Seminário sobre trabalho infantil e o trabalho seguro do adolescente reúne mais de 300 pessoas em Franca
Por Ana Claudia de Siqueira
O que é o desenvolvimento normal de uma criança e quais danos ocorrem quando interrompido? O abandono, a ausência de afeto e o trabalho infantil foram abordados pelo psicólogo Ivan Roberto Capelatto em conferência que integrou a programação do seminário O trabalho decente sob a ótica da erradicação do trabalho infantil e do trabalho seguro do adolescente: todos juntos pelo direito à proteção integral, promovido gratuitamente nesta sexta-feira, dia 27/3, em Franca, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e pela Escola Judicial da Corte, numa iniciativa do Fórum para Erradicação do Trabalho Infantil de Franca, e dos programas nacionais da Justiça do Trabalho de Prevenção de Acidentes do Trabalho e de Combate ao Trabalho Infantil, capitaneados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).
Mais de 300 pessoas lotaram o salão do SENAI ao longo de toda esta sexta-feira, entre magistrados, procuradores, representantes de instituições sociais e sindicais, conselheiros tutelares, estudantes, advogados e demais operadores do Direito. O diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani apresentou o conferencista, que é mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas) e autor de diversos livros sobre a temática da infância e da adolescência. Capelatto iniciou sua explanação relatando experiências como profissional e seu envolvimento com o combate ao trabalho infantil em meados de 1980, quando se deparou com casos de crianças inseridas no tráfico de drogas, no turismo sexual e no manejo da cana-de-açúcar. Por meio de slides, explicou resumidamente a neurobiologia da emoção, o sistema límbico e a importância da amídala cerebral - responsável pelas emoções, educação e aprendizagem -, que se forma aos 45 dias de vida fetal. "É uma peça fundamental dos mecanismos de sobrevida e de relações entre os humanos".
O psicólogo abordou o conceito de afeto, que é a união e medo de perder. "Esta união pode gerar raiva. Alunos com dificuldades afetivas irão projetar em seus professores o afeto que falta, daí as agressões e distúrbios de conduta". Segundo Capellato, o córtex orbitofrontal, responsável pelas tomadas de decisão, funções executivas e juízo critico só se forma entre os 23 e 25 anos de idade. A ausência de um ambiente saudável e de parceria familiar gera a falta de autoestima, o que pode levar ao consumo de álcool e drogas. "Estas substâncias inibem a amídala cerebral, que fica anestesiada".
Pesquisa do Centro de Estudos Latino-Americanos (CELAB) realizada em 2012 sobre o mapa da violência apontava a incidência de 30 a 40 suicídios diários no Brasil, envolvendo crianças e adolescentes. De acordo com Capellato, o sujeito humano do século XX, por conta dos horrores da Segunda Guerra Mundial, tinha a figura paterna como predominante e o medo da morte. Nos dias atuais, o que rege esse sujeito humano é a sociedade do prazer a qualquer custo e a qualquer preço. "O pai se afasta da família procurando novas formas de amor e de prazer, como se tornasse ele mesmo a ser o filho e não mais um pai. Estamos hoje num momento complicado. Dentro desta dinâmica de perdas e confusão, as crianças e jovens vão esvaziar sua capacidade de sentir que pertencem a um lugar. Surge então a escola e outros elementos da sociedade como mecanismos da transferência. Neste momento incluímos o trabalho escravo infantil como consequência da falta fundamental da figura cuidadora", ressaltou. Para Capellato é preciso ser desejado e ser cuidado, daí a importância da união de esforços, via leis, família e escola, num grande projeto para buscar parcerias e eliminar o trabalho infantil.
Solenidade de abertura
Na solenidade de abertura, o presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, destacou a importância do evento como forma de estímulo à participação e ao fortalecimento das redes de proteção às crianças e adolescentes. "O TRT está trabalhando nessa perspectiva do trabalho decente, tendo exatamente como pontapé inicial, um seminário sobre o trabalho infantil que discutiu as mazelas, a condição da criança, sua capacidade física e biológica, ainda não preparada ou formada para o trabalho. São 3,2 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil. Por isso que o TRT criou os Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIAs) numa perspectiva de concentrar nas mãos do juiz não apenas os conflitos, mas também o exame detido e preciso com relação às autorizações de trabalho infantil".
Presente na solenidade, o deputado estadual Carlos Bezerra afirmou que a temática do trabalho infantil transpassa os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e é preciso articulação e união de esforços. "Há uma cultura enraizada em nosso País, o último do mundo a abolir a escravidão, de que o trabalho enobrece e quanto mais cedo iniciar melhor. Mas a maioria da população carcerária também trabalhou na infância. Não tem nada a ver com a questão da dignidade. Tem que levar em consideração que quanto mais cedo, menores serão as condições de se encontrar empregos melhores. O ciclo da miséria não se rompe com o trabalho e sim com a educação. Temos uma tarefa enorme de trabalhar para uma mudança cultural, com informação e denúncia", salientou.
Além do presidente Lorival e do deputado, compuseram a mesa de honra, a secretaria de Ação Social de Franca, Gislaine Alves Lipironi Pires (representando o prefeito Alexandre Augusto Ferreira); o presidente da Câmara, Marcos Garcia; o jurista Oris de Oliveira; o diretor da Escola Judicial da Corte, desembargador Francisco Giordani; o gestor regional para o 2º Grau do TRT-15 do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, desembargador Edmundo Lopes Fraga; o presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15, João Batista Martins César; a juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca, diretora do Fórum e coordenadora do JEIA de Franca, Eliana dos Santos Alves Nogueira; a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região, Catarina Von Zuben; a defensora pública do Estado da Regional Ribeirão Preto – unidade Franca, Mariana Carvalho Nogueira; a procuradora do Trabalho em Ribeirão Preto, Regina Duarte da Silva; a representante da Subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiza Helena Roque; a coordenadora pedagógica do SENAI de Franca, Elaine Aparecida Negrini; a secretária municipal de Pedregulho, Lâmia Jorge Saad Tozzi; e o prefeito de Patrocínio Paulista, Marcos Antonio Ferreira. Do TRT, estavam na plateia os desembargadores Flavio Allegretti de Campos Cooper (presidente do Tribunal na gestão 2012-2014) e Helcio Dantas Lobo Junior, além do juiz José Roberto Dantas Oliva, coordenador do JEIA de Presidente Prudente, titular da 1ª VT e diretor do Fórum daquele município e Alexandre Alliprandino Medeiros, titular da 2ª VT de Jaú, recém-nomeado gestor regional de 1º Grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho.
Homenagem ao jurista Oris de Oliveira e aula magna
O jurista Oris de Oliveira, natural e Franca, e uma referência no estudo sobre trabalho infantil e profissionalização do adolescente, foi homenageado pelo TRT, com a condecoração do Grande Colar da Ordem do Mérito Judiciário da Justiça do Trabalho da 15ª Região em virtude dos relevantes serviços prestados à Justiça do Trabalho e à ciência jurídica. O presidente Lorival, após a entrega da honraria, exaltou os grandes feitos do jurista, mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com especializações no exterior e formação também em Filosofia, além da publicação de diversas obras. "O TRT não poderia deixar de fazer esta homenagem e todos os nossos desembargadores foram unânimes em designar essa condecoração", assinalou Lorival.
Os participantes assistiram com atenção a uma aula magna do professor Oris de Oliveira, também titular da Universidade de Franca e aposentado da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Oliveira fez breves considerações históricas acerca da erradicação do trabalho infantil no Brasil, a partir de 1932. Porém, foi na década de 1980 que a preocupação social ganhou mais vulto com o número crescente de meninos de rua e o surgimento de projetos eficientes, como o Axé na Bahia e de uma iniciativa canadense, do qual fez parte, que buscou alternativas aos modelos existentes de internação de menores infratores. "Não se questionava o trabalho de crianças e adolescentes. Havia grande aceitação das famílias, da sociedade e dos empregadores. Foi quando se criou um movimento nacional em prol dos meninos de rua e a elaboração de um estatuto do qual colaborei com a formatação".
Com a criação de uma agenda nacional e, em 1992, do Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (PETI) surgiu um ambiente mais favorável, impulsionado ainda pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a formação dos conselhos tutelares. Para Oris, se faz necessária ainda uma nova cultura e a intensificação da rede de proteção, com a atuação dos governos federal, estadual, municipal, o MPT, o MTE e o TRT. O professor destacou a importante iniciativa do Tribunal Regional do Trabalho de instalar os Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIA), inclusive em Franca.
Erradicação do Trabalho Infantil
O desembargador do TRT da 15ª Região, Edmundo Fraga Lopes, gestor regional para o 2º Grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, discorreu sobre o currículo da cientista social e secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Maria de Oliveira, que apresentou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, os compromissos do Brasil, bem como o envolvimento de todos na luta pela erradicação. "Houve a construção de um consenso no país de que o trabalho infantil é uma grande violação dos direitos humanos. Um conjunto de medidas foram adotadas, a partir dos anos de 1990, com a promulgação do ECA e do PETI da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que ainda inda permanece no Brasil", salientou.
Isa apontou os diversos avanços da legislação brasileira, em especial a garantia dos direitos da criança a partir da inauguração do marco legal, a Constituição de 1988 e a Convenção dos Direitos da Criança em 1990, e elencou as medidas adotadas pelo País para o enfrentamento do trabalho infantil, com destaque para o Programa de Erradicação em 1996 e a mobilização do Fórum Nacional pelo governo federal. "Outros segmentos da sociedade também tomaram iniciativas importantes como o MPT que criou a coordenadoria de combate a exploração do trabalho infantil", complementou.
Com relação a dados estatísticos, a cientista social apresentou números alarmantes. Em 2013 havia 61 mil crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho infantil, a maioria nas regiões Norte e Nordeste do País. Na faixa etária de 10 a 13 anos, eram 446 mil e entre 14 a 15 anos, na qual a aprendizagem de trabalho é permitida, o número ultrapassava os 800 mil. "Nessa faixa, apenas 5% estavam na aprendizagem", emendou. Quanto aos adolescentes de 16 a 17 anos, o número era ainda maior, 1,875 milhão.
De acordo com a especialista, a situação também é bastante crítica no que diz respeito às piores formas de trabalho infantil, com maior incidência nas famílias mais pobres, de renda mensal per capita de até ¼ do salário mínimo. Das crianças que trabalham, 80,2% estudam e tem baixo rendimento escolar; 33,2% trabalham no campo, sendo que mais de 60% tem menos de 14 anos. As conseqüências são trágicas: óbitos, adoecimentos e acidentes de trabalho, além do risco de aliciamento para uso e tráfico de drogas, e exploração sexual. Nos últimos sete anos, registrou-se a ocorrência de 17.000 acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes no Brasil (Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN/ Ministério da Saúde).
Isa de Oliveira assinalou os desafios, diante do compromisso do governo brasileiro de erradicar o trabalho infantil, eliminando as piores formas até 2016 e todas as formas até 2020, reforçando a necessidade de se combater o trabalho infantil doméstico, onde estima-se, existam mais de 200 mil meninas de 5 a 17 anos. Para Isa é necessário fazer um pacto, articular e implantar políticas públicas, além de uma estruturação de serviços de qualidade para crianças e adolescentes retirados do trabalho infantil. "Temos que priorizar a escolarização, que é obrigatória, investir em fiscalização e monitoramento das cadeias produtivas e, sobretudo, cumprir a legislação, com adoção de mecanismos para evitar o retrocesso social". Segundo Isa, a legislação brasileira é referência mundial, a prática ainda não condiz, mas o país tem condições de atingir as metas preestabelecidas.
JEIA de Franca
A experiência do Juizado Especial da Infância e da Adolescência (JEIA), instalado pela Justiça do Trabalho da 15ª Região em novembro do ano passado em Franca, foi tema de uma mesa-redonda, sob mediação do desembargador João Batista Martins César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15. A juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca, diretora do Fórum e coordenadora do JEIA de Franca, Eliana dos Santos Alves Nogueira, a defensora pública do Estado da Regional Ribeirão Preto – unidade Franca, Mariana Carvalho Nogueira e a procuradora do Trabalho em Ribeirão Preto, Regina Duarte da Silva, apresentaram os primeiros resultados da parceria bem sucedida para combater o trabalho infantil na região. Nos três primeiros meses de funcionamento, o JEIA recebeu 80 pedidos de autorização para o trabalho de jovens entre 14 e 16 anos. "Todos foram negados e as crianças, encaminhadas para o SENAC, SENAI e CIEE", ressaltou a juíza Eliana. Os adolescentes recebem uma bolsa de R$ 400,00, custeada por verbas oriundas de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados entre empresas e o MPT.
Na sequência, o juiz titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva, introduziu o palestrante João Batista Amâncio, gerente regional substituto do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/ Campinas), que abordou os malefícios causados pelo trabalho precoce do ponto de vista clínico e de segurança, reforçando a necessidade de se respeitar a idade mínima para o trabalho do ser humano.
Com apresentação da procuradora do trabalho Regina Duarte da Silva, a conferência de encerramento teve como tema o Trabalho infantil envolvendo o núcleo familiar: estratégias de combate e responsabilização da cadeia produtiva, promovida pelo procurador do MPT no Pará e Amapá, Rafael Dias Marques. Ao final do evento – que contou com o apoio do MPT, SENAI, Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (Sindifranca) – foi divulgada e aprovada a Carta de Franca para Erradicação do Trabalho Infantil.
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