Juízes das Circunscrições de São José dos Campos e Sorocaba discutem em seminário o novo Código de Processo Civil

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Por Patrícia Campos de Sousa

A Escola Judicial (Ejud) do TRT-15 promoveu nos dias 20 e 21 de agosto o 2º Seminário Regional de Magistrados Vitalícios das Circunscrições de São José dos Campos e Sorocaba do Judiciário Trabalhista da 15ª Região. O evento, realizado na Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José, reuniu 59 magistrados e teve como tema central o novo Código de Processo Civil (CPC), que entrará em vigor em março de 2016.

O evento foi aberto pelo desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, vice-diretor da Ejud, que ressaltou a importância da reflexão proposta, tendo em vista o eventual impacto do novo Código na rotina dos magistrados do trabalho. "Já realizamos o evento em Ribeirão Preto, em março, e em Araçatuba, em maio, e vamos fazê-lo também em Campinas. Até novembro todos os juízes vitalícios do Regional terão participado dessa discussão, que tem se mostrado muito proveitosa. Aprendemos muito."

Além do desembargador, a mesa de honra do seminário foi integrada pelo professor Sergio Reginaldo Bacha, diretor da Faculdade de Direito da Univap, e pelos juízes Firmino Alves Lima, titular da 2ª Vara do Trabalho (VT) de Sorocaba e representante da Ejud na Circunscrição de Sorocaba, e Marcelo Garcia Nunes, titular da 4ª VT de São José dos Campos e representante da Ejud na Circunscrição de São José. Marcelo também representou no evento a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV).

Expectativas

A primeira atividade do seminário foi a mesa-redonda "Expectativas individuais e sociais do novo CPC", que reuniu os juízes Jorge Luiz Souto Maior, diretor do Fórum Trabalhista (FT) de Jundiaí, e Carlos Eduardo Oliveira Dias, titular da 1ª VT de Campinas, sob a coordenação do desembargador Manoel Carlos.

Souto Maior não poupou críticas ao novo Código, avaliado por ele como uma legislação "esquizofrênica". "Ao mesmo tempo em que defende a ampliação dos poderes do juiz, propõe a regulação minuciosa de sua atuação; ao mesmo tempo em que diz pretender uma maior celeridade processual, nega, na prática, essa celeridade, ao conceder ao devedor 30 dias para pagar e mais 30 dias para a oposição de embargos, por exemplo." De acordo com o magistrado, o novo CPC, com 1.072 artigos, não traz avanços significativos, mas apenas retrocessos. Entre eles, destacou o artigo 133, que institui procedimentos para a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades executadas, medida que, segundo ele, há anos vem sendo promovida de ofício pelo juiz do trabalho, sem o formalismo que o novo Código estabelece.

Na visão do palestrante, que é livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o juiz do trabalho tem uma prática processual muito mais avançada que a proposta no novo CPC. Para Souto Maior, "as regulações excessivas do Código não são compatíveis com o processo trabalhista, fundado na oralidade e na prática em audiência de todos os atos processuais".

A exposição do juiz Carlos Eduardo abordou, inicialmente, o contexto de elaboração do novo CPC. Segundo o magistrado, a Comissão de Juristas nomeada pelo Senado em 2009 para elaborar a lei teve como propósito maior ampliar a confiança da sociedade no Poder Judiciário, avaliado como lento e burocrático. "Além da simplificação do processo, pretendia-se conter o ímpeto demandista e recursal das pessoas, pela garantia da previsibilidade das decisões judiciais e institucionalização da disciplina judiciária", lecionou o palestrante, escolhido pelo Tribunal Superior do Trabalho para representar a Justiça do Trabalho de 1º Grau no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – a posse será nesta terça-feira, 1º de setembro.

Segundo Carlos Eduardo, a par das expectativas sociais por uma maior celeridade e racionalidade das soluções judiciais, o novo CPC consagrou uma valorização excessiva da atividade processual dos advogados, tornando ainda mais lento o processo e comprometendo a independência do juiz. Na avaliação do magistrado, "ao estender ao máximo o direito ao contraditório e ampliar o conceito do dever de fundamentar do juiz, o Código opera uma inaceitável redução no poder do magistrado para presidir o processo e promove um empoderamento da advocacia, o que é um contrassenso, uma vez que só o juiz é imparcial no processo".

Assim como o palestrante anterior, Carlos Eduardo apontou uma série de incongruências na legislação aprovada, dentre as quais destacou a necessidade de contraditório para decisões de ofício (artigos 10 e 81), a possibilidade de intimação da parte pelo advogado da parte contrária (artigo 269) e a fixação de gabarito para a fundamentação das decisões judiciais (artigo 489, parágrafo 1º), dispositivos que, segundo ele, justificarão constantes embargos das decisões judiciais. Diferentemente de Souto Maior, contudo, o magistrado identificou também pontos positivos no novo Código, como o poder do juiz de determinar a carga dinâmica das provas, em função das particularidades do caso (artigo 373), a ampliação e qualificação das modalidades de tutelas provisórias (artigos 294 e seguintes) e a possibilidade de cooperação nacional com as demais justiças (artigos 67 e seguintes).

O CPC e o processo do trabalho

À tarde, o desembargador José Otávio de Souza Ferreira, ouvidor da Justiça do Trabalho da 15ª Região, e o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, titular da 6ª VT de Ribeirão Preto, abordaram o tema "Incidência supletiva do CPC no processo do trabalho".

Em sua exposição, José Otávio, que é presidente do Colégio de Ouvidores da Justiça do Trabalho (Coleouv), abordou as alterações sofridas pela legislação processual civil brasileira desde a segunda metade do século XX, "quando se inicia a migração de um processo formalista e garantista para um modelo mais comprometido com os resultados". O magistrado deteve-se, em especial, nas mudanças introduzidas no CPC nas décadas de 1990 e 2000, que, segundo ele, alteraram o procedimento e a própria relação jurídico-processual. "Os processualistas estavam ‘descobrindo a roda', que já havia sido ‘inventada' pelo processo do trabalho, como a citação por carta, o procedimento sumário, a antecipação da tutela, as ações coletivas, os métodos alternativos de soluções dos conflitos e o fim do processo de execução, entre outros."

Para o desembargador, o novo CPC vem dar "maior organicidade e consistência técnica aos instrumentos processuais", além de trazer importantes inovações. Dentre elas, destacou a restrição das hipóteses de extinção do processo sem julgamento de mérito e de não conhecimento dos recursos, com o aumento das oportunidades para as partes corrigirem erros formais, mudanças consideradas bastante positivas pelo desembargador. José Otávio avalia, contudo, que o legislador, por pressão dos advogados, exagerou um pouco ao exigir uma "fundamentação exauriente" das decisões judiciais, mas entende que "a jurisprudência vai se encarregar de dar um tratamento razoável a essa norma".

Na avaliação do palestrante, o juiz do trabalho deve aproveitar muita coisa do novo CPC, mas sem abandonar os princípios inerentes ao processo trabalhista, como a simplicidade e a efetividade processuais, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias e, sobretudo, o princípio da proteção, inscrito no direito material. "Liberdade, igualdade real, e não formal, das partes e o estabelecimento do contraditório. Eis a trilogia inspiradora do moderno processo de contornos e compromissos democráticos. Penso que deve ser com esse olhar e raciocínio que devemos analisar a aplicação do novo CPC ao processo do trabalho. Nesse sentido, vejo com otimismo a aproximação da vigência do novo Código. Tenho certeza de que, com criatividade, bom senso e inteligência, saberemos extrair da lei o que ela tem de bom, tendo em vista uma maior eficiência e excelência das decisões judiciais."

Já a exposição do juiz José Antônio focou o artigo 15 do novo CPC, que dispõe que, "na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente". Segundo o magistrado, o artigo deixa claro que sua utilização no processo do trabalho está condicionada à existência de lacunas e de compatibilidade entre as normas.

O palestrante, que é doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de Castilla – La Mancha, na Espanha, fez várias críticas ao Código. Para José Antônio, a nova legislação promove uma valorização excessiva da defesa, expressa na exigência da fundamentação exaustiva de todas as decisões judiciais, entre outros dispositivos. Segundo o magistrado, essa orientação tem deixado o juiz do trabalho "apreensivo", pelas provocações de nulidade que deverá sofrer nas audiências, assim como no trâmite executivo. "Nós vamos ter um contraditório levado aos últimos termos. Advogados vão fazer defesas de quinhentas páginas, e o juiz vai ter de fundamentar sua posição sobre tudo isso. Não basta mais citar a súmula", lamentou.

Plenária

Após as palestras, os juízes, divididos em grupos, debruçaram-se sobre algumas questões propostas pelos organizadores do evento. Os posicionamentos dos grupos, apresentados em plenária, convergiram sobre a maior parte das questões. Entre outros pontos, os magistrados concluíram que a regra do artigo 15 do novo CPC não revoga o artigo 769 da CLT (que dispõe que, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas celetistas), seja pelo fato de que lei geral não revoga lei especial, seja porque a aplicação supletiva de uma norma supõe que ela venha auxiliar e reforçar a norma principal e, para tanto, precisa ser com ela compatível, conforme dispõe o próprio artigo 769.

Os juízes também convergiram no entendimento de que a necessidade de fundamentação "exaustiva" da decisão judicial (parágrafos 1º e 2º do artigo 489) e a exigência de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades executadas, prevista no artigo 133 do novo CPC, não se aplicam ao processo trabalhista. "Além de não haver omissão da CLT, não havendo que se falar, portanto, em aplicação subsidiária, não há compatibilidade da norma com os princípios norteadores do processo do trabalho, não havendo, portanto, que se cogitar da supletividade." Na visão dos magistrados, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica representa um retrocesso e "torna ineficaz a finalidade buscada quando se promove o direcionamento da cobrança em face dos sócios da pessoa jurídica, uma vez que estabelece um incidente burocrático que cria cognição quanto ao tema, levando à suspensão temporária do curso do processo, o que colide com os princípios da simplicidade, celeridade e efetividade que orientam o processo laboral". Na forma prevista no novo Código, argumentaram os juízes, o incidente não poderá ser instaurado de ofício pelo magistrado, dependendo de pedido expresso da parte ou do Ministério Público e que deverá ser fundamentado e estar acompanhado dos fatos e embasamentos jurídicos que demonstrem a presença de uma das hipóteses legais.

A plenária se posicionou ainda contra a aplicação ao processo do trabalho do artigo 190 do CPC, que permite às partes, antes ou durante o processo, mudar o procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Prevaleceu o entendimento de que o juiz trabalhista tem autonomia para conduzir o processo do modo mais adequado à solução da lide, sobretudo pelo fato de tratar de direitos indisponíveis, não sendo possível a admissão de negociações jurídicas que obstem a sua iniciativa. "Acordos processuais são interessantes e há tempo têm sido utilizados por nós no dia a dia. Portanto, não necessitamos recorrer a um dispositivo do CPC para dar continuidade a essa prática, submetendo-nos ao engessamento do que é regrado pelo Código. Temos ampla liberdade para conduzir o processo, por meio de atos de ofício, como preceituam os artigos 765, 852-D e 878 da CLT." Considerou-se, também, a necessidade de ser reconhecida a condição de hipossuficiência do trabalhador e sua situação de vulnerabilidade em relação à parte contrária.

Outra conclusão do grupo é a de que não estão obrigados a adotar as súmulas e orientações jurisprudenciais do TST ou dos TRTs, tal como dispõe o novo Código (artigo 927). Primeiro, porque já contam com a Lei 13.015/2014, que disciplina a uniformização da jurisprudência na Justiça do Trabalho. Segundo, porque consideraram o dispositivo inconstitucional, uma vez que lei ordinária não autoriza efeito vinculante.

Foram igualmente consideradas incompatíveis com o processo do trabalho as disposições do artigo 219, que estabelece a contagem de prazo apenas em dias úteis. Na avaliação dos juízes, a norma se contrapõe ao artigo 775 da CLT, que determina que os prazos judiciais, contados com a exclusão do dia do começo e a inclusão do dia do vencimento, sejam contínuos, podendo ser prorrogados somente em situação de força maior.

Dentre as principais inovações do Código consideradas aplicáveis ao processo do trabalho, muitas delas já utilizadas informalmente pelo juiz trabalhista, foram destacadas a possibilidade de a reclamada apresentar pedido contraposto junto com a contestação (artigo 4), a penhora do salário do executado (artigo 833, parágrafo 2º), a definição do preço vil dos bens a serem penhorados (artigo 891, parágrafo 1º), a flexibilização da ordem de escolha dos bens penhorados (artigo 835, parágrafo 1º), a utilização de prova emprestada (artigo 372), a possibilidade de protesto da sentença (artigo 517) e o empenho para a solução da demanda, com a redução das hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito (artigo 4º).

Pesquisa patrimonial

No segundo dia do seminário, foi apresentada a experiência de pesquisa patrimonial do TRT-15 e dos Regionais baiano e mineiro e a discussão de eventuais impactos, nesse tipo de iniciativa, da aplicação do novo CPC.

À frente do Núcleo de Pesquisa Patrimonial (NPP) do TRT da 3ª Região (MG) desde sua instalação, em 2011, a juíza Anna Carolina Marques Gontijo discorreu sobre a contribuição do Núcleo à identificação de patrimônios capazes de garantir a execução em processos que tramitam na Justiça do Trabalho mineira, mediante a utilização das ferramentas estabelecidas através de convênios e parcerias firmadas entre o TRT-3 e instituições públicas e privadas. Vinculado à Corregedoria Regional, o NPP atua em processos envolvendo grande devedores (com ao menos 15 registros no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, o BNDT) ou naqueles em que as varas do trabalho já esgotaram o uso das ferramentas tradicionais, sem obter resultados positivos. O procedimento, explicou a magistrada, consiste em centrar esforços na execução de um processo piloto e, havendo recursos suficientes, garantir a execução dos demais processos contra o mesmo devedor. Segundo Anna Carolina, a despeito das dificuldades encontradas, o Núcleo tem acumulado êxitos em desvendar as alterações contratuais das empresas executadas e na identificação de seus sócios e ex-sócios, garantindo a quitação de créditos trabalhistas que, de outra forma, dificilmente seriam satisfeitos.

A magistrada Ana Paola Santos Machado Diniz, titular da 34ª VT de Salvador e coordenadora da Central de Execução e Expropriação (CEE) do TRT da 5ª Região (BA), deteve-se, por sua vez, na experiência do Regional baiano com a penhora unificada, em que, a partir de um processo piloto, é possível satisfazer outros credores do executado, respeitada a ordem de ajuizamento das ações. Entre outros pontos, a juíza ressaltou o impacto do trabalho desenvolvido pela CEE sobre o moral dos devedores. "A exposição dos relacionamentos econômicos do executado aumenta a pressão sobre ele. O advogado já chega rendido. Ele sabe que a conta, finalmente, chegou."

Na sequência, o juiz auxiliar da Corregedoria da 15ª Região, Oséas Pereira Lopes Júnior, apresentou a experiência do Núcleo de Pesquisa Patrimonial do TRT-15. Criado pelo Provimento GP-CR 1/2014, o NPP tem como objetivo "propor convênios e parcerias entre instituições públicas, como fonte de informação de dados cadastrais ou cooperação técnica que facilitem e auxiliem a execução, além daqueles já firmados por órgãos judiciais superiores", assim como "elaborar estudos sobre técnicas de pesquisa, investigação e avaliação de dados, bem como sobre mecanismos e procedimentos de prevenção, obstrução, detecção e de neutralização de fraudes à execução".

Após as palestras, os magistrados discutiram o tema em grupos, reunindo-se, por fim, em plenária coordenada pelo desembargador Manoel Carlos, para sintetizar as posições e as sugestões dos juízes sobre a atuação nesse campo.

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