Graças ao uso de ferramentas eletrônicas, trabalhador recebe indenização em processo que durou 25 anos
Por Ademar Lopes Junior
O processo teve início em 15 de dezembro de 1988, sendo a petição inicial e a capa dos autos datilografadas por máquina de escrever. Depois de quase 25 anos, o trabalhador conseguiu receber aproximadamente R$ 45 mil graças à modernização do Poder Judiciário. O processo ficou arquivado por anos em virtude da falência da reclamada, cuja arrecadação era insuficiente para o pagamento do reclamante, mas as ferramentas eletrônicas e o serviço de inteligência efetuado pela Vara do Trabalho de Santa Bárbara D´Oeste possibilitaram a execução trabalhista.
Foram precisamente 23 anos do início da ação, em 1988, até a decisão assinada pelo juiz Renan Ravel Rodrigues Fagundes, titular da Vara do Trabalho de Santa Bárbara d'Oeste, em 2013, que condenou o devedor ao pagamento dos créditos do trabalhador. O Juízo se valeu da ferramenta eletrônica de penhora (Bacen-Jud) para tornar efetiva a execução, que começou ainda no início nos anos 90.
No ano de 2007, até então não localizados bens para satisfação do crédito, foi determinada a expedição de certidão para habilitação nos autos da falência. Nesse momento, o Juízo decidiu rever a decisão, e determinou novo bloqueio de contas e aplicações financeiras pelo sistema Bacen-Jud, em nome do sócio devedor dos créditos trabalhistas. Em janeiro de 2013, a execução foi garantida com a penhora de valores de duas empresas do devedor, que, inconformado, tentou embargar a execução, alegando preclusão para o juiz.
O juiz de primeiro grau concordou que "a preclusão, ao mesmo tempo em que viabiliza a marcha processual, impulsionando o processo, visa garantir a ‘segurança jurídica' nas relações processuais". Porém, ressaltou que "o valor segurança jurídica não atua nem objetiva, nem isoladamente sobre o processo, coexistindo com outros valores, e assim, podendo conflitar com outros princípios, ocasião em que, mediante a ponderação dos valores em jogo, o impasse encontrará solução com prevalência de um e afastamento de outro, segundo diretrizes de razoabilidade e proporcionalidade".
O Juízo salientou também que "é nesse contexto que deve ser analisada a arguição do embargante, já que se encontram em conflito o invocado instituto da preclusão e a celeridade (são mais de 20 anos de processo) e efetividade da execução – o valor justiça em última análise". Também destacou que "considerando que a execução trabalhista já tramita há mais de duas décadas, tendo por objeto créditos de natureza alimentar, não é razoável se aplicar a instituto da preclusão para impedir que o Juízo busque a efetividade da execução".
O Juízo entendeu, assim, que houve fraude à execução por parte dos sócios da empresa, o empregador e sua esposa, que doaram aos quatro filhos, menores à época, todos os seus bens imóveis enquanto pendia a presente reclamação trabalhista, já em fase de execução. As doações foram comprovadas com certidões dos imóveis juntadas aos autos.
A sentença lembrou que no caso, mesmo na fraude contra credores, em que "indiscutivelmente se exige a presença do ‘consilium fraudis', este resta absolutamente presumido (presunção ‘jure et de jure') nos casos de transmissão gratuita de bens (art. 158 do Código Civil)".
O valor devido ao credor foi apurado em R$ 110.160,72 (atualizado para 31/1/2013). Considerando-se que o montante arrecadado no Juízo Falimentar não foi suficiente para quitar a dívida, foi determinada a desconsideração da pessoa jurídica para alcançar os sócios. O Juízo ressaltou que "com vistas aos princípios da celeridade, efetividade, e especialmente, da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, não se pode dar à pessoa jurídica e ao instituto da falência a função de proteção à fraude", e por isso não procedem as alegações do embargante devedor, "devendo prosseguir a execução trabalhista".
Inconformado, o embargante apresentou agravo, reiterando, entre outras, nulidade processual porque enviada notificação a advogado sem poderes para atuar no processo. O recurso foi julgado pela 3ª Câmara do TRT-15.
O relator do acórdão, desembargador Edmundo Fraga Lopes, afirmou que a tentativa do devedor se trata de "expediente protelatório", e afirmou que essa "irregularidade foi sanada há muito tempo, tanto que o executado, ora agravante, tomou ciência do processo, ajuizou embargos à execução que foi processado, analisado e julgado em seu mérito, cuja sentença é objeto do presente recurso de agravo de petição", e concluiu que "não há nulidade a ser sanada por ausência de qualquer prejuízo à parte (CLT, art. 794)".
O relator ressaltou também o fato de que "durante a tramitação da execução e antes da falência de sua empresa, o executado providenciou a dilapidação de seu patrimônio", por isso, "evidente que a falência decretada quatro anos após o início da execução e dois anos após a doação não beneficia o executado".
O desembargador considerou "correta a desconsideração da personalidade jurídica (Código Civil, art. 50) e o prosseguimento da execução em face dos bens do sócio, bens que foram doados em fraude à execução (CPC, art. 593), visto que o juízo da falência informou que a pessoa jurídica não tem bens que possam saldar suas dívidas".
O devedor insistiu que fosse aplicada ao caso a Súmula 375 do STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Porém, o relator do acórdão afirmou que o próprio STJ já decidiu de forma esclarecedora sobre o assunto, no REsp 1.163.114, segundo o qual "no caso em que o imóvel penhorado, ainda que sem o registro do gravame, foi doado aos filhos menores dos executados, reduzindo os devedores a estado de insolvência, não cabe a aplicação do verbete contido na súmula 375, STJ".
Fazendo-se a atualização monetária da dívida desde primeiro de setembro de 1992 até 31 de março de 1993, deduzindo-se o valor depositado e atualizando a dívida até a presente data, "o valor da execução apresentado nos cálculos do juízo de origem está correto". Por isso, o relator negou provimento ao agravo. (Processo 0056700-37.1993.5.15.0086).
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