Região de Rio Preto passa a contar com Juizado Especial para coibir trabalho infantil
Por Ana Claudia de Siqueira
A duas quadras do Fórum Trabalhista de São José do Rio Preto, sede do sexto e recém-inaugurado Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) da Justiça do Trabalho da 15ª Região, um menino de cerca de 10 anos interpelava as pessoas que ali passavam, oferecendo três abacaxis ao custo de R$ 10,00. "Olha o trabalho infantil", alguém disse. Sem pestanejar, o próprio garoto logo respondeu. "É melhor trabalhar do que roubar ou usar drogas". A cena real e comum do cotidiano brasileiro expõe o tamanho do desafio da sociedade, em especial da Justiça do Trabalho, no enfrentamento do trabalho infantil: a mudança de cultura. Em 2013 eram 3,2 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, em situação de trabalho infantil no País, conforme divulgou o IBGE no segundo semestre do ano passado, por meio da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD).
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, ao promover a instalação do JEIA da Circunscrição de São José do Rio Preto na última sexta-feira, dia 29/5, reforçou o que diz a Constituição Federal, citando, enfaticamente, o artigo 227. "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Lorival mencionou o engajamento do Poder Judiciário Trabalhista que ganhou corpo a partir de um seminário sobre o tema realizado em 2013 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), culminando no lançamento do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil no âmbito da Justiça do Trabalho, que mobiliza os 24 TRTs do País. "Dessa perspectiva surgiu o nosso Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Infantil e a criação dos JEIAS em 10 cidades de nossa jurisdição, que irão, não apenas negar os pedidos de autorização, como também fazer o encaminhamento dos adolescentes para a qualificação educacional e profissional, por intermédio da interlocução com as secretarias municipais, conselhos tutelares e conscientização das famílias".
O presidente do TRT relatou também a experiência bem-sucedida do JEIA de Franca, o primeiro instalado no âmbito do Tribunal, que tem encaminhado as crianças para centros de aprendizagem do Sistema S (SENAI, SENAC e Sesi) e aquelas em situação de maior vulnerabilidade social recebem uma bolsa de estudos custeada por verbas oriundas de Termos de Ajuste de Conduta (TAC) firmados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A iniciativa de Franca conta também com parceria da Defensoria Pública e de diversas instituições.
Presidente do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Infantil da 15ª, o desembargador João Batista Martins César, enfatizou a necessidade de se quebrar o paradigma cultural existente no País de que o trabalho precoce tem um viés positivo e evita a criminalidade. "Pesquisa realizada com detentos do Carandiru apontou que 80% começaram a trabalhar quando crianças". João Batista comparou ainda a questão cultural brasileira com a de outros países. "No Japão a idade mínima para o trabalho é de 16 anos, mas nenhum deles ingressa no mercado nesse período. Só iniciam a atividade profissional após uma boa formação educacional".
O JEIA da Circunscrição de São José do Rio Preto está sob coordenação do diretor do Fórum Trabalhista, juiz Hélio Grasselli, vinculado à 1ª VT, da qual é titular. "A especialização da Justiça é medida que visa assegurar a razoável duração do processo e o bem-estar da coletividade, mormente daqueles que são mais vulneráveis e desassistidos. O passo que damos com a instalação do JEIA terá inegável significância no futuro, já que estamos fazendo parte da formação do jovem de hoje que será o trabalhador adulto amanhã. Uma boa formação fará diferença entre aqueles que alcançam a vitória e os que sucumbem no trajeto", ressaltou. Quanto ao trabalho prematuro, Grasselli também foi enfático ao afirmar que a prática prejudica não só a escolaridade, mas também a própria especialização profissional, condenando o jovem a exercer atividades pouco ou nada qualificadas, por toda sua vida. "Estudos revelam que o homem que começou a trabalhar com 18 ou 19 anos ganha duas vezes ou mais do que aquele que começou aos nove anos", complementou. Grasselli finalizou seu discurso parafraseando Eclesiastes. "Há tempo de ser criança, tempo de brincar; há tempo de ser adolescente, tempo de estudar; tempo de trabalhar; tempo de se aposentar. Façamos tudo no seu devido tempo".
O JEIA de São José do Rio Preto vai atuar localmente ou de forma itinerante, nas 13 unidades judiciárias que compõem a Circunscrição, que são responsáveis pelo atendimento de 112 municípios paulistas. A instalação do juizado reuniu cerca de 80 pessoas no auditório do Fórum Trabalhista. Do TRT estavam presentes os desembargadores Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani (diretor da Escola Judicial da Corte), Eduardo Benedito de Oliveira Zanella (presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo e de Tráfico de Pessoas da Justiça do Trabalho da 15ª Região), Fernando da Silva Borges, Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, Susana Graciela Santiso, Helcio Dantas Lobo Júnior e Carlos Augusto Escanfella, além do juiz Renato Ferreira Franco, representante da Amatra XV, e de diversos magistrados de 1ª instância.
O evento também contou com a presença da procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, Catarina Von Zuben; do presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, Fábio Marcondes; dos deputados estaduais Carlos Bezerra Júnior (presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo e da CPI do Trabalho Infantil) e Ricardo Madalena; do juiz diretor da Justiça Federal em São José do Rio Preto, Adenir Pereira da Silva; do procurador da República, Ricardo Perin Nardi; do juiz da Infância e Juventude de São José do Rio Preto, Evandro Pelarin; do juiz diretor do Fórum Estadual de São José do Rio Preto, Zurich Oliva Costa Netto; do procurador aposentado e ex-procurador-geral do MPT, Guilherme Mastrichi Basso; e dos procuradores do MPT, Ruth Pinto Marques da Silva e Tadeu Henrique Lopes da Cunha.
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