Música, poesia, culinária e até hipismo estão entre as paixões dos servidores da JT em Jundiaí
Texto e fotos: Luiz Manoel Guimarães, com colaboração de Alessandra Xavier e Beatriz Assaf
Rua da Padroeira, 499. Esse é o endereço do Fórum Trabalhista de Jundiaí, no Centro da cidade. São quatro varas do trabalho, além da Coordenadoria de Distribuição de Feitos (CDF), e a jurisdição, que inclui também os municípios de Itupeva, Louveira e Vinhedo (os dois últimos, vale citar, são atendidos pelo Posto Avançado da Justiça do Trabalho de Vinhedo), abrange uma população de mais de 550 mil pessoas, segundo dados do IBGE.
O Fórum recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), criado pelo presidente do TRT-15, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, para ser um canal direto de comunicação entre o 1º grau e a Presidência da Corte. Iniciativa pioneira, o GMP é coordenado pelo juiz Flávio Landi e tem como objetivo principal identificar demandas e criar oportunidades de aprimoramento.
As atividades do Grupo em cada unidade incluem uma reflexão conjunta acerca da qualidade de vida pessoal e profissional. Os participantes são convidados a responder um questionário com temas como relações interpessoais no trabalho e sintomas e fontes de estresse. Posteriormente, no retorno da equipe à sede do Tribunal, em Campinas, os resultados são analisados e as conclusões são enviadas a todos os que participaram das atividades. Até mesmo situações individuais são abordadas, quando há solicitação nesse sentido por parte do juiz ou servidor, e sempre com a preservação do sigilo.
Outra missão do GMP é dar aos servidores da 15ª Região a oportunidade de conhecerem uns aos outros. A proposta é mostrar quem são e como vivem esses profissionais, que, espalhados por mais de cem cidades do Estado de São Paulo, são mais de quatro mil, somando os do próprio quadro do Regional com os cedidos por outros órgãos públicos.
A mais antiga
De acordo com informações do Centro de Memória, Arquivo e Cultura (CMAC) do TRT, a 1ª Vara do Trabalho (VT) de Jundiaí, criada em 30 de março de 1944, é a mais antiga da 15ª Região. Nívea Alves Marietti, jundiaiense "da gema", faz parte da equipe da unidade desde 7 de janeiro de 2009 e começou sua carreira como servidora da Justiça do Trabalho da 15ª no dia 2 de dezembro do ano anterior, na VT de Atibaia.
Sua primeira atividade profissional, no entanto, remonta a fevereiro de 1996, quando, turismóloga recém-formada pela PUC-Campinas, tornou-se sócia da Memorial Turismo, em São Paulo. "O escritório era no Viaduto 9 de Julho, perto do Metrô Anhangabaú", recorda ela. A empresa foi criada com a proposta de atender principalmente aos interessados em participar da Jornada Mundial da Juventude, evento promovido pela Igreja Católica e que reúne, a cada dois ou três anos, numa cidade escolhida pelo Papa, milhões de jovens católicos de todo o mundo. A 28ª edição, em julho de 2013, ocorreu no Rio de Janeiro.
Pela Memorial, Nívea participou pessoalmente das Jornadas de 1992 (Denver, EUA), 1995 (Loreto, Itália), 1997 (Paris) e 2000 (Galileia, Israel). Neste último ano, esteve também numa edição especial, em Roma, na celebração do Jubileu de Prata de João Paulo II. À distância, aqui do Brasil, trabalhou ainda nas edições de Toronto, Canadá (2002) e Colônia, Alemanha (2005). "De 1.000 a 1.200 jovens do Brasil iam ao evento por intermédio da agência", lembra ela. "Pessoalmente, já na cidade da celebração, eu cuidava de umas cem pessoas, aproximadamente." Embora o grupo incluísse um padre ou um casal mais velho cuidando dos jovens, Nívea ficava responsável por toda a logística, o que ela chama de "parte técnica do turismo". "Desde qualquer problema relacionado ao hotel até conferir se estavam todos no ônibus", explica a servidora. "Sem falar em ir buscar o povo nas lojinhas. Era uma loucura", acrescenta, rindo.
Em 2002, casou-se com Marcel, e da união nasceram Rafaela, Leonardo e Luísa, hoje com dez, oito e quatro anos respectivamente. Já no final de 2003, Nívea decidiu deixar a agência. "Eu senti que não dava mais", resume, taxativa. "Além das Jornadas, havia o ‘varejo' do dia a dia. Eram muitas viagens." Mesmo quando ela não viajava, sua rotina de trabalho a afastava do convívio familiar. "Eu saía para São Paulo às 6h30 e só voltava para casa às 19h30 ou até mais. Às vezes eu chegava em Jundiaí à meia-noite", lembra Nívea, que, mesmo trabalhando em São Paulo, continuou morando na cidade natal. Fora da agência, ela passou a se dedicar aos concursos públicos, o que a levou a se tornar servidora do INSS primeiramente, onde trabalhou de 2006 até ingressar na JT.
Dos tempos em que viveu a correria de uma profissional do turismo, ficou a lembrança dos muitos países que conheceu, lista que inclui Espanha, Portugal, Alemanha, Suíça, Itália, Israel, Turquia, Estados Unidos, França, Inglaterra, Escócia e Colômbia. A Ilha de Santorini, na Grécia, é um lugar ao qual Nívea "voltaria com certeza". Ela também não esquece de algumas situações pitorescas que viveu, como, por exemplo, o dia em que acompanhava um grupo de cinco senhoras idosas de Itaquaquecetuba numa viagem por Nova Iorque. Durante uma parada numa lanchonete, enquanto Nívea anotava o que cada uma das senhoras iria querer, para fazer o pedido, uma delas resolveu não esperar e mandou a pérola: "Moça, pra nós é five coca".
Bom humor, aliás, parece ser mesmo uma das marcas registradas de Nívea, que inclui entre seus tesouros a foto (ao lado) em que, em setembro de 2002, no Vaticano, o Papa João Paulo II abençoou seu casamento. Mas nem por isso deixa escapar de seu espírito alegre o pontífice falecido em 2005 e recentemente tornado santo. Com tantas viagens mundo afora, Nívea viveu seu maior aperto retornando de Gravataí, município da Região Metropolitana de Porto Alegre, aonde fora para uma visita ao irmão. Durante o voo da capital gaúcha a São Paulo, de menos de duas horas, foram 40 minutos ininterruptos de turbulência, e logo após a aterrissagem Nívea disparou: "Agora eu entendo porque o Papa beija o solo quando desce do avião. É porque ele se livrou de uma encrenca."
Do ABC para a terra do Senhor dos Anéis
Giovanna Zanet, colega de Nívea na secretaria da VT, nasceu em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, mas cresceu na vizinha Santo André. Formada em direito pela PUC-São Paulo (2008), completou, no último dia 26 de março, um ano como servidora da JT da 15ª.
De espírito aventureiro, Giovanna aproveitou o intercâmbio em Melbourne, na Austrália, onde fez o 3º colegial em 2002, para, logo em sua primeira viagem ao exterior, fazer "estripulias" dignas de um dublê de cinema. Num período de 20 dias de férias na Nova Zelândia, aproveitou para saltar de paraquedas, a cinco mil metros de altitude, e experimentar uma queda livre de 136 metros no bungee jumping.
De dezembro de 2005 a fevereiro de 2006, nas férias da faculdade, num "mochilão" pela Europa, passou por Espanha, Itália, França, Alemanha, República Tcheca, Inglaterra, Portugal e pelo Principado de Mônaco. "Nunca me senti tão pobre", brinca Giovanna, aludindo ao luxo e à riqueza que distinguem a cidade-estado do sul da França, conhecida mundialmente por sediar o mais badalado GP de Fórmula 1 e pelo conto de fadas, salvo melhor juízo, vivido por Grace Kelly, estrela de Hollywood nos anos 1950. Oscar de melhor atriz em 1955 por The Country Girl, drama que no Brasil recebeu o título de Amar é sofrer, ela abandonou a carreira para se casar com o príncipe Rainier III, que reinou no Principado por 55 anos, até falecer em 2005. Grace tornou-se, assim, a princesa Grace, e sua morte num acidente automobilístico em 1982, quando tinha apenas 52 anos, só reforçou o mito. Segundo menor Estado do planeta – supera apenas o Vaticano –, Mônaco ostenta hoje um dos maiores custos de vida do mundo, o que explica a sensação de "pobreza" experimentada por Giovanna.
Em 2010, já formada, ela teve sua primeira experiência na Justiça do Trabalho. De fevereiro a outubro daquele ano, como técnica judiciária, trabalhou na 2ª Região, lotada na 2ª VT de São Paulo. No entanto, logo pediu exoneração, para assumir o cargo de procuradora do Município de Mauá, na Grande São Paulo. Foi como sair da frigideira para o fogo. "Na 2ª Região, a sobrecarga de trabalho chegava a ser sufocante naquela época, e na Procuradoria eu tinha cerca de 15 mil processos em carga comigo para trabalhar, em geral versando sobre cobrança de tributos", lembra. Além disso, embora a distância de casa, em Santo André, até o trabalho na Prefeitura fosse de apenas oito quilômetros, percorrer o trajeto demandava cerca de 40 minutos. "Mas quando Mauá inundava levava muito mais. Cheguei a gastar três horas no percurso."
Não por acaso, a convocação para tomar posse como analista judiciária na 15ª foi recebida com festa. E por pouco não aconteceu. "Do concurso de 2009, eu fui a última pessoa a ser chamada para o cargo aqui em Jundiaí", afirma Giovanna, que hoje, morando na cidade, não precisa de mais do que cinco minutos para ir, a pé, de casa ao trabalho. A nova rotina a estimulou, inclusive, a tentar novos concursos. "Voltei a estudar", garante ela, que pretende concorrer a uma vaga de procuradora no Ministério Público Federal. "Gosto de trabalhar em causas relacionadas ao patrimônio público."
Amazona
Outra paixão de Giovanna pode ser encontrada em São Bernardo do Campo, mais precisamente na hípica da cidade. Trata-se de ninguém menos do que Maximus III, um belo cavalo branco de 12 anos (foto acima). "Ele já veio com o nome", defende-se a servidora, a propósito do tom pomposo com que seu "meninão" foi batizado. "Na verdade, é um tordilho. Não existe cavalo branco", corrige ela, que conhece o assunto. Max, como Giovanna carinhosamente se refere ao dito cujo, é seu há dois anos, e, antes dele, veio Lancelot, que ela adquiriu em 2000, quando tinha apenas quinze anos de idade e somente um de prática do hipismo. Foram quatro anos juntos, até Lancelot falecer, depois de passar três meses internado em Jundiaí.
O amor pelos equinos foi, inclusive, uma das razões que levaram Giovanna a optar pelo intercâmbio na Austrália. Uma das disciplinas do curso, Horse Studies, versava sobre esportes equestres e incluía noções a respeito da higiene e da alimentação dos cavalos, além de detalhes sobre como selar o animal, entre outros aspectos. "Todas as quartas-feiras nós tínhamos aulas das 8 da manhã às 3 da tarde na hípica, em Melbourne", detalha a servidora. "Cheguei a pensar em ser veterinária, mas no curso havia também a matéria Legal Studies, e eu descobri que, como carreira profissional, gostava mesmo era de direito", esclarece Giovanna, que, depois da morte de Lancelot, ficou seis anos sem montar. "Ele era muito carinhoso. O Max é mais brincalhão e adora bater a pata no chão para pedir cenoura ou quando quer que eu coce sua cabeça."
Aos interessados pelo hipismo, ela observa que não é preciso ter um cavalo para praticar o esporte. "Eu comecei numa escolinha, como ocorre em muitas outras atividades esportivas, e as escolas têm seus próprios animais. O aluno só precisa comprar alguns artigos necessários à montaria, como a calça, a bota e o capacete."
Quanto aos benefícios do esporte, Giovanna não tem dúvidas: "É ótimo para trabalhar o corpo e a mente. Ajuda muito na capacidade de concentração e no alívio do estresse do dia a dia. E ainda nos dá a oportunidade de entrar em contato com esses animais incríveis".
Talento musical
Servidor da 2ª VT de Jundiaí, Marcos Gomide retornou à unidade em janeiro deste ano, numa volta às origens. Foi lá que ele começou a carreira na Justiça do Trabalho da 15ª Região, em 25 de setembro de 2000. Em 2008, no entanto, transferiu-se para a VT de Itanhaém, no litoral sul do estado, onde ficou até retornar a Jundiaí.
Logo no primeiro dia de trabalho em seu retorno, Marcos teve uma surpresa que o fez se sentir valorizado pelos colegas da unidade. "No mural que temos aqui na cozinha da VT ainda havia uma foto minha, que deve ter sido feita em 2000 ou 2001, há quase quinze anos. E eu estou sozinho na foto. Aqui a gente encontra esse ambiente de respeito, harmônico. Sempre foi assim. Mesmo diante das dificuldades e pressões, isso se mantém ao longo do tempo." Marcos concilia com a JT uma série de outras atividades. Além de radialista, é modelo profissional e já participou de comerciais de TV, desfiles e catálogos de moda, entre outros trabalhos. Seu maior projeto, no entanto, a música, Marcos começou a desenvolver ainda na infância. Autodidata – "não me adaptei à teoria musical" –, ele é hoje um multi-instrumentista que toca piano, flauta transversal, bateria, gaita, percussão e trompete.
Aos 11 anos, já regia o coral da Igreja Santo Antônio, no Anhangabaú, bairro de Jundiaí. "Aconteceu naturalmente. Eram cerca de 30 pessoas, homens e mulheres da 3ª idade. Eu tocava na missa, e eles me convidaram para reger o coro."
Um ano depois veio a primeira banda, de música sertaneja. Seguiram-se várias outras, como, por exemplo, a "Colisão", de pop rock. "Durou apenas um ano, mas foi um ano intenso", recorda Marcos. Atualmente ele é um dos integrantes da "Hommer", que, além de sucessos dos anos 1980 e 1990, extraídos do repertório de Lulu Santos, "Legião Urbana", "Barão Vermelho", "Capital Inicial", "Charlie Brown Jr", "O Rappa" e "Cidade Negra", entre outros, toca também composições próprias. Estas, em breve, projeta Marcos, serão gravadas num CD que o grupo pretende lançar. "A correria não é fácil, mas as coisas que faço me trazem um bem muito grande", sublinha o músico.
Odisseia na metrópole
Camocim, no litoral cearense, a cerca de 350 quilômetros de Fortaleza, é a terra natal de Antônio Carlos Bessa, também servidor da 2ª VT de Jundiaí e que viveu o sonho nordestino de "vencer na vida" em São Paulo. "Desiludido com o primeiro relacionamento amoroso", como faz questão de frisar, Antônio resolveu seguir o conselho de um amigo que já se encontrava na capital paulista, e, em 1975, aos 22 anos, tornou-se o pioneiro da família a se aventurar na maior metrópole brasileira.
"Cheguei em maio, numa segunda-feira, em plena garoa", lembra ele, que preserva em sua memória invejável grande parte dos detalhes dessa trajetória. "Fazia frio, muito frio, e as roupas que eu usava eram adequadas ao clima de Camocim, onde a temperatura gira em torno dos 28, 30 ºC, ‘temperados' pela brisa do mar." A chuvinha fina e insistente, que se tornou um dos símbolos da cidade, foi a única, aliás, a recebê-lo em São Paulo, porque o tal amigo, que se comprometera a esperá-lo no Terminal Rodoviário do Tietê, lá não estava. Por sorte, Antônio tinha o endereço da pensão sugerida pelo conterrâneo, na rua Cisplatina, bairro do Ipiranga. Ficou com o único quarto que ainda restava disponível, o qual pagou, diga-se, com a também derradeira quantia, do tanto que trouxera. Assim, depois de três dias no ônibus, tudo o que lhe restou foi a fome, recorda Antônio.
E nem lá na pensão encontrou o amigo, que a essa altura já havia mudado. Mas a sorte teimava em não abandoná-lo. Deparou-se com Elias, um baiano que morava no quarto ao lado e que se preparava para o curso de torneiro mecânico no Senai. Se, de um lado, Antônio tinha apenas 15 diárias pagas e nenhum dinheiro ou documento, o que minguava suas chances de conseguir emprego, de outro ele já viera do Ceará com o ensino fundamental concluído, fato não muito comum na época, além do curso de datilografia. "Fiz um 1º grau bem feito, no Colégio Estadual Padre Anchieta, em Camocim, com destaque em matemática e português e com direito a pular do 4º ano direto para o 6º, graças ao meu desempenho num exame de seleção que havia naquela época. Acabei me formando no antigo ginásio depois de apenas sete anos de estudo", detalha Antônio, que começou a dar umas aulas para o vizinho Elias. "Com o que ele me pagava eu já não morria de fome, pelo menos."
Com os 15 dias de estadia paga se esgotando, ele viu chegar à pensão um senhor de nome Francinete. "O que você está fazendo aqui, rapaz?", perguntou lhe o recém-chegado. Acontece que os dois já se conheciam lá de Camocim, onde Francinete revendia ouro comprado na Galeria Pagé, famoso centro de compras localizado na região da rua 25 de Março, no Centro de São Paulo, tida como o maior polo de comércio popular do País. Ao saber das agruras do jovem conterrâneo, o comerciante não titubeou. "Vou lhe emprestar um dinheiro e pego lá em Camocim com o seu pai."
Para Antônio, foi a "salvação da pátria". O empréstimo, além de lhe garantir um teto por mais uns dias, deu-lhe documentos novos e, finalmente, o primeiro emprego, de ajudante-geral numa empresa de transporte coletivo. A jornada, no entanto, das 6 da tarde às 6 da manhã do dia seguinte, era cruel. Até a meia-noite, o serviço se traduzia basicamente em reabastecer os ônibus. Daí em diante, Antônio tinha de lavar os veículos. "Eu trabalhava com água de madrugada, e o frio era terrível. Para piorar, eu não conseguia dormir durante o dia. Só aguentei umas duas semanas."
Não demorou, no entanto, para ele preencher uma vaga numa fábrica de móveis para escritório. Movido pela necessidade e pela solidão em São Paulo, chegou a acumular dois empregos, o primeira das 8 às 17, e o seguinte das 19 às 22 horas. Trabalhou em vários lugares, inclusive numa financeira, que lhe custeou os dois primeiros anos do curso técnico de contabilidade. O terceiro ele mesmo pagou, já como funcionário do extinto Banco Nacional da Habitação, o famoso BNH, no qual ingressou em 1980, após ser aprovado em concurso público.
Uma promoção o tirou finalmente de São Paulo e o levou para Campo Grande (MS), onde ficou até 1989, ano em que se transferiu para Ribeirão Preto, para trabalhar numa agência da Caixa Econômica Federal (extinto em 1986, o BNH foi sucedido pela CEF). Nova transferência o levou de volta ao Ceará – primeiro a Fortaleza, em 1990, e, cinco anos mais tarde, a Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, no sul cearense, onde assumiu a supervisão de logística da CEF na cidade.
Em 1999, cedeu à tentação de aderir a um Programa de Demissão Voluntária (PDV) e deixou a Caixa, para se tornar mais um empreendedor no País. Não deu certo. Com o sonho do negócio próprio naufragado, sem emprego e sem dinheiro, e a essa altura com família, fez o caminho de volta a São Paulo, dessa vez para Jundiaí, terra da esposa Rosalina. Voltou também aos concursos públicos, e não fez por menos: Justiça Estadual, Nossa Caixa, Ministério Público Estadual e Correios – foi aprovado em todos, mas, 5º colocado na disputa pelas vagas na Justiça do Trabalho, acabou sendo convocado por esta, primeiramente, e por ela optou.
Em 7 de janeiro passado, completou dez anos de carreira na JT, seis deles atendendo o público, no balcão da 2ª VT de Jundiaí – "com direito a menção elogiosa da parte do presidente da OAB local, devidamente registrada em ata de correição", observa ele – e outros dois como secretário de audiência.
Hoje, formado em gestão pública e pai de Antônio Carlos Junior, Patrícia, Paula e André, o servidor não esconde o xodó pelos quatro netos, Mariana, João Victor, Athos e Geovanna, cuja idade varia dos 12 aos 15 anos. "Estou envolvido com esse projeto agora", brinca o vovô coruja.
Como bom nordestino, conterrâneo de Patativa do Assaré e de tantos outros grandes poetas cearenses, Antônio Carlos fala também de sua paixão pela arte de se expressar em versos. Os acrósticos, gênero de poesia que consiste em formar uma palavra vertical com a sequência de letras iniciais ou finais dos versos, são a sua especialidade. Antônio os deixa de lado um pouco, porém, e, numa última demonstração de sua privilegiada memória, recita, dentre os poemas de sua autoria, uma ode à sua terrinha, hoje com cerca de 62 mil habitantes, segundo o IBGE:
"Quando me encontro sozinho
De ti começo a lembrar
Sinto no peito a saudade
Dá vontade de voltar
Minha querida cidade
Situada à beira-mar
Minha querida cidade
Com seus altos coqueiros a balançar
É assim que penso nela
É assim que penso por lá
Minha Camocim querida
Cidade do Ceará"
Trio entrosado
Na 3ª VT de Jundiaí atua um animadíssimo trio de servidoras que, mais do que colegas de trabalho, tornaram-se grandes amigas. Mônica Fagundes Bigotti Crivelaro e Kelli Regina Martins Becatti, nascidas em Jundiaí, e a paulistana Kátia Vicioli da Silva nem se conhecem há tanto tempo assim. Mônica, a mais "veterana" das três, começou a carreira na Justiça do Trabalho em 18 de dezembro de 2008, há pouco mais de cinco anos, portanto. Já Kelli e Kátia ingressaram na JT em 14 de fevereiro de 2011 e 11 de outubro de 2012, respectivamente. Mas, de imediato, garantem elas, a simpatia mútua foi incontestável. "A Kátia, por exemplo, eu recebi como se já a conhecesse há muito tempo", enfatiza Mônica.
O relacionamento extrapola, inclusive, os limites da VT. Um dia, enquanto as três almoçavam juntas na pequena mas acolhedora copa instalada junto à secretaria da unidade, Kelli comentou que tinha vontade de fazer um workshop sobre risotos. A adesão das duas colegas foi imediata, e as três puderam, no último mês de março, avançar em conjunto nos conhecimentos de forno e fogão, mais especificamente na diversificada esfera do prato de origem italiana (na foto, Kelli, Mônica e Kátia, com pratos feitos no curso). O risoto, embora tenha no popular arroz o ingrediente principal, não é tão simples quanto muitos pensam, defende Kátia. "É preciso dominar certos macetes", advoga ela, "como, por exemplo, o ponto certo da cremosidade que se obtém com a manteiga e o queijo". Outra tese da qual as três colegas comungam é a de que a iguaria, em lugar de primeiro prato ou mero acompanhamento, pode, sim, funcionar como prato principal, mesmo em ocasiões mais requintadas. A amizade, garantem elas, traz reflexos diretos ao dia a dia na VT. "Existe uma harmonia muito grande, o trabalho fica muito mais leve do que normalmente ficaria", afirmam, em uníssono, com a expansividade típica dos descendentes de italianos.
Antecedentes
Das três, Kátia é a única formada em direito. Advogou durante 14 anos e foi bancária por outros seis, antes de se tornar servidora pública na JT. Kelli fez administração de empresas e, além de trabalhar cinco anos na iniciativa privada, é desde 2001 servidora da Prefeitura de Jundiaí, pela qual está cedida ao TRT-15. Ama fotografia, afirma, mas é "viciada" mesmo em algo que foge à capacidade de compreensão masculina tanto quanto faz parte do imaginário das mulheres: esmaltes. Guarda vigilantemente em casa um acervo de mais de mil vidros do produto – "Gustavo, meu marido, já se conformou" – e, para dividir seu know-how com outras apaixonadas pelo hábito de pintar as unhas, criou o blog coresecuidados.blogspot.com.br, que já conta com mais de 500 seguidoras.
Mônica (na foto, com os tios Renzo e Oreste, em Lucca, cidade italiana da região da Toscana, fundada no século 5 a.C. – ao fundo, a Ponte della Madalena, tida como um feito da engenharia medieval), por sua vez, formou-se em letras (gramática da língua portuguesa e literaturas portuguesa e brasileira) e lecionou para alunos de 1º e de 2º grau. Deixou a carreira em 2006, quando ingressou na Justiça Estadual, sua primeira experiência no serviço público. Como sucede a todo bom professor, traz consigo a nostalgia por ter abandonado o sacerdócio de ensinar, mas não se arrepende da opção pela JT. "Era dar murro em ponta de faca", sublinha. "Como professora, o que me restaria hoje seria um salário de uns dois mil reais e muita falta de reconhecimento por parte da sociedade." Na Justiça do Trabalho da 15ª Região, por outro lado, assegura Mônica, a sensação é outra: "Aqui eu me sinto muito satisfeita. Eu vejo o resultado do meu trabalho, e isso para mim é fantástico".
Arte e reciclagem
Outra jundiaiense que não larga a terrinha é Maria Adelaide Spinacé Ramos. No próximo dia 22 de junho, ela completa 21 anos de carreira na Justiça do Trabalho. Cedida à 15ª pela 2ª Região, começou na 2ª VT de Jundiaí e, em abril de 1994, já estava na 4ª VT da cidade, na qual permanece até hoje. Antes da JT, porém, foi servidora da Justiça Estadual de São Paulo por seis anos, na 4ª Vara Cível de Jundiaí, além de ter trabalhado outros seis na iniciativa privada. "Comecei aos 14 anos", sublinha Maria Adelaide.
Ela calcula que trabalha "três vezes mais" na JT, mas garante que vale a pena. "É muito melhor. Até nos advogados a gente percebe a diferença. São os mesmos que militam na Justiça Estadual, mas aqui o estado de espírito é outro. Lá eu era secretária de audiência e tive de lidar com casos que me afetavam muito, como, por exemplo, o de uma criança que a própria mãe espancava com chicote."
Há cerca de dois anos, fez um quadro para a própria sala de casa, gostou e não parou mais. Valendo-se de materiais recicláveis e muita imaginação, começou a expressar sua arte não só nas telas, mas também em caixas, vasos, garrafas e até porta-clipes e porta-canetas. Rapidamente, a secretaria da VT foi tomada pelas cores e formas que caracterizam o trabalho da artista. "Gosto muito do princípio da reciclagem, do reaproveitamento dos materiais."
Quem está aproveitando a disposição da servidora para criar é a neta Rafaela, de apenas nove meses, cujo quarto foi decorado pela avó. A somente dois anos da aposentadoria, Adelaide já está administrando a ansiedade por mais tempo livre para curtir sua nova grande paixão. Sem esquecer, ela faz questão de frisar, dos filhos Paula, arquiteta formada pela USP, e Lucas, estudante de comércio exterior no Centro Universitário Padre Anchieta, em Jundiaí, além do maridão Gláucio, publicitário.
Meninas superpoderosas
A 4ª VT de Jundiaí é um bastião do women power. São apenas três rapazes atualmente, "contra" 15 mulheres, incluindo-se aí as duas estagiárias. Durante anos, acrescente-se, elas reinaram sozinhas na unidade, sem nenhum marmanjo a representar o dito "sexo forte". Para completar, a VT também é comandada por uma mulher, Andréa Guelfi Cunha, a juíza titular, e o diretor de secretaria, adivinhem, não é diretor, mas sim diretora, a dinâmica Berenice Chepuck Torelli.
E essa turma, quer quando exclusiva, quer quando majoritariamente feminina, tem dado conta do recado, a ponto de os elogios por escrito feitos por advogados ou partes terem demandado a criação de uma "pastinha", na qual está preservada essa parte da história da VT. Casos como, por exemplo, o de um rapaz que recebeu o valor que lhe era devido em 21 de novembro de 2011, e, na noite do mesmo dia, viu nascer seu casal de gêmeos. Segundo a petição protocolizada pelo advogado do trabalhador cerca de duas semanas depois do nascimento dos bebês, a rapidez com que a VT concluiu todos os procedimentos necessários à liberação do crédito foi decisiva para que o dinheiro chegasse às mãos do casal a tempo de pagar o parto – a adesão a um plano de saúde havia ocorrido pouco tempo antes, sem margem suficiente para o transcurso do período de carência. De quebra, ainda foi possível comprar o que faltava para completar o enxoval das crianças.
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