Em Barretos, terra do rodeio, rancho à beira do rio é o paraíso de servidor da Justiça do Trabalho
Rua 28, 2.887. Esse é o endereço da Vara do Trabalho de Barretos, município a cerca de 125 quilômetros de Ribeirão Preto e que, em pelo menos um aspecto, se assemelha a ninguém menos do que Nova Iorque. Assim como na "Big Apple", em vez de nome, muitas ruas da cidade são designadas por um número ou por um código alfanumérico, e em forma sequencial, sistema muito útil sobretudo aos recém-chegados. Mas o que torna Barretos nacional e até internacionalmente conhecida é a sua Festa do Peão de Boiadeiro, a maior do gênero no País. Com capacidade para 35 mil pessoas, a arena onde o evento é realizado anualmente, sempre no mês de agosto, foi projetada por Oscar Niemeyer, que não por acaso a concebeu em formato de ferradura.
Fundada em 25 de agosto de 1854, a "Capital Nacional do Gado" ou "Capital Country", formas como a cidade também é conhecida, deve seu nome à família cujo patriarca, Francisco José Barreto, doou parte de seu patrimônio para a formação do município.
Quase 200 mil pessoas atendidas
Além dos quase 120 mil habitantes de Barretos, a VT local atende também a população de Colina, Colômbia, Guaíra e Jaborandi, cidades da região. São cerca de 190 mil jurisdicionados.
A unidade recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), criado pelo presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, para ser um canal direto de comunicação entre o 1º grau e a Presidência da Corte. Coordenado pelo juiz Flávio Landi, o GMP desenvolve atividades que incluem uma reflexão conjunta acerca da qualidade de vida pessoal e profissional. Os servidores de cada unidade visitada são convidados a responder um questionário com temas como relações interpessoais no trabalho e sintomas e fontes de estresse. Posteriormente, eles recebem um feedback com as conclusões das especialistas do Grupo no tema, a psicóloga Juliana Barros de Oliveira e a assistente social Maria Angela Caparroz Arelano Cordeiro.
O GMP também registra demandas de caráter estrutural ou administrativo, por intermédio da servidora Maria Auxiliadora Ortiz Winkel, assistente da Presidência do Regional. Já os problemas relativos à área de segurança são analisados pelos agentes Luís Cláudio da Silva e Jenner Eduardo dos Santos, que também integram a equipe. Outra missão do Grupo é traçar um perfil dos servidores da 15ª. A proposta é mostrar quem são e como vivem esses profissionais, ou pelo menos uma parte deles, que, espalhados por cerca de 110 cidades paulistas, são mais de quatro mil, somando os do próprio quadro do Regional com os cedidos por outros órgãos públicos.
Do fogo à água
É o caso, por exemplo, de Odécio Pimenta Camargo. No último dia 29 de setembro, ele completou exatos 20 anos de carreira na Justiça do Trabalho da 15ª. Começou na 4ª VT de Campinas. Ainda na cidade-sede do Tribunal, trabalhou também na Vice-Presidência da Corte, passando depois, já entre os anos de 1998 e 1999, pela VT de Olímpia, município onde nasceu. Na VT de Barretos, esteve primeiro por um breve período, de 1996 a 1997, mas retornou em maio de 1999 e de lá não mais saiu.
Formado em direito pelas Faculdades Integradas de São Carlos (Fadisc) em 1996, Odécio contrapõe o começo difícil na 15ª – "na época eu não sabia datilografar direito, não passava do famoso 'cata milho' e, para compensar, ia ao trabalho inclusive nos finais de semana, a fim de terminar o serviço ainda pendente" – com o que hoje representa para si a instituição que abraçou em sua carreira profissional. "A Justiça do Trabalho é tudo para mim. Sinto-me realizado. Gosto do que faço e por isso me dedico ao máximo. Apesar do grande movimento processual aqui na VT de Barretos, em torno dos três mil processos por ano, o ambiente de trabalho é ótimo."
A carreira como servidor público teve início, porém, como bombeiro. Odécio foi cabo da Corporação, à qual prestou serviço por exatos sete anos, três meses e um dia, como curiosamente ele recorda. Sua missão mais comum à época era o resgate de afogados, mas a memória de nosso entrevistado acabaria particularmente marcada por um incêndio em tanques de etanol de uma usina na cidade de Pitangueiras, a cerca de 50 quilômetros de Ribeirão Preto, em 1989. "A temperatura do fogo era tão alta que árvores a quinhentos metros de distância entraram em combustão espontaneamente. O único jeito foi drenar o máximo possível do combustível do tanque incendiado e aguardar a queima do restante, porque não havia como apagar o incêndio. Além disso, resfriamos os outros tanques, para que o fogo não se propagasse."
Coincidência ou não, hoje Odécio sempre que pode busca justamente a companhia do elemento contrário ao que enfrentava nos tempos de bombeiro. Dono de um pequeno rancho às margens do Rio Grande, no município mineiro de Planura, a 55 quilômetros de Barretos, há 15 anos ele tem na pescaria sua principal atividade de lazer. "Limpa os meus pensamentos. Até o cheiro da água me alivia a mente", sublinha o servidor, que prefere pescar justamente no meio do rio, a bordo de uma canoa.
"É mais uma brincadeira", diz ele, modesto. Mas a brincadeira rende. Rico em peixes de couro como pintados, barbados, jaús e mandis, e em peixes de escama, entre os quais se incluem o dourado, a piapara, a curimba – também conhecida como curimbatá – e a caranha, o lugar parece ser mesmo um pequeno paraíso para os amantes da pesca. "Já peguei um pintado de 26 quilos", garante Odécio. "Mas ainda espero pegar um maior", emenda ele. "Eles passam dos 30 e podem chegar a uns 40 quilos."
O servidor prefere pescar à noite, e principalmente no Rio Pardo, cuja foz defronta com o seu rancho. "Às vezes, ainda pescando, vejo o dia amanhecer." Se já aconteceu de a pescaria "passar em branco", e muitas vezes, como admite Odécio, também houve ocasião de fartura. "Já cheguei a pegar, numa única noite, sete pintados, de uns vinte quilos cada um, e sete barbados, que juntos davam mais de trinta quilos", garante ele, sem se importar com a fama do número sete, que, na cultura popular, remete a relatos não lá muito confiáveis. "E ainda teve os curimbas e dourados que pularam na canoa", completa. É que, conforme explica o pescador, muitos peixes se assustam com a luz do cilibrim – espécie de holofote que Odécio usa em suas pescarias noturnas –, e acabam saltando e caindo, muitas vezes, justamente na embarcação de quem os quer capturar. "Já peguei um dourado de oito quilos assim."
Segundo o servidor, metade da propriedade é constituída por uma Área de Preservação Permanente (APP), onde a vegetação nativa, com espécies como angico, aroeira, amendoim e guatambu, coexiste com árvores frutíferas plantadas por ele. A fauna também é rica e inclui tatus, capivaras, raposas, quatis e macacos, além de araras, tucanos, gaviões e outras aves. Às margens do Rio Pardo, Odécio já viu até onça-parda e lobo-guará, sem falar nos jacarés.
Tudo isso, na verdade, é um retorno às origens para ele, que foi criado num sítio lá mesmo na região de Barretos e só saiu da vida rural já adulto, para tentar a vida na cidade. Aos 71 anos, seu pai, José, ainda mora nessa propriedade. Viúvo, ele adora receber o filho e o pessoal da VT para um bom churrasco. (Com informações da Prefeitura de Barretos, do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam) e do IBGE)
Por Luiz Manoel Guimarães
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