Congresso do TRT discute os direitos fundamentais trabalhistas no século XXI

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 Por Patrícia Campos de Sousa

O primeiro painel do 14º Congresso do TRT-15 reuniu os professores Humberto Bergmann Ávila e José Affonso Dallegrave Neto para discutir o tema "Direitos fundamentais trabalhistas no século XXI". Os painelistas foram apresentados pelo vice-presidente administrativo do Tribunal, desembargador Fernando da Silva Borges, que destacou a sólida formação dos convidados.

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutor em Direito Tributário pela Universidade de Munique, na Alemanha, e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), o advogado Humberto Bergmann Ávila abriu o painel dizendo que o fato de não militar na área trabalhista o colocava mais à vontade com relação às questões a serem abordadas. Entre outras atividades, ele é professor titular de Direito Tributário do Departamento de Direito Econômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Direito Tributário, Constitucional e Teoria do Direito dos cursos de mestrado e doutorado dessa Universidade.

O palestrante fez um recorte no tema proposto para focar no direito fundamental ao processo justo e a uma decisão justa, o qual, segundo ele, implica a obrigação de o julgador justificar racionalmente suas decisões. "Uma decisão não é justa porque o julgador citou a norma apropriada. Justificação apenas pela fonte não é justificação. É preciso indicar os argumentos acolhidos, as regras de prevalência entre eles. O jurisdicionado precisa conhecer o processo, não só o resultado", defendeu.

De acordo com Ávila, as decisões judiciais, em primeiro lugar, têm de se pautar pela objetividade, não só no sentido da independência com relação à pessoa que está sendo julgada, mas também no sentido da invariância, ou seja, de se utilizar os mesmos critérios interpretativos para um mesmo caso concreto. "Elas devem ser objetivas também quanto à adoção de critérios de correção que permitam aos jurisdicionados defender seus direitos de modo articulado", completou.

"Toda decisão emana de um processo interpretativo", prosseguiu o professor, ponderando sobre a inexistência de um significado em si nos textos legais e sobre a importância, para a efetivação dos direitos trabalhistas fundamentais, de que os juízes do trabalho se apropriem dos avanços da teoria da interpretação. "Não há um sentido anterior à interpretação. É o intérprete que, diante do caso concreto, transforma o dispositivo em norma, ao responder às perguntas: o quê?, como?, com base em quê? e por quê?. É o julgador que terá de decidir, diante de dispositivos legais ambíguos e complexos, sobre o seu significado correto, extrair normas implícitas de normas gerais, e mesmo criar novas normas."

Na avaliação do palestrante, a construção de sentido é fenômeno complexo, que envolve o emprego de diferentes técnicas argumentativas e de regras de prevalência entre elas, ainda que implícitas. "Somos ensinados de que interpretamos as normas, mas na verdade as normas é que são resultado do processo interpretativo. Temos de rever alguns conceitos. A interpretação não é a descoberta de sentido, mas sim a reconstrução argumentativa de sentido. A verdade não se dá por correspondência a algo que existe fora da interpretação, mas atende a critérios discursivos. A fonte, em si, é apenas o início do processo interpretativo. O problema não é a autoridade da fonte, mas a do argumento. Enfim, não basta ler e entender os termos do dispositivo legal. É preciso participar do processo discursivo e ser respeitado. Os argumentos das partes têm de ser efetivamente sopesados."

Dessa perspectiva, Humberto Bergmann Ávila defendeu que o Direito seja visto não como um objeto, mas sim como "uma atividade, uma coisa que a gente faz, um processo discursivo que transforma dispositivos em normas por meio de justificação". "Interpretar é argumentar, e sem transparência argumentativa a justificação é fingimento", concluiu o palestrante, após "interpretar" que a imagem da Deusa da Justiça sem a tradicional venda nos olhos, estampada no painel do Congresso. já estaria a indicar a preocupação da Justiça do Trabalho em "não fechar os olhos aos argumentos do julgador".

Antes de passar a palavra ao segundo painelista, o desembargador Fernando Borges agradeceu ao professor Ávila pela "excelente aula de hermenêutica" e partilhou sua avaliação quanto à dificuldade do exercício interpretativo do direito. "As palavras do professor nos levam, julgadores, a refletir sobre a cultura de metas que vem ganhando corpo no Judiciário, em que se prioriza a quantidade em detrimento da qualidade. Julgar não é fabricar pães. Cada caso concreto tem suas especificidades", afirmou o magistrado.

Os novos danos trabalhistas

Esta é terceira vez que José Affonso Dallegrave Neto participa de um Congresso do TRT da 15ª Região. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, o palestrante é professor da Escola da Magistratura Trabalhista do Paraná e dos cursos de pós-graduação e mestrado das Faculdades de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT) e autor e co-autor de 22 obras jurídicas, com destaque para "Responsabilidade civil no Direito do Trabalho" (4ª ed., LTr, 2011).

"Quais são os direitos fundamentais trabalhistas na sociedade atual, pós-industrial, pós-moderna, diversificada, digitalizada, obstinada pela velocidade, consumista, atomizada e extremamente conflituosa, com interesses os mais variados e pautada por verdades relativas?", questionou Dallegrave, ao iniciar sua exposição. Segundo ele, o trabalhador de hoje é vítima da hipersujeição. Dele se exige "inteligência social", baixa resistência a mudanças, tolerância ao fato de ser monitorado pelo empregador o tempo todo. "Há uma série de danos a que os trabalhadores do século XXI são sujeitos no meio de tanta pressão por resultados. Hoje se fala até em dano existencial, em decorrência da frustração de projetos de vida. Por exemplo, o dano causado ao trabalhador que há dez anos não consegue tirar férias, frustrando um projeto de vida razoável, como o de fazer companhia aos filhos ou visitar um parente distante."

Segundo lecionou Dallegrave, um sistema jurídico é uma totalidade ordenada, composta de microssistemas jurídicos que têm como fio condutor a Lei Fundamental. Desde o século XX, no lugar de sistemas jurídicos herméticos, contamos com sistemas abertos, em que se admitem as lacunas. Dessa perspectiva, e considerando que a função do sistema jurídico é operar uma adequação aos valores e princípios constitucionais, o palestrante entende que os princípios constitucionais proeminentes que vinculam os direitos trabalhistas incluem a dignidade da pessoa, o solidarismo, a vedação à discriminação e o respeito à função social da empresa, todos, segundo ele, de aplicação imediata.

Dallegrave focou também na comunicação do microssistema trabalhista com outros microssistemas jurídicos, em especial o previdenciário e civil. Lembrou, contudo, que em alguns casos eles podem ser incomunicáveis. "Embora o acidente de trajeto seja equiparado a acidente de trabalho para fins previdenciários, no âmbito trabalhista o empregador só será responsabilizado pelo acidente de trajeto do empregado se houver dano e culpa", exemplificou.

Por fim, o palestrante indicou como pilares da responsabilidade civil dos novos danos trabalhistas o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil (responsabilidade subjetiva mais cláusula geral objetiva, em caso de atividade normal de risco, independente de culpa patronal); o artigo 170, IV, da Constituição Federal (meio ambiente equilibrado); e os artigos 6º e 7º, XXII (saúde e redução de riscos). Segundo ele, o norte da responsabilidade civil não é mais saber de quem é a culpa, e sim garantir a reparação integral da vítima. Mas lembrou que uma implicação do paradigma da reparação integral é que a concausa pode ser fator de redução da indenização. O professor citou a proposta do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do TRT mineiro, de que o juiz seja autorizado a reduzir em 10%, 20% ou 40% o valor integral da indenização no caso de identificação de uma concausa – por exemplo, uma doença preexistente ao acidente de trabalho e que agravou fortemente suas consequências.

Outras implicações do paradigma da reparação integral da vítima, segundo o professor, é a concepção objetiva da culpa, pelo simples descumprimento de obrigações legais, e a limitação dos excludentes da responsabilidade civil ao caso fortuito externo. "Os riscos da atividade econômica devem ser compreendidos de forma ampla", defendeu.

"Respondendo à questão central do painel, entendo que os direitos fundamentais do século XXI sejam os direitos de indenização dos danos morais sofridos numa sociedade extremamente conflituosa", concluiu Dallegrave, para quem o crescimento do número de ações indenizatórias por danos morais não refletem a criação de uma "indústria do dano moral", como querem alguns, mas sim o fato de o trabalhador estar finalmente reagindo à "indústria da impunidade".

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