Em Tupã, Grupo Móvel da Presidência do TRT conhece o ex-engraxate Alcides

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 Texto Luiz Manoel Guimarães

A Vara do Trabalho de Tupã, município do oeste paulista, atende também as cidades de Arco-Íris, Bastos, Herculândia, Iacri, Parapuã, Queiroz, Quintana e Rinópolis, totalizando 135 mil jurisdicionados, aproximadamente. A unidade recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), criado pelo presidente do TRT-15, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, para ser um canal direto de comunicação entre o 1º grau e a Presidência da Corte. Iniciativa pioneira, o GMP é coordenado pelo juiz Flávio Landi e tem como objetivo principal identificar demandas e criar oportunidades de aprimoramento.

As atividades do Grupo em cada unidade incluem uma reflexão conjunta acerca da qualidade de vida pessoal e profissional. Os participantes são convidados a responder um questionário com temas como relações interpessoais no trabalho e sintomas e fontes de estresse. Posteriormente, no retorno da equipe à sede do Tribunal, em Campinas, os resultados são analisados e as conclusões são enviadas a todos os que participaram das atividades. Até mesmo situações individuais são abordadas, quando há solicitação nesse sentido por parte do juiz ou servidor, e sempre com a preservação do sigilo.

Outra missão do GMP é dar aos servidores da 15ª Região a oportunidade de conhecerem uns aos outros. A proposta é mostrar quem são e como vivem esses profissionais, que, espalhados por mais de cem cidades do Estado de São Paulo, são mais de quatro mil, somando os do próprio quadro do Regional com os cedidos por outros órgãos públicos.

Vai um brilho aí?

Nascido em Birigui, Alcides Pereira da Silva é um desses milhares de servidores que contribuem para que, ano a ano, a Justiça do Trabalho da 15ª Região faça chegar bilhões de reais às mãos de seus legítimos donos, trabalhadores que não tiveram seus direitos integralmente respeitados ao longo da vigência do contrato de trabalho. Só em 2013 foram quase R$ 3,2 bilhões na 15ª.

O próprio Alcides é um exemplo de alguém que sentiu na pele as dificuldades tão comuns ao trabalhador brasileiro. Com o adoecimento do pai, Raimundo, vítima do mal de Parkinson, a família de 10 irmãos teve de vender o sítio onde morava em Clementina, cidade próxima a Birigui, e mudar para Tupã. No final de 1972, com apenas sete anos, Alcides começou a trabalhar como engraxate, acompanhando o irmão Aparecido, o "Cidão", três anos mais velho. Que de "Cidão" não tinha nada, aliás. "Na verdade ele era bem mirradinho, menor do que eu. Nascera de sete meses. Mas, para mim, era o "Cidão" mesmo, com certeza, porque era um grande cara, sempre muito valente. Foi ele quem fez a minha caixa de engraxate, e as caixas eram pesadas, davam calo no ombro."

Junto com outros meninos, a dupla perambulou por cerca de quatro anos, fazendo brilhar os sapatos de Tupã, principalmente na região da rodoviária da cidade e do mercado municipal. Mas nem tudo era trabalho, é verdade. Nos finais de semana, e só nos finais de semana, ressalta Alcides – "os adultos se arrumavam, era uma ocasião" –, os cines Riviera, na Praça da Bandeira, e Potiguaras, na rua de mesmo nome, eram o "sonho de consumo" dos garotos, principalmente o Riviera, mais popular. "O Potiguaras era o mais frequentado pela elite da cidade, e nós, engraxates, que vivíamos de short e chinelos, não tínhamos chance lá." Mas no Riviera, embora a vida do grupo não fosse lá uma moleza, vira e mexe era possível "tirar uma casquinha" da matinê, que começava às 14 horas, ou até da sessão principal, tradicionalmente iniciada às 18. "Fazíamos uma cara digna de dar dó e, de vez em quando, uma boa alma nos ‘punha para dentro'. Era assim que a gente conseguia entrar sem pagar. Mas na metade do filme", explica Alcides, que, graças a essa estratégia, viu ainda criança algumas das grandes produções de gênios como Mazzaropi e Jerry Lewis. Ou um trecho delas, pelo menos.

Aos 12 anos, uma "oportunidade" apareceu para Alcides: entregador de pães. Numa daquelas antigas bicicletas de carga, ele "ralava" das 5 da manhã às 5 da tarde, com direito a intervalo de uma hora e meia para almoço. Fazia chegar aos clientes a tão esperada dupla: um litro de leite, classicamente embalado no saquinho de plástico, e uma "bengala", o pão francês comprido, hoje em dia mais conhecido, talvez, como baguete. E qual era a vantagem, afinal? "A vantagem é que todo dia eu levava para casa o mesmo ‘pacote', o leite e o pão", esclarece Alcides, que, à noite, em vez de descanso, lá ia cursar sua 6ª série.

Depois de um ano nas entregas, conseguiu emprego num escritório de contabilidade, onde o patrão era não só contador, mas também advogado. "Foi aí que eu comecei a me identificar com o direito", lembra Alcides, que depois foi metalúrgico, formou-se técnico agrícola ao concluir o ensino médio, profissão que não chegou a exercer, e acabou como auxiliar de serviços-gerais, montando e carregando móveis numa rede de lojas do ramo, em Tupã. "Um dia eu disse aos vendedores da loja: ‘Vou ser advogado'. Eles riram."

Em vez de se abater, Alcides tomou o deboche dos colegas como mais um estímulo para realizar o sonho. Com "dinheiro contado" para a inscrição, mas também com o apoio da noiva e futura esposa, Roseli, resolveu tentar, aos 23 anos, o vestibular da Faculdade de Direito da Alta Paulista (Fadap). As adversidades não se restringiram à longa ausência dos bancos escolares. No primeiro dia de provas, uma sexta-feira, um temporal desabou sobre Tupã. "Um verdadeiro ‘pé-d'água'", recorda Alcides. Graças a um furo num de seus sapatos e à impotência de seu guarda-chuva contra a tormenta, ele chegaria ao local de prova completamente encharcado. Mesmo assim, acabou conseguindo a aprovação para o período noturno.

Os problemas financeiros, no entanto, estavam apenas começando. Com livros emprestados por um colega – o único que conseguiu comprar no 1º ano foi o Código Civil – e sem poder pagar a mensalidade do curso, Alcides pleiteou uma bolsa à Faculdade, mas só lhe deram 20% de desconto. Insistiu e obteve mais 10%. Porém, ainda assim, a inadimplência era sua companheira fiel. "O tesoureiro tentava me impedir de prestar as provas, mas eu falava com o diretor, que acabava me autorizando a fazer."

No 2º ano, o desconto subiu para 40%, indo a 60% no 3º. Assim, "aos trancos e barrancos", com direito a se ver desempregado duas vezes durante o curso, inclusive em meio à primeira gravidez da esposa, Alcides concluiu a faculdade. Em 1998, era assistente legislativo na Câmara Municipal de Tupã, quando, a convite de um primo, mudou-se para Cuiabá, movido pelo sonho de ser advogado. Mas, no dia 4 de junho daquele ano, aniversário de Roseli, e a apenas 15 dias do fim do prazo de validade de um concurso que prestara quatro anos antes para o TRT da 9ª Região (PR), recebeu um telefonema do Tribunal, convocando-o para preencher uma vaga no cargo de analista judiciário. "Quase que eles não me acham. Por sorte eu havia deixado com eles um telefone de uma amiga de Tupã. Por intermédio dela, fizeram contato com a Câmara Municipal e daí me acharam em Cuiabá."

A posse no TRT-9 foi em julho de 1998, em Curitiba, sede do Tribunal, mas Alcides ficou lotado em Cornélio Procópio, no norte paranaense, a cerca de 400 quilômetros da capital do estado. A proximidade com São Paulo – são 200 quilômetros até Tupã – foi uma das motivações para a escolha, que, no entanto, se revelou desastrosa. "Das três cidades em que havia vaga, escolhi a pior", resume o servidor, que para lá se mudou com família e tudo, em plena Copa do Mundo da França. "Era uma vara antiga, num espaço muito pequeno. Até o banheiro virava arquivo, e eu tinha de trabalhar das 7 da manhã às 7 da noite direto", lembra ele. "Foi uma experiência terrível. Os três primeiros meses foram depressivos."

Passados mais alguns meses, a formação de Alcides, bem como sua experiência na advocacia, renderam-lhe a função de assistente do diretor de secretaria da unidade, elevando ainda mais a sobrecarga de trabalho. "Passei a trabalhar até as 21, 22 horas, e também aos sábados e domingos." O resultado, previsivelmente, foi o que quase sempre ocorre nessas circunstâncias: Alcides ficou doente, "combinando" úlcera gástrica com esofagite, sem falar numa retoculite ulcerativa, inflamação da mucosa que reveste o intestino grosso. As lesões na área são constantes, explica em seu site o médico Drauzio Varella.

Foram anos com a doença, que nem mesmo a troca de Cornélio Procópio por Jaguariaíva, ainda no Paraná, curaria. Na nova VT, Alcides passaria 11 meses em situação "diametralmente oposta", conforme ele próprio comparou. "Só havia audiências a cada 20 dias. Durante um mês como oficial ‘ad hoc', cobrindo as férias de um colega, só precisei fazer duas diligências." A saúde, porém, só seria recuperada em 2006, quatro anos depois do retorno a Tupã. "A remoção foi um presente de Natal", brinca Alcides, que, novamente na cidade onde crescera, desde o primeiro momento se sentiu muito bem recebido pelos colegas da VT.

Hoje, prestes a completar 50 anos – em fevereiro próximo –, ele pesa todos os prós e contras de sua vida e não titubeia: "Com todas essas dificuldades por que passei, sinto-me vitorioso", sintetiza o servidor, cujos filhos estudam atualmente na cidade de Ontário (não confundir com a província canadense), no Oregon, noroeste dos EUA. Vinícius, 19 anos, cursa engenharia civil, e Abner, 20, estuda inglês.

Nesse caminho, Alcides ressalta a participação de duas pessoas: a mãe, Deltina, cearense de Irapuã Pinheiro e 89 anos completados no último dia 10 de março – "ela nunca deixou de acreditar em mim" –, e o diretor da Fadap à época de sua graduação, Carlos Eduardo Abarca e Messas, que lhe preservou a oportunidade de cursar a faculdade. Ex-prefeito da cidade e hoje de volta à Fadap, como vice-diretor, Carlão (assim ele é popularmente conhecido em Tupã), viria a ser, inclusive, padrinho de casamento de Alcides, que celebra sobretudo o ingresso na Justiça do Trabalho. "O TRT-15 foi um porto seguro para mim."

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Comunicação Social