Ateador de fogo em canaviais será indenizado por danos morais, estéticos e materiais
Por João Augusto Germer Britto
Considerando que as alegações de defesa beiraram a má-fé, por atribuir ao empregado culpa exclusiva pelo acidente, o desembargador João Batista Martins César manteve condenação do 1º grau que concedeu indenização por danos morais, estéticos e materiais a reclamante que se viu cercado por incêndio em canavial.
O caso ocorreu em uma usina, no ano de 2007, em acidente dado como incontroverso e que atrai, segundo o relator, a teoria objetiva da responsabilidade civil. O voto pondera ser desnecessária "a exposição de argumentos à larga para demonstrar o evidente e acentuado risco decorrente do exercício da atividade desempenhada pelo reclamante, que trabalhava na queima controlada de cana-de-açúcar (...)".
O próprio trabalhador narrou que, ao iniciar a queima, " quando se encontrava no carreadouro de cana, (…) o fogo se espalhou rapidamente e o cercou, não lhe dando chances de correr, e na tentativa de se proteger (…) se jogou numa valeta (canal de vinhaça) e, após o fogo passar, o Autor, todo queimado, correu até seu encarregado, que lhe socorreu", acrescentando que, após o acidente, "foi hospitalizado (com) queimaduras gravíssimas de 3º e 4º graus na face, tronco, membros superiores (...), nádegas, costas e dedos da mão direita". Foram necessárias 17 intervenções cirúrgicas (aproximadamente) e afastamento do trabalho por mais de 4 anos.
A decisão de 2º grau adotou o que percebido pelo juízo de origem, no sentido de que "a atividade produtiva da Reclamada está classificada, segundo o Anexo 5 do D. 3.048/99 – Relação de Atividades Preponderantes e correspondentes graus de risco (conforme a classificação nacional de atividades econômicas) como de risco máximo, em nível "3" (CNAE 0113-0/00), isso tomando-se a atividade num plano geral, a envolver o plantio e corte. Que dirá em relação à atividade de queima. Tanto assim o é que, para a realização desta específica atividade – queima da cana, exige-se, dentre os equipamentos de proteção individual, vestimentas antichamas. Só isso está a indicar que o risco é, sim, significativamente considerável".
João Batista ressaltou que "causam espanto as considerações da recorrente acerca da culpa exclusiva da vítima, argumentando que 'as Usinas utilizam método eficaz, de amplo domínio para despalha de cana-de-açúcar, mediante o uso de fogo. O procedimento é secular, observando-se normas que tornam o procedimento absolutamente seguro' e que o autor, utilizando procedimento incorreto, deu causa ao acidente! O que pode a reclamada ter deixado de entender? O autor, na função de ateador de fogo em canaviais, por ordem da reclamada, foi cercado pelo fogo em razão da mudança de orientação do vento (fato corriqueiro e que deveria ter sido objeto de prevenção pela empresa) e salvou a vida porque rapidamente se jogou em valeta (canal de vinhaça) próxima, da qual só pôde sair após a extinção do fogo, com o corpo totalmente queimado".
A relatoria ponderou ainda que o "princípio da alteridade, diretamente incidente na relação de emprego, faz com que a reclamada assuma os riscos de sua atividade, o que, certamente, não engloba somente as intempéries econômicas e financeiras. Portanto, constatadas as tristes consequências do infortúnio, deve ela responder pelo dano. Trata-se, ademais, de ônus demasiadamente ínfimo se confrontados os riscos da atividade desenvolvida com o lucro efetivamente obtido".
O desembargador acrescentou também que "não bastasse a argumentação relativa ao fato de que a responsabilidade civil, nesse caso, é indubitavelmente objetiva, também não resta dúvida de que, se assim não fosse, a reclamada agiu com culpa ao se furtar de levar a cabo todas as providências possíveis e existentes para evitar o dano. Destaco também a despreocupação da reclamada com degradação do próprio meio ambiente e com o desequilíbrio no ecossistema ao insistir nas queimadas para despalhamento, repelidas pelos órgãos ambientais, objeto de normas legais proibitivas e inclusive de Ações Civis Públicas".
A soma dos valores dos danos moral, estético e material ultrapassou R$ 850 mil reais e foi mantida pela 11ª Câmara do Tribunal (Processo 000640-96.2012.5.15.0112, Sessão de 08/03/2016, votação unânime).
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