Seminário sobre acidente do trabalho no campo lota auditório da Universidade Mackenzie de Campinas
Mais de 200 pessoas, entre magistrados, procuradores, sindicalistas e advogados, participaram, nesta sexta-feira (31/10), do seminário "Acidente do trabalho no meio rural: por uma atuação preventiva", realizado no auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Campinas. O evento, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e pela Escola Judicial do Regional, foi coordenado pelo desembargador Edmundo Fraga Lopes e pelo juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, titular da 6ª VT de Ribeirão Preto, gestores regionais do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho – Trabalho Seguro.
Além do desembargador Edmundo, a mesa de honra do seminário foi composta pelo presidente do TRT-15, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, pelo diretor da Escola Judicial, desembargador Samuel Hugo Lima, pelo presidente eleito da Corte para o biênio 2014-2016, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, pelo secretário-geral da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), Robson Adilson de Moraes, pelo procurador regional do trabalho da 15ª Região Ronaldo José de Lira, pelo coordenador do Curso de Direito da Universidade Mackenzie, professor Claudinor Roberto Barbiero, pelo advogado Moisés André Bittar, representando a Subseção de Campinas da Ordem dos Advogados de Brasil, e pelo gerente regional da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Campinas, Sebastião Jesus da Silva.
Também prestigiaram o evento os desembargadores da 15ª Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, eleito diretor da Escola Judicial para o biênio 2014-2016, Luiz Roberto Nunes, Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, João Batista Martins César e Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa.
Abrindo a série de discursos, o desembargador Samuel afirmou que o evento é de "suma importância", pois aborda tema que precisa ser amplamente discutido e aprofundado. Para o diretor da Escola Judicial, ainda há muitos acidentes no meio rural, situação que precisa ser enfrentada adequadamente. Claudinor Barbiero, por sua vez, disse que a Universidade Mackenzie se sente "honrada em acolher um evento dessa magnitude e relevância", e que a academia deve abrir as portas para refletir sobre essa temática.
Em seguida, o gestor regional na 15ª do Programa Trabalho Seguro agradeceu a presença de todos e lembrou os seminários que foram realizados em 2012 e 2013, que abordaram, respectivamente, a construção civil e o transporte rodoviário. O desembargador Edmundo Fraga Lopes disse que apesar de os trabalhadores rurais e urbanos serem iguais perante a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), "na prática, não é assim que funciona". O magistrado frisou ainda a preocupação do Regional em prevenir doenças do trabalho e ressaltou a participação da Corte nas campanhas Outubro Rosa, para prevenir o câncer de mama, e Novembro Azul, que pretende alertar os homens sobre a importância de realizar regularmente o exame de próstata para prevenir a incidência de câncer.
Encerrando a cerimônia de abertura, o desembargador Flavio Cooper enfatizou a realidade contrastante do meio rural brasileiro e contou sobre as visitas a usinas de açúcar e álcool que fez recentemente com os novos juízes da 15ª, ressaltando a importância dessa experiência para a condução dos julgamentos. O presidente do TRT defendeu ainda que as sentenças de acidente de trabalho devem se tornar públicas, para que os trabalhadores possam se informar das condições de trabalho e, assim, prevenir outros acidentes.
Programação intensa
A primeira palestra, "Acidente do trabalho típico no meio rural: causas e consequências", coube ao procurador regional do trabalho da 15ª Região Ronaldo José de Lira, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT). Autor de diversos artigos, livros e pesquisas jurídicas e membro dos grupos de trabalho responsáveis pela elaboração do Anexo II da Norma Regulamentadora (NR) 17, do Anexo IV da NR 16 e do Anexo VIII da NR15, relacionados ao tema da palestra, o procurador participou de diversas operações do MPT, com destaque para a operação "Zumbi dos Palmares", em Alagoas, que resultou em uma ação penal contra o então deputado federal João Lyra (PSD-AL).
Ronaldo José de Lira citou várias inspeções realizadas pelo MPT da 15ª Região que evidenciaram as condições a que os trabalhadores são submetidos no meio rural. Para o procurador, o maior desafio da discussão sobre a temática é "transmitir uma visão holística dos acidentes de trabalho, olhando os casos pelos bastidores".
Segundo o palestrante, um dos problemas dos acidentes de trabalho no meio rural é a forma como são julgados. "Preocupa-se em verificar de quem foi a culpa, quando o que é necessário, na realidade, é investigar as causas de cada acidente." Lira comparou as empresas que apenas fornecem equipamentos de proteção individual (EPI) com as que realizam gestão de risco, afirmando que os EPI deveriam ser "o último elo de proteção ao trabalhador, não o único".
Um dos temas abordados pelo procurador foi a investigação dos acidentes de trabalho, como chegar à "caixa preta" do acidente. Segundo Lira, essa investigação supõe fazer inspeção no local, conversar com os trabalhadores e até com ex-empregados, investigar o trabalho real versus as ordens de serviço, verificar se os empregados recebem treinamento, além de observar o fluxo de produção, a redução do quadro funcional, o histórico de ações trabalhistas relacionadas à empresa e, fundamentalmente, o controle da jornada, "uma vez que se percebe que quanto mais tempo trabalhando, maior a possibilidade de acidentes de trabalho, pelo cansaço que o trabalhador desenvolve".
Lira ressaltou ainda que os acidentes do trabalho são "a ponta do iceberg", que demonstram que a empresa não possui gestão de riscos e, portanto, não oferece segurança ao trabalhador. O essencial, segundo ele, seria prevenir os acidentes antes de eles acontecerem. "A prevenção de uma vida não tem preço. Daí a importância de cada vez mais pessoas estudarem o tema e contribuírem, de alguma forma, para que o número de mortos em acidentes de trabalho por ano, cerca de 3 mil apenas em empregos formais, possa diminuir."
Concluindo a palestra, o procurador lembrou a importância do trabalho desenvolvido pelo MPT, que conta com um grupo móvel que realiza operações rurais "de excelência" para controlar o risco na fonte e preservar a vida humana.
Após o intervalo para o café, o professor Francisco José da Costa Alves, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ministrou a palestra "Pagamento por produção e agravos à saúde e segurança no trabalho no meio rural". O desembargador Lorival Ferreira dos Santos, que apresentou o palestrante, disse que é sempre "muito prazeroso" falar do meio rural, já que sua origem se deu no campo e o Brasil é um país que sempre teve vocação agrária, "embora o olhar para o campo tenha demorado para chegar". O presidente eleito do TRT para o biênio 2014-2016 também enfatizou o brilhante trabalho realizado pelo MPT e adiantou que acha o pagamento por produção muito degradante ao trabalhador.
Francisco da Costa Alves é mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Políticas Públicas e Agroindústria da UFSCar/CNPq, tendo publicado inúmeros trabalhos em revistas nacionais e internacionais.
O professor iniciou sua exposição ressaltando a demora para que os direitos trabalhistas chegassem ao meio rural. Segundo ele, apenas após as greves e reivindicações da década de 1980 os trabalhadores conquistaram alguns direitos, mas ainda hoje muitos deles ainda não chegaram efetivamente. Francisco da Costa Alves contou que no início de seus estudos defendia a hipótese de que o pagamento por produção era a principal causa dos agravos à saúde do trabalhador e dos acidentes do trabalho, mas que hoje já pode dizer que essa afirmação é uma tese.
O palestrante comparou o trabalho no meio rural com o que já vem acontecendo no meio urbano, onde as pessoas reclamam cada vez mais de que trabalham preocupadas, já pensando no que precisam executar depois. Para ele, o pagamento por produção tem se tornado uma prática preocupante. "O problema se intensifica em relação aos cortadores de cana, já que, além de receberem por produção, eles só sabem o valor da cana que estão cortando depois de realizarem o trabalho e as peças terem sido vendidas. É o que se chama de pagamento por produção no escuro." Para ilustrar a situação dos canavieiros, o professor exibiu o documentário "Linha de corte", dirigido por Beto Novaes, que evidencia a problemática do pagamento por produção, mostrando o excesso de trabalho, os riscos à saúde e a precariedade do trabalho no interior dos canaviais.
No período da tarde, o gerente regional substituto do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego de Campinas, João Batista Amâncio, ministrou a palestra "Segurança e saúde do trabalhador à luz da NR-31 do MTE". O auditor fiscal iniciou apresentando um histórico das normas regulamentadoras, tanto urbanas como rurais, até chegar à elaboração da NR-31, sobre segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura, publicada em 3/5/2005.
João Batista falou sobre as ferramentas manuais usadas pelos trabalhadores rurais, os fatores climáticos e topográficos, as dificuldades que os rurais enfrentam diariamente e o descaso dos empregadores quanto a eles. O gerente também apresentou vídeos das colheitas de batata, de feijão e de cana-de-açúcar, mostrando a falta de estrutura dos trabalhadores e os erros cometidos na aplicação de agrotóxicos, extremamente prejudiciais à saúde. Depois, mostrou slides do ambiente em que os rurais trabalham, como os sanitários, o transporte, os alojamentos e a quase inexistência de água potável. "Para mim, não tem pior trabalho do que este", disse. O palestrante também lembrou o caso de Juraci Barbosa da Silva, empregado rural do Piauí que morreu por excesso de trabalho.
Após um intervalo para o café, o desembargador Edmundo Fraga Lopes apresentou o último palestrante, o juiz Hélio Grasselli, titular da 1ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto. Na palestra, intitulada "O salário por produção nos tribunais", o magistrado deu ênfase à cana-de-açúcar, que apresentou aumento de produtividade nos últimos anos. Segundo ele, cerca de 70% do trabalho nos canaviais é feito por máquinas, mas ainda se conta com milhares de trabalhadores sem condições básicas de vivência, com salários baixos e que colhem em média 12 toneladas de cana por dia, o dobro do que colhiam nos anos 1980. Grasselli também falou do tipo de seleção feita pelos empregadores para escolher os trabalhadores. "Pessoas mais jovens, poucas mulheres, vindos de regiões distantes do Estado de São Paulo e com maior período de experiência são mais requisitados."
A fadiga, o adicional de insalubridade, o uso de drogas e o câncer de pele também foram assuntos tratados pelo juiz. "Imagine o trabalhador que fica o dia inteiro ao sol no campo, o malefício que isso pode causar." Ao concluir, Grasselli comentou sobre a atuação do Poder Judiciário, citando artigos das leis trabalhistas e súmulas do TST.
O desembargador Edmundo encerrou o evento agradecendo a todos pela presença e participação.
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