outubro deste ano, um doutorado na França. "Saiu da escola pública direto para a Unicamp e foi o melhor aluno de sua turma", assinala Cidinha. O desempenho acadêmico de Lucas rendeu-lhe, inclusive, a Medalha do Prêmio Lavoisier, criado pelo Conselho Regional de Química (CRQ) paulista "para reconhecer e ressaltar a dedicação dos melhores alunos dos cursos de nível médio e superior da área da química ministrados no Estado de São Paulo", segundo o CRQ. O prêmio faz alusão ao francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), considerado o pai da química moderna. O filho "do meio", Mateus, que completa 27 anos neste mês de dezembro, é advogado, também formado pela Fadi, a exemplo da mãe. Da mesma forma que o irmão, foi o melhor de sua classe, com direito, sem trocadilho, à Láurea Universitária, observa Cidinha. Por sua vez, Vinícius, o caçula, de 25 anos, é engenheiro elétrico formado pela Unesp de Bauru e, segundo a mãe, já está se destacando em projetos na área de energia elétrica para famílias de baixa renda.

"Os três são brilhantes", garante a servidora. "São o meu orgulho e razão de viver", complementa ela, que, no êxito dos filhos, tem sua parcela de "responsabilidade", com certeza. Inclusive por ser uma mãe que não abre mão de seu direito de ser "durona", às vezes. "Sempre digo a eles: ‘Do céu cai chuva e avião sem manutenção. Se vira que você não nasceu quadrado'."

Unidade Responsável:
Comunicação Social