Vítimas da crise: no Congresso do TRT, José Canotilho denuncia os ataques aos trabalhadores na Europa

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 Por Luiz Manoel Guimarães

"De Portugal à Alemanha, nos Estados Unidos, na China ou no Brasil, onde quer que haja uma dúvida sobre direito constitucional, ele será chamado." Assim o desembargador Manuel Soares Ferreira Carradita, da 7ª Câmara do TRT da 15ª Região, apresentou ao público do 14º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, na manhã desta quinta-feira, 5 de junho, o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e "o maior e mais profundo conhecedor de direito constitucional do mundo", nas palavras de Carradita, ele próprio um ex-aluno do jurista na consagrada instituição lusitana. Um dos grandes destaques do evento, Canotilho fez a conferência de abertura do Congresso, que está sendo realizado pelo TRT-15 e pela Escola Judicial da Corte no Theatro Municipal de Paulínia.

A bela casa de espetáculos, aliás, manteve-se lotada ao longo de toda a fala do professor, que tratou de um tema espinhoso, "A Constituição e o discurso de austeridade". Com sotaque típico, e sem aparentar os seus quase 73 anos, o filho ilustre da pequena Pinhel, cidade do nordeste de Portugal – o nome vem da grande quantidade de pinheiros da região –, lembrou de início que, neste último mês de maio, completou exatos 20 anos de sua vinda inicial ao Brasil para "se aventurar" no debate do direito do trabalho. Havia já, àquela altura, no entanto, cinco anos que Canotilho viera pela primeira vez ao País, com o qual, exclama, mantém uma declarada relação de afeto.

Sem meias palavras

A propósito do tema de sua exposição, o professor traçou, com incisão, um panorama de como a crise econômica eclodida em 2008 tem desabado nos direitos sociais na Europa, em especial no que tange aos trabalhadores do continente. Algo como "um socialismo de Estado para os ricos e um neoliberalismo impiedoso para os pobres", se quisermos resumir numa ideia, conforme sublinhou Canotilho, o que tem sido no Velho Continente esses anos pós-derrocada financeira global. E à guisa de ilustrar sua argumentação, nem precisou ele ir longe, que seu querido Portugal está entre as economias mais vitimadas pela crise. "São 300 mil jovens altamente qualificados, mas igualmente sem emprego", pontuou o professor, com ênfase na tese de que, no contexto de hoje, o direito do trabalho precisa ser pensado à luz, também, do direito ao trabalho. Veja-se que falou Canotilho de um país com 10 milhões de habitantes, aproximadamente. Proporções mantidas, estivéssemos a falar de Brasil, vale a pena comparar, e mazela igual estaria se abatendo sobre cerca de 6 milhões de rapazes e moças.

E não para aí. Como se diz por aqui, "miséria pouca é bobagem". Não bastasse o quanto a população já é castigada com o desemprego, o governo luso resolveu fustigar também os que ainda se encontram empregados. A chamada Taxa Social Única, a TSU, descontada mensalmente dos trabalhadores a título de contribuição social, foi "catapultada" de 8% para 18%, segundo o professor.

Moinhos dos grandes

Como um Quixote moderno, mas com a lucidez que já não havia no anti-herói notável de Cervantes, Canotilho não se exime da necessária ousadia de esgrimir contra a política do Fundo Monetário Internacional, dos bancos centrais dos países europeus e da própria Comissão Europeia - responsável, entre outras prerrogativas, pelos projetos de legislação do agrupamento de nações -, os quais se irmanam na tese de que o pagamento das dívidas dos países do bloco se sobrepõe aos direitos das pessoas, e mais ainda aos direitos dos trabalhadores. "Primeiramente a dívida, os juros da dívida, os juros dos juros da dívida", indigna-se o jurista, ao mesmo tempo que ressalta a estratégia dos governos das nações endividadas para saldar esses "tão sagrados" compromissos financeiros. Lançam mão de mais impostos, suprimem direitos dos trabalhadores e atacam, inclusive de maneira retroativa, as pensões e aposentadorias, esclarece Canotilho, que se longe já não precisara ir antes para exemplificar as consequências da crise, ainda mais perto vai agora, em nova ilustração. Pertíssimo, na verdade. Depois de 50 anos de trabalho, 45 deles disseminando conhecimento como professor, ele viu seus já injustos rendimentos de 5.000 euros minguarem para não mais do que 2.100 euros na aposentadoria, revelou. Sob o argumento de que o caixa deve sustentar pensões e aposentadorias de gerações, o governo português desprezou o direito daqueles que, matematicamente até, já haviam constituído a receita necessária para fazer jus à tão sonhada renda pós-trabalho, denunciou Canotilho. "E foi de um momento para o outro, num claro ataque ao equilíbrio social."

Grassa hoje na Europa o discurso do empobrecimento, sobretudo da classe média, insiste o jurista. "Um 'Estado de exceção financeira'", compara ele, no qual o ar se adensa com a incessante repetição de mantras do tipo "o trabalho deve ser mais barato, com alteração das leis trabalhistas, para termos mais competitividade", reforça Canotilho, sem aliviar o pé no acelerador da crítica.

 "Ativos tóxicos"

O pouco caso com o trabalhador não é pequeno. Basta ver o caso do Banco Português de Negócios (BPN), que o professor também denunciou. Nacionalizado a um custo de 5 bilhões de euros para o contribuinte lusitano, o BPN foi vendido posteriormente por míseros 40 milhões de euros ao Banco Internacional de Crédito (BIC), de capital luso-angolano. Entre os ativos da instituição levada à bancarrota qualificados como "tóxicos" estão os próprios trabalhadores do grupo financeiro. A definição de "ativo tóxico" varia, mas, a princípio, atribui-se a expressão aos papéis que perderam o valor durante a "crise do subprime", desencadeada em 2006, a partir da quebra de instituições de crédito dos Estados Unidos que haviam concedido empréstimos hipotecários de alto risco. Esses ativos afetam os balanços dos bancos e, na prática, são o resultado de empréstimos mal feitos pelas instituições financeiras. Traduzindo, algo que deveria ter valor mas não tem.

Já próximo do final de sua intervenção, tomado por um tom emotivo, típico de quem realmente crê no que diz - "quero estar sempre perto das pessoas, da dignidade da pessoa humana, da inclusão das pessoas numa sociedade justa" -, Canotilho lançou mão de uma última informação reveladora de a que ponto seu país foi tragado pela história recente. Segundo ele, dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos atestam que a massa salarial de Portugal, num retrocesso de praticamente quatro décadas, equivalia no ano passado àquilo que era em 1974. Triste nota a envolver um ano tão caro aos portugueses, que há pouco, em 2014, precisamente no último 25 de abril, festejaram os 40 anos da célebre Revolução dos Cravos.

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