Trabalho Seguro debate em Ribeirão Preto a segurança dos cortadores de cana

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O "Acidente do trabalho no corte de cana-de-açúcar: por uma atuação preventiva" foi o tema do seminário realizado nesta quinta-feira, 27/11, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) de Ribeirão Preto, como parte das atividades do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Trabalho Seguro), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). O evento teve a participação da Escola Judicial (Ejud) do TRT da 15ª Região e contou com a presença dos desembargadores Edmundo Fraga Lopes, gestor regional em 2ª instância do Programa Trabalho Seguro, Samuel Hugo Lima, diretor da Ejud, Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, eleito diretor da Escola para o biênio 2014-2016, e Helcio Dantas Lobo Junior, além de magistrados de 1º grau, membros do Ministério Público, advogados, servidores e estudantes.

A mesa alta foi composta pelos desembargadores Samuel Hugo Lima e Edmundo Fraga Lopes, além dos juízes Marcos da Silva Pôrto, diretor do Fórum Trabalhista de Ribeirão Preto e professor da FAAP, representando a direção-geral da Fundação, e Fabio Natali Costa, que representou o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), Alessandro Tristão. Também fizeram parte da mesa o procurador do trabalho no município de Bauru, José Fernando Ruiz Maturana, representando o Ministério Público do Trabalho na 15ª Região, e o advogado Fábio Esteves de Carvalho, vice-presidente da Subsecção de Ribeirão Preto da OAB, representando o presidente, Domingos Assad Stocco.

O desembargador Samuel falou da importância do tema do seminário, especialmente do aspecto de "prevenção dos acidentes". O magistrado comentou de sua frustração por ter de se acostumar a trabalhar apenas com a "área ruim do direito", mais especificamente com a valoração de coisas como "a perda de uma mão direita, ou um zumbido no ouvido", ou mesmo uma morte. O desembargador lembrou de um caso concreto e marcante em sua carreira de juiz, da visita ao seu gabinete, tempos atrás, de um reclamante sem os dois braços. Segundo Samuel, o trabalhador afirmou que trocaria toda a indenização que receberia da Justiça, pela perda dos braços, por um abraço em sua filha recém-nascida. O magistrado afirma ter sentido naquele momento a frustração de não poder atender, com uma decisão judicial, os anseios do reclamante, a quem a indenização não traria justiça, em seu sentido mais amplo, nem os da empresa, que poderia se exaurir economicamente para atender à decisão judicial, e, tampouco, os da sociedade. Daí a importância, segundo o desembargador, da necessidade de a Justiça do Trabalho discutir cada vez mais, em conjunto com o Ministério Público e com a sociedade, questões de acidentes do trabalho pelo viés da prevenção.

O gestor regional em 2ª instância do Programa Trabalho Seguro, desembargador Edmundo Fraga Lopes, apresentou o Programa, idealizado para reunir todos os atores do processo, no sentido de "conter o grande número de acidentes no país". O magistrado falou dos temas anteriores do Programa, que já discutiu acidentes do trabalho na construção civil (2012) e no transporte rodoviário (2013). Quanto ao aspecto da prevenção, o desembargador lembrou que, ainda como parte do Programa Trabalho Seguro, o TRT-15 divulgou nos meses de outubro e novembro, respectivamente, as campanhas de combate ao câncer de mama e ao câncer de próstata.

O juiz Marcos Pôrto falou de quanto o seminário "é oportuno e reflete a característica de uma nova Justiça do Trabalho, que vai além e que cria canais".

A primeira palestra

O professor Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela, livre-docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), foi apresentado pelo desembargador Edmundo Fraga Lopes e iniciou com um vídeo sua palestra, que abordou o tema "A temperatura corporal e o adoecimento no trabalho no meio rural". O filme, de 18 minutos, chamado "Linha de corte", contou um pouco a história de alguns personagens reais que trabalham como cortadores de cana no interior de São Paulo e trouxe comentários de especialistas sobre o adoecimento e as mortes cada vez mais frequentes no corte de cana-de-açúcar.

Embasada em dados estatísticos de pesquisas acadêmicas realizadas pelo próprio palestrante e por outros profissionais, a exposição de aproximadamente uma hora revelou dados alarmantes sobre o trabalho no corte de cana. O aspecto técnico não escondeu a realidade que assola os cortadores, que, regra geral, trabalham cada vez mais e se esgotam em menos de 10 anos, segundo as estatísticas. Incentivados por uma ideia de "competição no corte", os trabalhadores disputam entre si o cumprimento de metas absurdas, que chegam atualmente a 12 toneladas/dia por cortador, em jornadas diárias que atingem mais de 10 horas, revelou Vilela.

Os estudos do professor atestaram que o corte de cana ofende parâmetros consagrados na literatura internacional, causando a sobrecarga cardiovascular e térmica, além da desidratação. Aparelhos acoplados a um grupo de cortadores de cana registraram números acima da média tanto de temperatura corporal quanto de batimentos cardíacos, e, apesar de ainda não totalmente conclusivos, os dados apontam para a confirmação de que a combinação de atividade física pesada e ambiente quente, úmido ou seco, mais alimentação e moradia precárias, acrescidos ainda da prática de pagamento por produção, levam ao esgotamento físico do cortador de cana em, no máximo, doze safras.

O professor Vilela encerrou sua exposição defendendo o fim desse pagamento por produção, "o principal vilão no registro de acidentes de trabalho com cortadores de cana". Defendeu ainda a criação de um sistema de monitoramento de sobrecarga térmica e que verifique também fatores como as condições alimentares e de reposição eletrolítica – hidratação – dos trabalhadores, além de registrar notificações dos agravos à saúde e ações judiciais nos casos prioritários. Preconizou, por fim, a eliminação da queima dos canaviais e a abertura daquilo que chamou de "caixa preta" do INSS, no sentido de caracterizar a prioridade para fins de aposentadoria especial.

A segunda palestra

O juiz do trabalho Fabio Natali Costa, representante da Escola Judicial na Circunscrição de Ribeirão Preto, apresentou o segundo palestrante do seminário, o procurador do trabalho José Fernando Ruiz Maturana, que falou sobre "Os acidentes do trabalho com cortadores de cana".

O procurador iniciou sua exposição falando da sua sensação de "impotência e melancolia" diante do tema, especialmente no momento de materializar o problema "no papel", numa ação civil pública. Para o procurador, que se baseou em experiências pessoais para fazer sua palestra, a ação civil pública ainda sofre preconceito e é vista com ressalva. Até mesmo por isso, ele afirmou que procura "extrair toda e qualquer conotação política e ideológica do processo", buscando pautar-se nos direitos humanos quando questiona o meio ambiente do trabalho, especialmente no setor sucroalcooleiro.

Maturana ressaltou que o processo é uma "dialética" e o papel do Ministério Público é "materializar os direitos fundamentais". Por isso, "o MP deve ter a coragem de mandar parar a atividade antes do acidente", afirmou.

O palestrante destacou que outro problema que dificulta o trabalho do MP é o preconceito que existe com relação às Normas Regulamentadoras de segurança. "É comum se ouvir que são normas e não lei", afirmou Maturana. Para ele, as normas de saúde e segurança "estão num contexto protegido pela Constituição Federal e precisam ser materializadas". O procurador lembrou que "os valores em matéria de saúde são absolutos e prioritários".

Maturana afirmou que o problema que envolve o setor sucroenergético vai muito além do cortador de cana. Segundo ele, existe uma diferença entre o tratamento que se dá ao funcionários de uma usina e o dispensado aos cortadores de cana, desde o uso de uniformes para uns, e não para outros, e, principalmente, na forma da contratação. O procurador salientou o fato de que os cortadores ainda trabalham arrebanhados por feitores, conhecidos como "gatos".

Mesmo com a mecanização da lavoura canavieira, o problema dos acidentes de trabalho não desapareceu, afirma Maturana. Segundo o procurador, ainda assim as jornadas continuam longas, com aproximadamente 12 horas, o que, diz ele, pode configurar "trabalho escravo", e, ainda, os empregados que operam as máquinas não têm treinamento, o que justificaria o alto número de acidentes que têm ocorrido com esses trabalhadores, muitas vezes fatais, acredita o palestrante. O transporte da cana em caminhões, com muitas toneladas acima do peso estipulado por lei, é outro problema que põe em risco a vida dos empregados, no caso, os motoristas, além dos outros usuários das malhas rodoviárias, denunciou o procurador.

Ele concluiu a exposição defendendo "a boa e sadia condição do trabalho, que envolve a duração e o conteúdo do trabalho, a remuneração, a melhoria do bem-estar do trabalhador e a observância das normas".

A terceira palestra

Apresentado pelo juiz Marcos Pôrto, o expositor da terceira e última palestra do evento, juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto e gestor regional em 1ª instância do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, falou sobre "Adoecimentos ocupacionais no corte de cana-de-açúcar: um estudo por meio do NTEP [Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário]".

Baseado em suas próprias pesquisas, que tiveram início em seu mestrado e continuaram no doutorado feito na Espanha, o magistrado apresentou estatísticas de acidentes de trabalho no Brasil em 2008, ano que registrou a maior incidência de acidentes no país, um total de 755.980, sendo 551.023 com comunicação de acidente de trabalho (CAT), dos quais 441.925 são acidentes típicos, além de 204.957 acidentes sem CAT.

Com o NTEP, uma metodologia do INSS que tem o objetivo de identificar quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profissional, a doença passa a ser presumida em determinado ambiente de trabalho, ainda que caiba prova em contrário. Segundo o palestrante, após o advento do NTEP, houve um aumento de mais de mil por cento no número de acidentes de trabalho, o que, afirma o magistrado, sugere uma relação entre "jornada longa de trabalho e número de acidentes". Justificando sua teoria, o palestrante lembrou que, em 1998, o número de acidentes de trabalho aumentou. "Coincidentemente é o mesmo ano em que foram adotados os bancos de horas."

Ele também criticou a prática de pagamento por produção. Segundo o magistrado, ao longo das últimas décadas, a exigência de produção cada vez maior feita aos cortadores gerou aumento de até 200% na quantidade de cana cortada, comparando-se a década de 1960 e a de 2000. No passado, um cortador de cana produzia cerca de 4 ton/dia. Nos anos 2000, estimulado por premiações perversas, um trabalhador chegava a cortar até 12 ton/dia. A partir de 2004, surgiram os primeiros registros de morte de cortadores de cana, observa o juiz. Até 2006, foram cerca de 20 cortadores mortos por parada cardíaca (morte súbita).

O excesso de trabalho (mais de 11 horas diárias) é "extremamente prejudicial à saúde", afirmou o palestrante, que lamentou não existirem números precisos no ramo de corte de cana. Além do problema da subnotificação, os números oficiais, segundo o magistrado, não convencem, "se feita uma simples demonstração por região e por setor". Ele comparou o setor de corte de cana com o de pecuária e registrou que as taxas de adoecimento oficiais num e noutro setor foram de, respectivamente, 274,47 e 873,82 (com base no número de acidentes registrados e o NTEP). Numa simples análise dos números, segundo o palestrante, fica a dúvida: "Será que o setor de pecuária causa mais doença do que o de corte de cana?".

O juiz concluiu sua exposição afirmando que "devemos promover uma cruzada pela restauração dos limites efetivos de jornada", bem como "tentar conciliar a vida pessoal, a família e a atividade laboral, lembrando que o trabalho não pode ser o centro do universo".

Por Ademar Lopes Junior

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