Polêmica persistente: Congresso do TRT debate os limites constitucionais à negociação coletiva

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 Por Luiz Manoel Guimarães

O 3º painel do 14º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho tratou, na tarde desta quinta-feira, 5, de uma questão imersa numa polêmica que parece não se esgotar. Os limites constitucionais à negociação coletiva, estabelecidos em vários dispositivos da Carta de 1988, conforme lecionou no painel o juiz Alessandro Tristão, que presidiu a mesa de debates, compõem um tema permeado de "muitas dúvidas e controvérsias", enfatizou o magistrado.

Tristão destacou a intimidade dos palestrantes escalados para o painel com o assunto. "O Congresso trouxe pessoas inseridas na linha de frente dessa discussão", sublinhou o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região. De um lado, Marcelo José Ladeira Mauad, mestre e doutor em direito pela PUC-SP, diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e coordenador do Departamento Jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Do outro, Renato Franco Corrêa da Costa, consultor especializado em negociações sindicais. Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em direito do trabalho e em direito previdenciário pela Universidade Gama Filho, Costa substituiu, no Congresso, o diretor de Relações do Trabalho da Federação Nacional dos Bancos (Febraban), Magnus Ribas Apostólico, que, doente, não pôde participar do evento.

Sucesso das negociações depende da força dos participantes

Para Mauad, a solução do conflito pela via do consenso será tanto mais provável quanto for o "poder de fogo" do sindicato profissional envolvido no embate. "O resultado da negociação coletiva é uma questão de poder", sintetizou o professor, "daí sua relação direta com o direito de greve". Esta, no entanto, não é imprescindível, ponderou ele. "Quanto melhor for o instrumento de solução dos conflitos coletivos, menor será a possibilidade de paralisação."

"A liberdade sindical e a negociação coletiva são parte dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, segundo a Declaração adotada pela Organização Internacional do Trabalho, a OIT, em 1998. São elementos centrais e constitutivos da agenda de trabalho decente", argumentou o palestrante, citando a diretora do escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo. Prevalece aqui, no entanto, entende Mauad, "o modelo legislado de regulação trabalhista, com ênfase no direito individual do trabalho". Para o advogado, há no País "um nítido desprestígio à negociação coletiva, inclusive por parte dos tribunais, com uma clara opção pela solução dos conflitos individuais".

O professor criticou duramente a não ratificação, pelo Brasil, da Convenção 87 da OIT, sobre liberdade sindical, e apontou o caráter contraditório do artigo 8º da Constituição Federal. "É livre a associação profissional ou sindical", assim começa o artigo, lecionou o palestrante. "Se tivesse parado aí, teria resolvido o problema", exclama Mauad. "Mas a maioria dos incisos manteve o intervencionismo da Era Vargas, preservando intacto o modelo sindical anterior, em que os sindicatos, em troca das benesses do Estado, permanecem atrelados a ele."

Segundo o palestrante, existem hoje no Brasil mais de 24 mil sindicatos. "Na maioria, são entidades frágeis, que dependem da contribuição sindical compulsória para sobreviver. Têm poucos representados, e os dirigentes não primam pela autenticidade. E ainda temos cerca de 4 mil na fila de espera, aguardando que sua fundação seja oficializada. Essa fragmentação está nos conduzindo a sindicatos cada vez menores e menos representativos." Tal panorama, entende o professor, "leva ao desrespeito às negociações coletivas travadas por esse grupo frágil de sindicatos".

Insegurança jurídica

A própria jurisprudência trabalhista brasileira, em especial a do Tribunal Superior do Trabalho (TST), "nega quase que totalmente o poder dos sindicatos para fazer a negociação coletiva", opina Mauad, para quem as negociações que incluem "a parcela forte" das entidades sindicais do País mereceria o reconhecimento pelo Judiciário.

Consequência direta desse quadro, advoga o palestrante, é uma insegurança jurídica das partes no momento de negociar. "A negociação coletiva acaba levando em conta o possível entendimento dos tribunais, que ora ratificam as condições ajustadas, ora as anulam. Se uma categoria propõe a redução do intervalo intrajornada, por exemplo, a empresa, mesmo que não seja contrária, entra com a Súmula 437 do TST, que veda essa redução." O erro da mais alta corte trabalhista do País, entende Mauad, é ser contrário à diminuição do intervalo mesmo quando a medida é do interesse dos trabalhadores. "Os principais limites à negociação coletiva no Brasil não estão na Constituição Federal, mas sim numa visão ainda, por vezes, muito conservadora dos tribunais trabalhistas, sobretudo do TST", argumentou ele. "A questão é que nós temos um sistema extremamente rígido, que dificulta bastante a solução negociada dos conflitos. O resultado é uma insegurança jurídica considerável e um enfraquecimento do processo de negociação coletiva", insistiu. "Quando as partes sentam para negociar, elas não podem se sentir numa camisa de força. Elas querem espaço, querem sentir que há respaldo no sentido de que o que for negociado será ratificado pela Justiça do Trabalho".

Preocupação

Membro de uma consultoria especializada em negociações sindicais, que presta assessoria a empresas no planejamento do quadro de pessoal, Renato Franco Corrêa da Costa fez coro, em vários aspectos, à fala do palestrante que o precedeu no painel. "Existe uma grande preocupação das empresas quanto à visão que a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm das negociações coletivas", observou. "A postura protetiva não traz bons frutos para ninguém. Nem para os trabalhadores, nem para os empregadores, e nem mesmo para o próprio Judiciário, que acaba sobrecarregado. O engessamento das negociações traz para a Justiça do Trabalho um volume cada vez maior de ações."

Costa noticiou que também tem enfrentado problemas quando o assunto é a redução do intervalo intrajornada, pleito comum, segundo ele, entre empregados de empresas de transporte coletivo, por exemplo. "Na maioria das vezes, esses trabalhadores fazem suas refeições no ponto final das linhas, que, em geral, ficam fora do centro da cidade, não raramente na periferia, até. Eles não querem ficar uma hora parados lá." O palestrante afirmou que já participou de dezenas de negociações em que a redução do intervalo estava incluída na pauta por iniciativa dos próprios trabalhadores, "mas a Justiça do Trabalho tem alterado substancialmente o que nós negociamos". Na visão de Costa, "é preciso rever a interpretação que tem sido dada à Constituição Federal e às leis ordinárias".

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