Em Araras, servidores da Vara do Trabalho se dividem entre a Justiça e a música
Texto Luiz Manoel Guimarães
A fundação do município, em 15 de agosto de 1862, é atribuída aos irmãos José de Lacerda Guimarães, o Barão de Arary, e Bento de Lacerda Guimarães, o Barão de Araras, a quem, diga-se, não se credita a origem do nome dado à nova localidade. A responsabilidade por isso seria justamente das aves, que à época existiam em grande quantidade na região. Impulsionada pelo ciclo do café, a cidade de Araras está próxima hoje de atingir 130 mil habitantes.
A Vara do Trabalho (VT) local, localizada na Praça Barão de Araras, 171, no Centro, atende também o município de Conchal, totalizando mais de 150 mil jurisdicionados. No último mês de março, a unidade recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), criado pelo presidente do TRT-15, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, para ser um canal direto de comunicação entre o 1º grau e a Presidência da Corte.
O GMP é coordenado pelo juiz Flávio Landi e tem como objetivo principal identificar demandas e criar oportunidades de aprimoramento. As atividades do Grupo em cada unidade incluem uma reflexão conjunta acerca da qualidade de vida pessoal e profissional. Os participantes são convidados a responder um questionário com temas como relações interpessoais no trabalho e sintomas e fontes de estresse. Posteriormente, no retorno da equipe à sede do Tribunal, em Campinas, os resultados são analisados, e as conclusões, enviadas a todos os que participaram das atividades.
Outra missão do GMP é dar aos servidores da 15ª Região a oportunidade de conhecerem uns aos outros. A proposta é mostrar quem são e como vivem esses profissionais, que, espalhados por mais de cem cidades do Estado de São Paulo, são mais de quatro mil, somando os do próprio quadro do Regional com os cedidos por outros órgãos públicos. Só no ano passado, essa força de trabalho contribuiu de maneira decisiva para a JT da 15ª fazer chegar aos reclamantes quase R$ 3,2 bilhões, decorrentes de acordos ou condenações.
Levando a vida na flauta?
Carioca de Cascadura e botafoguense, o oficial de justiça Luís César Duarte Prinzo começou sua carreira na JT da 15ª na própria VT de Araras, em 24 de junho de 2005. Ele foi parar na cidade graças à esposa, Silmara, sua namorada desde o dia em que se conheceram, 26 de janeiro de 1986, durante férias na cidade mineira de Lambari. Embora Silmara seja paulistana e à época morasse em Três Corações, também em Minas, sua família é de Leme, município vizinho a Araras.
O namoro seguiu à distância, mais precisamente algo em torno de 450 quilômetros, entre o Rio e a terra de Pelé, num trajeto que passava por Juiz de Fora. Numa era pré-internet, sem e-mail e muito menos skype, os dois só se viam a cada duas semanas e lançavam mão de um recurso que os adolescentes de hoje, alguns deles, pelo menos, devem julgar digno de um museu: foram muitas cartas trocadas, cerca de 50, que Prinzo ainda guarda zelosamente num baú. "É a única coisa organizada em minha vida", brinca ele.
Três anos depois do início do namoro, Silmara foi morar no Rio, para estudar contabilidade. Passados outros três, com Prinzo já formado em direito, deu-se enfim o casório, em 12 de setembro de 1992, data que o servidor também lembra sem esforço, diga-se, contrariando o mito (?) de que os homens não guardam esse tipo de detalhe. E não faltou adrenalina ao momento. A cerimônia só começou 40 minutos depois do horário previsto, por uma razão no mínimo insólita: quem atrasou foi o padre, que estava lecionando num seminário em Ipanema. Como o casamento estava marcado para as 18h30 de uma sexta-feira, na Igreja do Santo Sepulcro, em Madureira, quem conhece o trânsito carioca vai entender facilmente o porquê do atraso. "As outras noivas achavam que a Silmara havia desistido", diverte-se o oficial de justiça. Em 1995 nasceu Bruno, hoje prestes a completar 19 anos, e só quase uma década depois veio a caçulinha Gabriela, que acaba de comemorar 10 aninhos, no último dia 2 de agosto.
Vida familiar à parte, Prinzo logo começaria a se dedicar aos concursos públicos. Em 1995, foi o primeiro colocado na disputa pelo cargo de advogado da Câmara de Vereadores de Angra dos Reis, no litoral sul fluminense, e repetiu a dose menos de dois anos depois, quando concorreu a uma vaga de procurador do Município de Leme. Foram quase nove anos no cargo, até a mudança para a Justiça do Trabalho.
A experiência na advocacia fez de Prinzo um especialista em direito administrativo. Já são 13 artigos publicados no Boletim de Direito Municipal, e um livro, "Contratos temporários na administração pública", lançado em 2003 pela editora carioca Nova Dimensão.
Seus interesses, no entanto, extrapolam os limites da área em que trabalha. Foi aluno de flauta doce por um ano e de flauta transversa por outros 10, no tradicional Conservatório Brasileiro de Música, que completa 80 anos em 2016. Localizado na Avenida Graça Aranha, 57, no Centro do Rio, o CBM fica em frente à antiga sede do Ministério da Educação, o Palácio Gustavo Capanema, nome dado em homenagem ao ministro titular da pasta à época da construção do edifício, inaugurado em 1945. O prédio conquistou fama internacional, tanto pelo projeto arquitetônico, de autoria de uma equipe que incluía Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, quanto pelo paisagismo, assinado por Burle Marx, ou pelas obras de Cândido Portinari, com destaque para o mural Jogos Infantis, de mais de 60 metros quadrados (no salão de mesmo nome, no segundo pavimento), e para os dois painéis de azulejos com motivos marinhos, na área externa. Coincidentemente, o avô de Prinzo, Ângelo, imigrante italiano, foi colega de Portinari na antiga Escola Nacional de Belas Artes, que funcionava onde hoje é o Museu de Belas Artes, na Avenida Rio Branco, também no Centro da capital fluminense. Eles foram alunos do mestre Rodolfo Amoedo, cuja obra inclui o famoso quadro "O Último Tamoio", de 1883. "Meu avô era pintor acadêmico, de paisagens, e trabalhou praticamente a vida toda como fotógrafo e desenhista/pintor de pessoas." A avó, Palmyra, por sua vez, teve como um de seus professores no Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Iserj), na Praça da Bandeira, ninguém menos do que Heitor Villa-Lobos, que lecionava canto orfeônico. Entre as colegas de classe de Palmyra, aliás, estava Tônia Carrero, diva do teatro e da TV do País.
Com a arte no sangue, Prinzo tratou de fazer da música mais do que um simples passatempo. Levou os estudos de flauta a sério e, com direito a inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil desde 1988 – "ainda tenho a carteirinha de ‘músico popular e erudito'" –, fez parte do Corpo Artístico da Universidade Gama Filho, que reunia orquestra e coral, com aproximadamente 300 integrantes.
Nos bastidores de um show do flautista no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1990, conheceu pessoalmente Altamiro Carrilho, falecido em 2012 e tido por muitos como o grande nome do instrumento no Brasil, em todos os tempos. "Ele executava o chamado ‘golpe duplo'", lembra Prinzo. "Com uma única batida de língua, conseguia tocar duas notas." Para o servidor, no entanto, maior do que Altamiro e do que qualquer outro na flauta transversa foi o professor Adauto Silva, que lecionou por 20 anos no CBM. "Com uma só batida de língua, eram três notas. Tocava sem respirar por três minutos e meio, até quatro minutos", garante Prinzo.
Hoje, apesar de não tocar com frequência – "só esporadicamente, e de forma amadora" –, Prinzo ainda guarda consigo duas flautas transversas. "A diferença para a flauta doce é que, na transversa, a escala de sons, do grave ao agudo, é bem maior, permitindo uma variedade musical muito mais ampla", leciona.
Realizando o sonho do pai
A música também está presente, há três décadas, na vida de Mauro Augusto Forsan. No último dia 7 de junho, ele completou 10 anos como servidor da VT de Araras, cedido pela Prefeitura da cidade, na qual trabalhou por três anos, no Centro de Processamento de Dados. Ararense da gema, foi também "leiturista", aquele funcionário encarregado de ler as marcações de consumo de água, eletricidade, gás etc. No caso de Mauro, foram cinco anos trabalhando para empresas de energia elétrica, com direito a mordidas de cachorro – "umas quatro ou cinco" – e até uma "corrida de pai bravo", lembra ele, sem conter o riso. "Ele achou que eu estava de olho na filha e já veio de revólver na mão."
Quando Mauro tinha apenas nove anos, um amigo, Walter, que viria a ser seu padrinho de casamento, inclusive, começou a estudar clarinete, e logo estava se apresentando junto com outros músicos, lá mesmo na Praça Barão de Araras, onde, segundo o servidor, há 110 anos ocorrem apresentações semanais. "Todo domingo tem música", garante ele. Durante o concerto, Mauro permaneceu "pendurado" na lateral do coreto, junto ao amigo, vendo-o tocar. Saiu dali decidido a ser músico também.
Foi conhecer a escola onde o amigo estudava, a Corporação Musical "Maestro Francisco Paulo Russo", naquele domingo mesmo, junto com Walter, que profetizou: "Amanhã você volta". Dito e feito, como diriam os antigos. Mauro nem precisou se esforçar para convencer o pai, José Mauro, um metalúrgico apaixonado por música. Na segunda-feira, 6 de março de 1984, detalha o servidor, outro que traz as datas na ponta da língua, lá estavam os dois à porta da escola, de bicicleta. Seu José, que sempre nutrira uma predileção pelo trompete, acabou influenciando na escolha do instrumento. "Ele já me dava uns trompetinhos de brinquedo, inclusive", recorda Mauro, que logo viria a saber pela mãe, Odette, que seu José tentara ser músico na juventude. "Quando tinha 25 anos, ele ingressou na mesma escola, mas parou depois de três meses, por causa de uma rixa com outro aluno", explica o servidor. "Quando eu disse que queria estudar lá, os olhos dele brilharam." Curiosamente, uma década mais tarde Mauro convenceu o pai a voltar à Corporação, e os dois chegaram a tocar juntos durante alguns anos.
Novos rumos
Mauro fez parte do conjunto que toca na Praça por 25 anos, mas a correria da vida o obrigou a deixar o grupo, que segue se apresentando todo domingo no tradicional coreto, a partir das 20 horas. "Eu me casei em 30 de abril de 2005, e ficou difícil conciliar as coisas. Ainda toquei por mais uns três anos, mas depois não foi possível continuar", justifica o músico, que, àquela altura, além das obrigações da vida de casado e do trabalho na VT, já aumentava a renda da família tocando em casamentos, festas e outros eventos. Começou nesse ofício como integrante do "Sexta Básica", grupo no qual ficou por uns dois ou três anos, até partir para uma "carreira solo", ainda no trompete. Passados mais seis meses, formou dupla com um amigo, Eduardo, ambos no clarim, e assim tem sido nos últimos cinco anos. "Fazemos a anunciação da noiva, no momento em que ela está entrando na igreja. Cada um dos dois fica de um lado da porta principal, tocando enquanto a noiva passa. Temos um repertório variado, mas 90% dos clientes acabam escolhendo mesmo a marcha nupcial", descreve Mauro, aludindo à famosa composição extraída de "Sonho de uma noite de verão", obra composta pelo alemão Felix Mendelssohn a partir da peça homônima de Shakespeare. "Também fazemos o toque de anunciação do casal, quando eles estão deixando a igreja, anunciando que se tornaram ‘um só'."
Quem também aderiu ao empreendimento foi a esposa de Mauro, Juliana, que há dois anos montou com a sócia Daniela um serviço de cerimonial para casamentos. "Foi de tanto ver erros nas cerimônias nas quais eu toquei", diz o servidor. Juliana incluiu na estratégia de marketing do negócio um vídeo exibindo a anunciação executada pelo maridão e seu parceiro. "Quando as noivas veem...", comenta Mauro, sem conter uma pontinha de orgulho. "Fecham logo o pacote", garante. Segundo ele, apesar de a concorrência ser grande, a empresa já consegue fazer de 10 a 15 casamentos por ano. (Com informações do IBGE e da Prefeitura de Araras)
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