Desembargadora Tereza Asta participa de evento que promoveu a discussão sobre o trabalho escravo contemporâneo

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 Por Alberto Nannini/ TRT-2

Uma plateia muito diversificada, com representantes de diversos setores da sociedade, como policiais militares, cadetes e oficiais da reserva do Exército Brasileiro, empresários, advogados, estagiários, estudantes e outros, além de muitos servidores e magistrados, assistiu ao evento Trabalho Escravo Contemporâneo: Contextos e Desafios ao Enfrentamento, que aconteceu na última sexta-feira (16/5), no auditório do 1º subsolo do Fórum Ruy Barbosa (av. Marquês de São Vicente, 235 – Barra Funda, São Paulo-SP).

O evento discutiu o trabalho análogo à escravidão em três painéis, com palestrantes diversificados, que abordaram o tema sob diversas perspectivas, engrandecendo assim o debate premente, cuja importância e urgência são incontestáveis.

Mesa de abertura

Para a mesa de abertura do evento foi chamada a presidente do TRT-2, desembargadora Maria Doralice Novaes, bem como todo o Corpo Diretivo do Regional: as desembargadoras Silvia Devonald (vice-presidente administrativa), Rilma Aparecida Hemetério (vice-presidente judicial), Anelia Li Chum (corregedora regional), além do diretor da Escola Judicial (Ejud-2), desembargador Carlos Roberto Husek. Também foram chamadas as desembargadoras Ivani Contini Bramante e Silvana Abramo Ariano; a presidente da Amatra-2, juíza Patrícia Almeida Ramos, além da vice-presidente da Escola Judicial da 15ª Região (Ejud-15), desembargadora Tereza Asta Gemignani. Completaram a mesa do evento o desembargador aposentado Carlos Berardo e os magistrados Enio Rosseto, representando a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e Rodrigo Garcia Schwarz, organizador do evento.

A presidente do TRT-2, no discurso de abertura, disse "tratar-se de tema atual e de extrema relevância". Seu discurso relembrou os primórdios da escravidão no Brasil, até a promulgação da Lei Áurea, em 1888; contudo, relembrou a presidente, "126 anos depois, ainda tentamos chamar a atenção para uma prática que fere a dignidade humana".

A juíza Patrícia Almeida Ramos louvou a iniciativa e disse que "a exploração da mão de obra, infelizmente, se reinventa a cada mudança de paradigma da sociedade". Já o presidente da Ejud-2, desembargador Carlos Roberto Husek, lembrou que, ao contrário do senso comum, "a questão da escravidão não é apenas história (passada), porque esta permanece nos dias de hoje, (numa) sociedade escravocrata e exploratória".

O juiz Rodrigo Garcia Schwarz, especialista no assunto, também relembrou os primórdios do trabalho escravo no país, lembrando que a extinção foi tardia (um dos últimos países a aboli-lo) e inacabada, posto que persiste, transformada. Ressaltou também a "importância de aprofundar uma compreensão sobre o tema, ouvindo diversos pontos de vista".

1° painel

A vice-presidente judicial do TRT-2, desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, conduziu o 1º painel e disse que o debate era salutar, na medida em que poderia responder "qual ética decidiremos adotar para enfretamento deste grave problema".

A primeira palestrante foi a desembargadora Ivani Contini Bramante, que contou sua experiência junto ao Juízo Itinerante (para mais detalhes, veja o Ato GP 15/2013, que define as ações institucionais voltadas à erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo no âmbito do TRT da 2ª Região).

A desembargadora falou sobre a atuação do Juízo Itinerante, que ajuíza e monitora ações que versam sobre o trabalho análogo ao escravo, e sua parceria com ONGs, que auxiliam tanto no resgate de trabalhadores em condições degradantes, como para conseguir qualificação e reinserção deles junto ao mercado de trabalho.

Ivani Bramante falou ainda sobre ações emblemáticas, sobre normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre as principais utilizadoras do trabalho análogo ao escravo – o setor têxtil e a construção civil – e sobre as vantagens da ação civil pública com dano moral coletivo, ação elogiada pela OIT e eficiente, porque "mexe no bolso do empresário", completou.

Em seguida, o palestrante Carlos Ledesma, peruano, responsável pela área de direitos humanos da Confederación Sindical de Trabajadores/as de las Américas (CSA), inicialmente esclareceu a terminologia adotada em países de língua espanhola: "trabalho forçoso", e após, apresentou estatísticas da OIT.

Carlos Ledesma mostrou o ranking dos continentes onde há maior índice de operários em trabalho forçoso – liderado pela Ásia, seguida de África e América Latina. Em seguida, falou sobre algumas particularidades sobre o trabalho forçoso no Brasil, onde cerca de 400.000 imigrantes bolivianos, paraguaios e peruanos se submetem ao trabalho análogo à escravidão e são vítimas de chantagens: ilegais, são ameaçados de denúncia à polícia e deportação.

Por fim, o procurador do Ministério Público do Trabalho Ronaldo Lima dos Santos fez uma abrangente explanação, cuja tese principal era que, no Brasil, o fator cultural talvez influencie mais até que a principal motivação da adoção do trabalho análogo à escravidão, que é o barateamento do processo produtivo e elevação da margem de lucro.

Ronaldo dos Santos argumentou que vigora no Brasil uma cultura repleta de arcaísmos, com crimes contra as mulheres, banalização da vida, linchamentos e outros. Tal é o retrato de uma sociedade excludente, na qual o trabalho análogo à escravidão é mais um disparate.

Para ilustrar sua tese, o procurador comentou diligências que fez, situações que vivenciou e outras, emblemáticas da exploração e da violência, concluindo que as pessoas vítimas são as "socialmente vulneráveis". Ele finalizou descrevendo brevemente como funciona a cadeia de utilização de mão de obra análoga à escrava e corroborando a fala da desembargadora Ivani Contini, sobre a eficácia das ações civis públicas com dano moral coletivo, pelo "efeito educativo" que trazem.

2° painel

A vice-presidente administrativa, desembargadora Silvia Devonald, presidiu o segundo painel e chamou o próximo palestrante, o deputado estadual Carlos Bezerra Junior, presidente da CPI do Trabalho Escravo da Assembleia Legislativa de São Paulo, que se disse satisfeito com o convite e com "o mosaico representativo construído pelos que ali passaram", lembrando que "o enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão exige esforço conjunto".

Carlos Bezerra discorreu sobre a atuação do Legislativo para esse enfrentamento, e explicou algumas mudanças que aconteceram naquele âmbito: desde a primeira lei no combate à "nova" modalidade, em 1995, até a criação da "lista suja", em 2005, culminando na PEC do trabalho escravo, que estaria na iminência de ser aprovada.

O deputado enumerou três eixos de enfrentamento do problema: prevenção, reinserção (dos resgatados) e repressão. Segundo Carlos Bezerra, a motivação maior do problema é o lucro – trata-se de uma das atividades mais lucrativas do mundo, com nível de organização espantoso, e, por isso, a principal medida para enfrentá-la é impedir que haja lucro para seus praticantes.

Ele ainda contou que a lei estadual que impõe a cassação do registro de ICMS por dez anos de empresas que se utilizem direta ou indiretamente de trabalho análogo à escravidão foi referendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como "a mais avançada medida no combate à escravidão moderna no mundo, e que deveria ser copiada por todos os estados (brasileiros) e países".

Carlos Bezerra afirmou que "leis econômicas são muito mais eficazes que o endurecimento de leis criminais", referendando o anteriormente exposto, e disse que a lógica dos transgressores que utilizam trabalho análogo à escravidão considera custos: "custa menos manter uma atividade criminosa e enfrentar eventuais processos que cumprir a lei", e, por isso, o ataque tem que ser feito nessa frente. Uma vez adotadas medidas, como o estímulo da denúncia pelas vítimas e o corte dos lucros, empresários que se sentiam tentados pelos baixos custos do trabalho análogo à escravidão percebem que não compensa a prática no Estado de São Paulo – a punição será "rápida e custosa", concluiu.

Em seguida, o professor João Alberto Alves Amorim foi convidado, e iniciou sua palestra enfatizando o conteúdo cultural que há na exploração do trabalho análogo à escravidão.

Segundo João Amorim, somos "uma sociedade de castas, com uma maioria explorada e uma minoria privilegiada", e temos o estranho costume de promulgar leis que "não pegam", ou seja, que existem, mas não são acatadas, nem satisfatoriamente fiscalizadas.

Outro problema, segundo o professor, é o fato de "não sabermos qual política migratória queremos adotar". Daí, 20.000 haitianos é uma crise, mas 125.000 europeus e americanos, não. Ele provocou a plateia para explicitar seu ponto de vista: "quem procura a árvore genealógica para comprovar ascendência latina?". Assim, sustentou que "nossa matriz cultural precisa mudar", pois "condenamos minorias, especialmente se forem estrangeiros".

O professor João Amorim condenou "a desumanização das vítimas", explicando que "a vulnerabilidade delas não se esgota com a documentação", e apontou também a falta de comunicação da diplomacia e embaixadas sobre fluxos migratórios do Haiti e de outros países, a inércia das autoridades e a "falta de políticas públicas".

Por fim, o padre Roque Pattussi, coordenador do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami) de São Paulo, tomou a palavra. Ele discorreu sobre sua longa experiência acolhendo trabalhadores explorados e explicou que "a escravidão contemporânea acontece dentro de um sistema de mudança contínua dos exploradores", que se adaptam e se organizam para continuar com a prática criminosa.

Padre Roque conclamou a "nos colocarmos no lugar do imigrante", única maneira de entender o que lhe motiva. Isso possibilitaria entender que, para esses imigrantes, as condições que eles acreditam que conseguirão aqui são vantajosas, inclusive para a economia de seus países, fragilizadas.

Outro ponto de destaque da palestra foi a compreensão do perfil médio do imigrante explorado: ele quase sempre pretende voltar a seu país, e migra em busca de um sonho de progresso que lhe é negado, naquele momento, em seu país de origem. Vindo aqui, já na fronteira encontra policiais que não são treinados como agentes sociais, mas como fiscalizadores e repressores; fica nas mãos do agente que o convenceu a imigrar (chamado "coiote"), e chega a um país que não tem políticas migratórias estabelecidas.

Dessa forma, prosseguiu o padre Roque, o imigrante está totalmente desassistido: num país que não o entende, tendo como intermediário um criminoso (que pode lhe chantagear, inclusive ameaçando sua família, que ficou em seu país), e ele não tem ideia de quais direitos possui.

Por isso, o Cami faz um passo a passo de acompanhamento do imigrante: auxilia-o com sua documentação, presta assessoria jurídica e de colocação de trabalho, abre conta bancária e lhe ensina português, para que ele possa exercer a cidadania.

Apesar de contar com apenas seis funcionários no centro de apoio, o Cami auxiliou milhares de pessoas, e segue fazendo a diferença. Padre Roque defendeu também a criação de um fundo de assistência econômica de emergência para essas pessoas.

3° painel

Por fim, o último painel do debate foi conduzido pelo magistrado Márcio Mendes Granconato, titular da 1ª Vara do Trabalho de Itaquaquecetuba (SP). O juiz, inicialmente, conclamou os colegas a "não extinguir ações civis públicas sem julgamento do mérito", e depois chamou José Luiz da Silva Cunha, representante da ABVTEX – Associação Brasileira do Varejo Têxtil, que representa as principais redes do varejo nacional que comercializam vestuário, bolsas e acessórios de moda, além de cama, mesa e banho.

José Cunha explicou que a associação reúne 17 das maiores empresas de varejo têxtil do país, e que elas primam pela ética nas negociações e lutam pelo fortalecimento das boas práticas. Os associados contam com mais de 5.000 lojas no país, e o programa de certificação instituído pela ABVTEX visa contribuir para a erradicação do trabalho análogo à escravidão.

Segundo José Cunha, o empresário pode monitorar seus fornecedores (embora não tenha o poder de polícia para visitar instalações de suas fábricas e oficinas), e eles todos assinaram que, caso o prestador não compartilhe das práticas estabelecidas, não venderá seus produtos a nenhum dos associados.

A fiscalização do cumprimento e a concessão do certificado da associação é feita após auditorias, que checam uma série de fatores – inclusive o pleno cumprimento das leis trabalhistas – e finalizou dizendo que "responsabilidade social não é um item negociável".

O último palestrante do evento foi o auditor fiscal do trabalho Renato Bignami, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo.

Renato iniciou com a parte teórica das leis que estabeleceram o estado social e democrático de direito, contra o qual o trabalho análogo à escravidão é uma afronta. Apresentou fotos de diversas diligências que empreendeu, fiscalizando oficinas e outros locais de trabalho degradante.

Falou também sobre as práticas e modalidades, como servidão por dívida, submissão dos explorados aos intermediários ("coiotes"), que podem roubá-lo e até violentá-lo, seguros de sua impunidade. Concluiu dizendo que "não há possibilidade de existência de uma sociedade, sem a dignidade do trabalho".

Término

A importância do tema e a multiplicidade de perspectivas tornou o debate profícuo, e a iniciativa foi louvada por todos os presentes. Caso queira saber mais sobre o assunto, poderá apreciar o artigo do organizador do evento, juiz Rodrigo Garcia Schwarz: "Trabalho escravo contemporâneo: o que é".

Unidade Responsável:
Comunicação Social