Carta de Franca-SP sobre a necessidade de abolição do trabalho infantil
Os participantes do Seminário "O trabalho decente sob a ótica da erradicação do trabalho infantil e do trabalho seguro dos adolescentes: todos juntos pelo direito à proteção integral", promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por seu Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil; Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Programas de Combate ao Trabalho Infantil e Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho, Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI e Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil de Franca-SP, com o apoio do Ministério Público do Trabalho, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e SindFranca, reunidos em 27 de Março de 2015, na cidade de Franca-SP, manifestam a sua convicção de que abolir o trabalho infantil e assegurar educação básica dos quatro aos dezessete anos, universalizada, gratuita, de qualidade, atrativa, integral e em tempo integral e que propicie o desenvolvimento completo de crianças e adolescentes, inclusive qualificação profissional adequada para os últimos, são direitos fundamentais que promovem a felicidade e a dignidade do ser humano, desde a sua mais tenra idade, e, como tais, deveres do Estado, compartilhados com a família, a sociedade e a comunidade, como parte da proteção integral e absolutamente prioritária que deve ser devotada a esses seres em peculiar condição de desenvolvimento, sendo certo também que:
1) O trabalho infantil é grave violação de direitos humanos. Intolerável que, já na metade da segunda década do Século XXI, tenhamos ainda 3,188 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos sendo explorados como fonte de mão-de-obra barata e precarizada, mais de meio milhão deles com menos de 13 anos, em faixa etária absolutamente proibida.
2) O trabalho infantil entrou na agenda nacional em 1992, a partir do ingresso do Brasil no Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil avançou, tornando-se referência mundial de luta contra esse flagelo. Entretanto, para cumprir compromissos internos e internacionais assumidos, de até 2016 abolir as piores formas e até 2020 todas as formas de trabalho infantil, é necessário conferir absoluta prioridade ao enfrentamento do problema, acelerando o processo de erradicação.
3) O combate ao trabalho infantil, para ser eficaz, não pode ser luta solitária. Deve resultar de ações articuladas, integradas e em rede, que envolvam os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público, os veículos de comunicação social, a família, a sociedade e a comunidade. Somente a prevenção e a conscientização sobre os malefícios e a perversidade da substituição da infância, da educação e de qualquer perspectiva de vida digna e trabalho decente, pelo ingresso prematuro no mercado de trabalho, aliadas a uma política de repressão aos exploradores e proteção e inclusão de crianças e adolescentes explorados, transformarão a realidade cruel de hoje em reminiscência histórica futura.
4) O trabalho em idade precoce decorre de inúmeros fatores, dentre eles a miséria, a ausência da educação formal (escola) e informal (baixa qualidade afetiva na família). Danos psicológicos, fisiológicos e sociais surgirão, principalmente o aparecimento da "necessidade afetiva" de buscar um cuidador, a qualquer custo, numa dinâmica psicológica chamada "transferência", o que coloca a criança ou o adolescente como "reféns" do "patrão" explorador (trabalho no campo, fábricas, empresas sem escrúpulos) assim como do manipulador social (o traficante, o gigolô, o pedófilo). Investir na família (com apoio social e se necessário com a adoção de medidas legais), na escola (tornar o ensino um prazer) e na sociedade (penalizar duramente os infratores) é uma tarefa que necessita ser estimulada tanto nos meios de poder (ministérios, secretarias, judiciário, etc.) como na conscientização moral das pessoas.
5) Aos Juizados Especiais da Infância e Adolescência – JEIAs, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, e à Justiça do Trabalho como um todo, cabe dar resposta efetiva e adequada aos infratores e à sociedade, fazendo com que a Constituição e as leis do País sejam respeitadas, de modo a não tolerar trabalho antes da idade mínima permitida.
6) O fortalecimento, onde já existirem, e a criação, onde ainda não instalados, de Fóruns Municipais e Regionais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, são imprescindíveis para assegurar ações articuladas, estruturadas e em rede, de combate ao trabalho infantil, das quais devem efetivamente participar Juízes do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego, Defensoria Pública, sindicatos, associações, advogados e todos aqueles que, de alguma forma, atuem na área, para viabilizar alternativas de inclusão e assegurar o direito ao não trabalho de crianças e adolescentes.
7) Nos termos do artigo 114, I, da Constituição da República, à Justiça do Trabalho compete analisar todas as questões envolvendo trabalho humano, com ou sem vínculo empregatício, incluídos pedidos de permissão, na área artística ou qualquer outra, formulados por crianças e adolescentes. Esse ramo especializado do Judiciário assumiu posição institucional proativa e ostensiva na luta pela erradicação do trabalho precoce com o "Programa de Combate ao Trabalho Infantil" da Justiça do Trabalho, lançado no final de 2013 e que hoje envolve todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho do País.
8) A aprendizagem verdadeira, que respeita a legislação e o direito de o adolescente receber educação profissionalizante, que promove a qualificação, é a forma adequada de preparação para o ingresso no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.
9) O trabalho, para ser realizado de forma adequada, necessita de vários elementos. Um deles, fundamental, é a capacidade física e psicológica do trabalhador, que só estará plenamente desenvolvida, segundo estudiosos, por volta dos 20 anos. Trabalhar antes desta idade compromete a sua saúde física e mental.
10) Não há mais espaço, no mundo globalizado, para a irresponsabilidade de corporações econômicas, nacionais e transnacionais, no que diz respeito às ameaças de lesão ou violação de direitos humanos, em especial ao direito fundamental ao não trabalho de crianças e adolescentes. A responsabilidade social implica não admitir, ainda, a exploração de trabalho infantil em quaisquer etapas de sua cadeia produtiva ou de influência, sob pena de ser responsabilizada pelos danos causados, tanto individuais como coletivos. Franca, 27 de Março de 2015.
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