Reclamante que reteve ferramentas de trabalho por não ter recebido verbas rescisórias será indenizada
Por Ademar Lopes Junior
A 2ª Câmara do TRT-15 arbitrou em R$ 10 mil a indenização por danos morais a ser paga pela reclamada, uma editora, a uma ex-funcionária que reteve suas ferramentas de trabalho por não ter recebido as verbas rescisórias. O acórdão, que teve como relatora a desembargadora Mariane Khayat, reformou a sentença de primeiro grau, do Juízo da 6ª da Vara do Trabalho de Campinas, que havia julgado parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial.
A reclamante pediu, em seu recurso, indenização por danos morais por dois fundamentos. O primeiro deles relativo a um boletim de ocorrência lavrado pela reclamada, em que a funcionária foi acusada de apropriação indébita de um notebook e um celular entregues pela empresa como ferramenta de trabalho e, que por essa razão, deveriam ser devolvidos por ocasião do fim do contrato laboral. O segundo diz respeito à atitude do preposto da reclamada, que teria agido com sarcasmo ao ser questionado sobre o reembolso de despesas com combustível e alimentação.
Já a reclamada sustentou que "a reclamante se apoderou de dois equipamentos de propriedade da reclamada, e esta, diante da prática do crime cometido, apenas pretendeu, como pretende, resguardar o seu direito de propriedade". Alegou ter firmado contrato de comodato com reclamante, por meio do qual a trabalhadora se comprometia a restituir à reclamada os equipamentos objeto do contrato por ocasião da extinção do contrato.
A empresa defendeu a tese, também, de que os fatos, confirmados pela própria reclamante, ocorreram após o término do contrato, o que, por si só, "afastaria a procedência do pedido indenizatório", por não haver falar em "imputação de falso crime".
No dia 9 de outubro de 2009, a reclamante pediu demissão, solicitando, inclusive, a dispensa do cumprimento do aviso prévio uma vez que a empresa não havia efetuado o pagamento do combustível daquele mês, o que impossibilitaria a trabalhadora de cumprir o aviso prévio. Em 27 de novembro de 2009, a reclamada enviou telegrama à reclamante, cobrando a devolução das ferramentas de trabalho, sob pena de pagamento de multa diária de 100 reais para cada dia de atraso.
Em 28 de novembro de 2009, a reclamante respondeu ao telegrama, dizendo que devolveria os aparelhos em juízo, como havia informado, uma vez que já havia ingressado com ação trabalhista pelo não recebimento dos valores devidos no ato da rescisão contratual. Não satisfeita com a resposta da reclamante, a reclamada dirigiu-se ao 1º Distrito Policial de Americana para lavrar Boletim de Ocorrência de apropriação indébita, mesmo sabendo que a reclamante não tinha a intenção de tomar para si bem alheio mas, sim, de assegurar com essa medida o pagamento de suas verbas rescisórias alimentares.
O acórdão ponderou os fatos, ressaltando que, de um lado, a reclamada afirma "de forma categórica e peremptória que levou os fatos à Delegacia de Polícia porque estaria garantindo seu direito de propriedade". De outro, sob a perspectiva da trabalhadora, "houve uma retenção dolosa das verbas rescisórias pela reclamada, verbas estas de natureza alimentar e emergencial". A questão, segundo o colegiado, era "como conciliar esses dois direitos aparentemente em conflito de forma que um não esterilize o outro?".
A relatora, desembargadora Mariane Khayat, afirmou que a retenção dos instrumentos de trabalho, mecanismo adotado pela reclamante, "é legítimo e está respaldado no direito de resistência do empregado e no princípio da boa-fé objetiva, que deve nortear os atos jurídicos em geral". O acórdão ressaltou o fato "interessante" de que a reclamada "se indigna com a retenção dos seus bens particulares (direito à propriedade), mas entende ser absolutamente aceitável reter as verbas rescisórias da reclamante (direito de natureza alimentar e urgente), numa evidente e perniciosa inversão de valores".
Após discorrer sobre algumas das previsões jurídicas de retenção de bens (art. 1.219 do Direito Civil; arts. 1.467 e 1.469 do Código Civil), concluiu que "a violação do direito ao pagamento das verbas rescisórias à reclamante criou para ela o direito de reter suas ferramentas de trabalho, até que lhe fossem pagas suas verbas rescisórias ou até a primeira audiência, o que, de fato, ocorreu". A devolução dos bens à reclamada (em bom estado de conservação), logo em primeira audiência, "sela qualquer dúvida sobre a boa-fé da reclamante no exercício do direito de retenção", afirmou.
Já a conduta da reclamada de noticiar crime inexistente (apropriação indébita), já que não houve dolo da trabalhadora, "traduz-se em abuso de direito, com nítido propósito de macular a honra e dignidade da reclamante, afigurando-se como ato ilícito, passível de reparação por meio de indenização por danos morais", acrescentou o colegiado.
Esse fato foi chamado no acórdão de "dano pós-contratual", relacionado ao contrato extinto, e gerou para a trabalhadora o direito de receber indenização por danos morais. Quanto ao valor, a Câmara considerou, de um lado, o capital social da editora, de R$ 5 milhões, em dezembro de 2008, e, de outro, o curto período de duração do contrato de trabalho, e arbitrou o valor de R$ 10 mil como o valor da condenação. Porém, negou à reclamante o pedido de indenização decorrente da rescisão "antes do término do contrato de experiência", primeiro, porque o contrato de experiência é, como o próprio nome diz, "um acordo de experimentação para ambas as partes, podendo, no prazo estipulado (de até 90 dias) ser extinto, sem ônus para qualquer das partes, a menos que haja alguma hipótese de estabilidade, o que não é o caso dos autos". Segundo, porque a reclamante pediu demissão e não alegou nenhuma das hipóteses do art. 483 da CLT, "não podendo vir a Juízo para desfazer seu próprio ato volitivo, atribuindo-lhe novas feições". (Processo 0000961-62.2010.5.15.0093)
- 137 visualizações