“Trabalho seguro: automação e acidente de trabalho” é o tema do 4º painel do Congresso do TRT da 15ª, no Theatro de Paulínia
Por Ademar Lopes Junior
O segundo dia do XV Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, nesta sexta-feira, 12/6, foi aberto com o quarto painel, que teve como tema o "Trabalho seguro: Automação e acidente do trabalho". O desembargador Edmundo Fraga Lopes, gestor regional para o segundo grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), apresentou os dois palestrantes, o procurador do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região, Ronaldo José Lira, e o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, Renan Ravel Rodrigues Fagundes.
O desembargador Edmundo ressaltou que o programa torna os juízes atores no processo, e não meros expectadores. O magistrado repassou os temas do programa desde 2012 (construção civil, transporte rodoviário de passageiros e cargas, trabalho rural e o atual, que trata da NR-12, sobre o princípio da falha segura).
O procurador Ronaldo Lira advertiu, de pronto, que o tema (automação), complexo e desafiador, mas que ao mesmo tempo é uma "importante bandeira para o Ministério Público". Num mundo cada vez mais tecnológico e automatizado e que assiste ao surgimento constante de novas formas de trabalho, o mais importante continua sendo "o direito à vida", afirmou Lira.
Segundo o procurador, contrariamente ao que se acredita, as Normas Regulamentadoras (NRs) "por si sós não garantem a segurança do trabalhador", e acrescentou que a Justiça do Trabalho conhece muito bem o tema, pela aplicação dos adicionais. Lira criticou a prática recorrente de se analisar o acidente do ponto de vista "da culpa exclusiva da vítima ou da fatalidade".
Lira também abordou os institutos do ato inseguro e da condição insegura, conceitos abandonados na Europa e nos Estados Unidos já há algum tempo, devido à análise superficial que esses conceitos ensejam. Nem sempre a análise mais fácil (culpa da vítima) esgota o assunto. Para isso, é importante se entender a diferença entre trabalho prescrito e trabalho real. Segundo o procurador, "o erro humano é mais fácil para explicar o acidente, porém o grande desafio é entender o sistema que propicia o erro".
O procurador Ronaldo Lira falou ainda dos fatores organizacionais patogênicos, como as pressões produtivas excessivas, o assédio moral e a falta de ineficácia do retorno de experiência. Esse retorno de experiência, que é na prática o aprendizado com os próprios erros, segundo Lira, nem sempre acontece, e as causas profundas desses erros estão enraizadas em fatores organizacionais de trabalho.
O procurador Lira defendeu ainda que o princípio da falha segura de que trata a NR-12 deverá ser substituído pelo princípio do estado da técnica, que prevê "fazer o que for possível", o que não significa deixar em risco o trabalhador. Esse princípio de estado da técnica, mais amplo que o da falha segura, revela uma metodologia do acidente organizacional. Segundo o procurador, o acidente é sempre um evento único e representa a "ponta do iceberg", demonstrando o fracasso da segurança do trabalho.
A automação também foi outro tópico abordado pelo procurador Ronaldo Lira. Apesar de ter crescido muito nos últimos anos, a automação, ou robotização das indústrias, "pode ser ótimo, do ponto de vista da segurança do trabalhador, como nos casos das fábricas de embalagens e nos frigoríficos, setores que registram altos índices de adoecimentos e acidentes", afirmou o palestrante que, porém, lançou uma dúvida: "Mas a automação, em si, representa um incremento da segurança?"
Segundo o palestrante, o tema pede reflexão e passa por uma investigação mais apurada que envolve trabalhadores, conhecimento da "burla" no chão de fábrica, cumprimento de metas e produção, e que pode, algumas vezes, exigir do Ministério Público assumir um de seus papéis mais cruéis, que é o de interditar uma empresa. Para Ronaldo Lira, porém, mais do que tudo, "esse é um direito à vida" e para ele "la vita è bella", concluiu.
O segundo palestrante, o juiz Renan Ravel, abriu sua exposição com um cenário de acidentalidade desafiador, que registra números de acidentes com máquinas, num recorte de tempo entre 2011 e 2013. Segundo o quadro, nesse período foram 221.843 acidentes (sendo 90 mil só em São Paulo), 41.993 com fraturas, 13.724 com amputações e 601 mortes (fonte: Comunicação de acidentes de trabalho).
Os números, segundo o magistrado, sugerem uma reflexão. Baseado em John Ruggie, do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Ravel destacou alguns dos 31 princípios orientadores sobre empresas e direitos humanos, especialmente no que se refere a práticas para se alterar a cultura do acidente de trabalho.
O primeiro referencial é "proteger", com foco no Estado como garantidor do meio ambiente do trabalho. Para Ravel, "um marco normativo adequado e efetivo", com destaque para a NR-12, fruto de um longo trabalho que busca uma nova cultura no trabalho com máquina.
O segundo referencial é "respeitar", que tem seu foco nas empresas, especialmente porque são elas que se utilizam do material humano e a elas cabe sua proteção. Às empresas cabe a responsabilidade social de conhecer e cumprir normas de auditoria ambiental.
Esse referencial também tem como foco o poder executivo, no que diz respeito a promover orientação, fiscalização e medidas preventivas e promover a sanção premial (dec. 3.048/99). Ao Ministério Público, o referencial "respeitar" prevê acordo de cooperação técnica com o Ministério do Trabalho e Emprego e com o INSS, numa atuação proativa e estratégica nas empresas com maior índice de acidentalidade.
Ao Judiciário do trabalho, o referencial representa uma jurisdição substantiva e criativa, especialmente com a tutela inibitória para a remoção do ilícito e ações regressivas (não somente as obrigações de não fazer, mas também as de promover melhora no universo do trabalhador).
O terceiro referencial "remediar", segundo o juiz Ravel, é o "menor de todos na prevenção dos acidentes", mas diz respeito à qualidade da prova pericial envolvendo acidente com máquinas e às dimensões do princípio da reparação integral que, na prática, é a necessidade de se reparar um dano ocorrido.
O magistrado encerrou sua exposição com a citação de Samuel Moyn, para quem os "direitos humanos não são apenas herança a ser preservada, mas também invenção a ser recriada".
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