No “rio das borboletas”, Grupo Móvel da Presidência do TRT encontra histórias de superação

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 Por Luiz Manoel Guimarães

Não há rio no lugar, mas, curiosamente, Tanabi significa, em tupi-guarani, "rio das borboletas". Bálsamo, Cosmorama, Macaúbal, Mirassolândia, Monte Aprazível e Poloni completam a jurisdição da vara do trabalho (VT) do município, que fica na região de São José do Rio Preto. São mais de 80 mil jurisdicionados.

Instalada na Avenida Gildo Savatin, 550, a unidade recebeu o Grupo Móvel da Presidência de Atenção às Unidades de Primeira Instância (GMP), no mês de fevereiro. Criado pelo presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, como um canal direto de comunicação entre as unidades visitadas e a Presidência da Corte, o GMP é coordenado pelo juiz Flávio Landi e já visitou, em cerca de um ano de trabalho, mais de cem unidades da 15ª, entre VTs, coordenadorias de distribuição de feitos, postos avançados, centrais de mandados e ambulatórios médicos.

O objetivo principal é identificar demandas e criar oportunidades de aprimoramento, mas o Grupo pretende também, por meio das matérias publicadas no site do Tribunal, dar aos servidores do TRT a oportunidade de se conhecerem. A proposta é mostrar quem são e como vivem esses profissionais, que são mais de quatro mil, somando os do próprio quadro do TRT com os cedidos por outros órgãos públicos, e estão espalhados por mais de cem cidades do Estado de São Paulo.

Da roça à pós-graduação

Marlene da Cunha Campos Moura, servidora da VT de Tanabi há seis anos, ingressou na Justiça do Trabalho da 15ª Região em 2006, logo no primeiro concurso que prestou para a 15ª. Sua carreira começou na VT de Bebedouro, a cerca de 170 quilômetros de sua atual unidade.

Nascida em Américo de Campos, cidade do norte paulista, de apenas seis mil habitantes aproximadamente (em números de hoje, segundo o IBGE), Marlene cresceu na zona rural do município, num sítio em que seus pais mantinham uma relação de meação com o proprietário – cada parte ficava com metade do que era produzido na propriedade. Como é comum nesses casos, toda família trabalhava na lavoura, incluindo a caçula Marlene.

Assim é que ela e seus cinco irmãos, já a partir dos 9 ou 10 anos, cresceram em meio ao cultivo e à colheita de café, algodão, laranja, arroz e milho, entre outros produtos. Começavam logo cedo, por volta das 8 horas, descreve Marlene. Depois da pausa para o almoço, voltavam à lida, para só parar novamente já bem à tardezinha, lá pelas 18. A economia da família incluía ainda a criação de porcos e galinhas, tudo devidamente "protegido" pelas "feras" Guri e Cravinho, dois cachorros que, de tão pequenos, só serviam mesmo de bichos de estimação, lembra a servidora.

Até quem ainda estudava tinha de trabalhar. "A gente almoçava na própria escola e ia para a roça", recorda Marlene. A educação, aliás, ia no máximo até o 4º ano, numa típica escola rural, em que alunos de todas as séries se mesclavam na mesma turma. Embora ainda jovem – completa 37 anos no próximo dia 28 de março –, Marlene viveu uma realidade que, aos olhos da gente de cidade grande, parece muito distante no tempo.

Sua vida começaria a mudar na adolescência, quando ela mudaria com a família para uma casa na cidade. Doente, seu Eleutério, pai de Marlene, já não conseguia mais dar conta da dura rotina da roça. Em que pese o infortúnio, a menina não desperdiçou a oportunidade: aos 16 anos, tornou-se aluna da 5ª série na Escola Estadual José Abrão Melhem.

Parar de trabalhar, no entanto, não era opção. No primeiro ano na cidade, conciliou as aulas com os ofícios de empregada doméstica e faxineira diarista. Nos cinco anos seguintes, foi comerciária, trabalhando em lojas de roupas e tecidos. O único ano em que Marlene parou de trabalhar foi 1997, quando, no mês de julho, já com o ensino fundamental concluído, ela se casou com Carlos César, um aplicado "concurseiro".

O ano seguinte marcaria o ingresso de Carlos no Judiciário Estadual de São Paulo, no cargo de oficial de justiça, e de Marlene no ensino médio. Incentivada pelo marido, ela também passaria a lutar por uma vaga no serviço público, dando início ao projeto que a levaria à JT. O bom desempenho (foi a 26ª colocada no polo de Catanduva) não a eximiu, no entanto, de fortes emoções durante o período em que aguardou a convocação. Marlene lembra que, entre os aprovados naquele concurso, foi a última pessoa do polo a ser chamada para o cargo de técnico judiciário.

Já servidora da VT de Bebedouro, ela começou o curso de direito, na própria cidade. Formou-se em 2011, na Faculdade e Colégio Dom Bosco de Monte Aprazível, a cerca de 30 quilômetros de Tanabi, e já no ano seguinte fez a pós-graduação em direito do trabalho e processo do trabalho.

Família que progride unida...

Marlene não lamenta sua origem, ao contrário. Mesmo os tempos difíceis na lavoura são lembrados com condescendência. "Fazíamos pausas para descanso. Meu pai era um homem rígido, sim, mas muito amoroso. Quando um filho ficava doente, ele não saía de perto", recorda, deixando escapar a saudade de seu Eleutério, falecido há 15 anos. "Ele era muito ciumento com as filhas, inclusive." A mãe, dona Sebastiana, 71 anos bem vividos, mora ainda em Américo de Campos. Na cidade, também trabalhou como doméstica, de início, e depois se tornou uma bem sucedida vendedora de roupas, que ela exibe à clientela em sua casa (própria, por sinal).

Os outros filhos do casal também vão bem, obrigado, lá mesmo em Américo. O primogênito, Valdomiro, fez o caminho de volta para o campo e hoje é negociante de gado e proprietário rural. Maria Aparecida abriu sua própria loja de roupas e emprega a irmã Marli. Já Valdir e Marisa são colegas de trabalho numa loja de móveis. "Somos os quatro ‘emes' e dois ‘vês' de meus pais", brinca Marlene.

Causas

O diretor da secretaria da VT de Tanabi, João Donizete Gonçalves, tem uma história de vida e muitas outras histórias para contar na Justiça do Trabalho. Ingressou na JT em 14 de maio de 1979, com apenas 20 anos, na então Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ), hoje VT, de Votuporanga, a 70 quilômetros de sua cidade natal, Bálsamo, que mesmo atualmente não chega a 9 mil habitantes, segundo o IBGE. "Vi o anúncio do concurso num cartaz de ‘oportunidades de emprego'", lembra ele.

Foram poucos meses em Votuporanga. João já fazia parte da equipe da então única JCJ de São José do Rio Preto em setembro daquele ano. Em 1986, já como diretor de secretaria, ele estava na 2ª JCJ da cidade, e sete anos mais tarde passou para a 3ª, para trabalhar com o, à época, juiz Fernando da Silva Borges, atualmente desembargador e vice-presidente administrativo do TRT-15. Julho de 1994 marcaria finalmente o desembarque de João em Tanabi, junto com o magistrado, na então recém criada unidade. A mudança o deixou bem próximo dos pais, Pedro, 80 anos atualmente, e Aparecida, 79, e dos quatro irmãos, todos ainda moradores de Bálsamo. "Em 10 minutos estou na casa dos meus pais", garante.

João descobriu nos próprios processos em tramitação na VT de Tanabi a oportunidade de ajudar entidades assistenciais do município. Sócio do Rotary local, promotor de ações em benefício do Lar São Vicente de Paulo (que acolhe idosos), da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e do Lar das Crianças de Tanabi, o servidor, conversando com o presidente desta última entidade, descobriu no ano passado que a instituição precisava de carteiras e cadeiras escolares, além de material pedagógico. João lembrou então que, dois anos antes, numa ação civil pública (ACP), a sentença determinara que a multa aplicada ao réu, como pena pelo descumprimento de leis trabalhistas, fosse revertida para o Lar São Vicente de Paulo. Algo semelhante poderia ser feito, então, pensou o diretor, em benefício do Lar das Crianças, noutra ACP em andamento na VT de Tanabi.

E assim foi feito. Seguindo as instruções do servidor, a instituição apresentou a documentação comprovando tratar-se de entidade reconhecida como de utilidade pública nos níveis municipal, estadual e federal. Juntou também um orçamento descrevendo os bens que seriam adquiridos e o respectivo custo, além do pedido de destinação da verba para tal fim. Deu certo: a multa aplicada à empresa, de aproximadamente R$ 40 mil, foi endereçada em novembro passado ao Lar das Crianças, que, complementando o rol de providências necessárias, comprovou posteriormente nos autos do processo a aquisição dos bens, tudo de acordo com os termos do orçamento.

"Causos"

A aposentadoria já se avizinha, revela o diretor, que tem pela frente mais dois anos de trabalho. A menos de dois meses de completar três décadas e meia na Justiça do Trabalho, João "coleciona" algumas histórias pitorescas, "causos" que presenciou ou dos quais ouviu falar, como o protagonizado por um juiz classista da VT de Votuporanga, durante uma audiência. Ante a alegação de incompetência do juízo para instruir e julgar uma determinada ação, feita por um dos advogados que atuavam no processo, o classista se levantou de supetão da cadeira e, com as mãos espalmadas sobre a mesa, "sentenciou" ao profissional da advocacia: "Eu quero ver o senhor repetir que a gente é incompetente".

Noutra ocasião, na mesma unidade, a audiência corria sob a presidência do então juiz Guilherme Piveti Neto, falecido em 1998 e que foi desembargador do TRT nos anos 1990. Feito o acordo no processo, o reclamado não resistiu à tentação de desdenhar do autor da ação, seu ex-empregado:

– Vou dar isso de esmola para ele, disparou o empregador, exalando arrogância.

Sem se abalar, Piveti Neto, que tinha a reputação de jamais se dirigir a quem quer que fosse com descortesia, emendou:

– Bem, agora nós vamos dar prosseguimento à ação, com a instrução e o julgamento do feito...

Sem entender, o reclamado lembrou ao juiz que acabara de pagar o valor "X" (João não se lembra quanto) ao trabalhador, à guisa de acordo, ao que o magistrado retrucou:

– Mas isso aí o senhor deu de esmola...

Dado o tapa com luva de pelica, o empregador se desculpou e a conciliação pôde, enfim, ser sacramentada.

João lembra ainda de um terceiro caso, desta feita ocorrido em São José do Rio Preto e com a participação do então juiz Fernando da Silva Borges. Era a última audiência do dia e todos estavam esgotados, mas, mesmo depois de muita negociação sob a batuta do magistrado, as partes teimavam em não fechar o acordo, por conta de uma diferença muito pequena. "Era algo como se, em valores de hoje, o reclamado quisesse pagar 950 reais, e o reclamante não abrisse mão de receber pelo menos mil", detalha o diretor.

Foi quando o juiz lançou mão da derradeira estratégia:

– Senhores, eu faço um cheque no valor da diferença, propôs ele, já com o talão sobre a mesa e a caneta à mão.

Foi o bastante para as partes se darem conta do despropósito de seu embate. Constrangidos, reclamante e reclamado assumiram então postura diametralmente oposta à anterior, para dissuadir o magistrado de seu intento:

– Não, excelência, eu aceito os 950, disse o trabalhador.

– Não, excelência, eu dou os mil, contrapôs o empregador.

E pagou os mil.

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Comunicação Social