Desembargadores e sociedade civil debatem, em Bauru, combate ao trabalho infantil
Por Willians Fausto
A peregrinação de um jovem para salvar sua visão, uma chupeta encontrada dentro de um saco de carvão e adolescentes apreendidos após muito trabalharem poderiam ser personagens de uma ficção. Mas Gedeão, que aos 10 anos perdeu um olho enquanto pregava caixas de tomate, a chupeta deixada por uma criança em um forno de uma carvoaria e o trabalho precoce como característica comum de quase 90% dos adolescentes internados na Fundação Casa foram alguns dos casos reais apresentados por desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região às 400 pessoas de Bauru e região que participaram do seminário Combate ao Trabalho Infantil, realizado na quinta-feira (2/6).
Promovido pela Escola Judicial do TRT-15 e pela diretora do Fórum Trabalhista de Bauru, juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e em parceria com a Instituição Toledo de Ensino (ITE) e com a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), o seminário reuniu magistrados, procuradores do trabalho, professores, conselheiros tutelares, servidores públicos, assistentes sociais e estudantes.
Todos enfrentaram chuva forte para ouvir quatro especialistas falarem sobre o tema combate ao trabalho infantil, todos desembargadores do TRT-15: Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, diretor da Escola Judicial do TRT-15; João Batista Martins Cesar, gestor regional do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem; Edmundo Fraga Lopes, gestor regional em 2º grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho; e Luís Henrique Rafael, recém-empossado no cargo de desembargador.
Antes do início das apresentações temáticas, autoridades dialogaram com os participantes sobre a importância de um seminário sobre trabalho infantil na região Centro-Oeste de São Paulo. O diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Francisco Giordani, iniciou ressaltando a interação entre o TRT da 15ª Região e a população paulista. "Somos um Tribunal que interage com a sociedade. Acreditamos que é preciso prevenir e orientar as pessoas sobre esta terrível chaga chamada trabalho infantil", afirmou.
O prefeito de Bauru, Rodrigo Agostinho, lembrou a necessidade de os participantes ficarem atentos a tentativas silenciosas de alguns grupos sociais de desregulamentar direitos e retirar a rede de proteção social já estabelecida. "A crise política e institucional pela qual passamos tem sido utilizada para levar ao Congresso Nacional uma série de pautas que enfraquecem ou retiram direitos sociais, inclusive alguns relacionados ao trabalho infantil", alertou.
Além do prefeito, também participaram das exposições pré-debates a secretária de educação de Bauru e coordenadora da ITE, Vera Mariza Regino Casério, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Bauru, Alessandro Biem Cunha Carvalho. Na fala de ambos, dois traços comuns. De uma lado, o agradecimento à Escola Judicial do TRT-15 por levar a Bauru um seminário sobre tema tão relevante. De outro, o incomodo por, em pleno século XXI, no estado mais rico do Brasil, o trabalho infantil ainda ser um problema a ser combatido, sobretudo por meio da prevenção e da educação.
Apresentações
A história de Gedeão foi apresentada aos participantes pelo gestor regional em 2º grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, desembargador Edmundo Fraga Lopes. O garoto que ganhava cinco centavos para cada caixa de tomate montada teve o olho atingindo por um prego no ano 2000. Na época, percorreu, sem sucesso, hospitais do interior de São Paulo para tentar salvar a visão. Hoje utiliza uma prótese. "Se acidentes acontecem com os adultos, imaginem com as crianças. Essa dura realidade só será alterada quando conseguirmos criar uma cultura social de prevenção", afirmou o desembargador Edmundo.
Em 2013, as unidades do Ministério da Saúde socorreram 2.326 crianças e adolescentes vítimas de acidente de trabalho. Entre as elas, há aquelas que perderam olhos, dedos, mãos, braços e a vida. A Organização Internacional do Trabalho estima que há, no mundo, aproximadamente 115 milhões de crianças trabalhando em atividades perigosas ou proibidas. Desse total, pelo menos 3,5 milhões estavam no Brasil, de acordo com dados de 2012 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE.
A chupeta encontrada em um saco de carvão chegou às mãos do desembargador Luís Henrique Rafael quando ele era procurador do trabalho. A objeto inusitado era um indício de que uma carvoaria localizada na Região de Bauru empregava mão de obra infantil. "Quando cheguei ao local, descobri que o empresário utilizava crianças porque elas são pequenas e era mais fácil entrarem no forno e revolver a lenha", explicou, indignado, o desembargador.
Fiscalizações como a realizada na carvoaria foram alguns dos casos apresentados aos participantes do seminário pelo desembargador Luís Henrique, que tratou das ferramentas utilizadas pelo Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho infantil. Mereceu destaque a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, criada em no ano 2000 para promover, supervisionar e coordenar ações contra a exploração do trabalho de crianças e adolescentes. "A Coordinfância fez com que o combate ao trabalho infantil passasse a ser uniforme e coordenado no MPT, fortalecendo muito as ações nos estados", disse.
Coube ao gestor regional do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-15, desembargador João Batista Martins Cesar, desconstruir uma série de mitos associados ao trabalho infantil. O primeiro a ser desfeito com números foi o de que o trabalho é um fator positivo para crianças pobres. Pesquisa realizada com adolescentes internados na Fundação Casa constatou que quase 90% deles têm com história comum o trabalho precoce. "Trabalhar não é sinal de que a criança não se envolverá com crimes no futuro. Infância é tempo de brincar e de aprender, essas são as melhores formas de assegurar uma boa formação física, psicológica e moral", explicou.
O desembargador João Batista também lembrou aos participantes que o a realização de ações contra o trabalho infantil não é uma questão discricionária do administrador pública. "Trata-se de princípio constitucional e que, em quaisquer circunstâncias, deve ter prioridade", destacou.
Autoridades
Além dos desembargadores palestrantes e de personalidade locais, outras autoridades também foram ao auditório da ITE prestigiar e participar dos debates promovidos pela Escola Judicial do TRT-15. O juiz do trabalho Paulo Bueno Cordeiro de Almeida Prado Bauer representou a Amatra XV, associação parceira na realização do seminário e na qual ele ocupa o cargo de vice-presidente. Já a Caixa Econômica Federal foi representada pelo superintendente regional Ubiratan Lima de Oliveira.
O seminário também contou com a participação de uma série de juízes do trabalho, além da coordenadora do Juizado Especial de Infância de Adolescência de Franca, juíza do trabalho Eliana dos Santos Alves Nogueira, e dos desembargadores do TRT 15, Maria Madalena de Oliveira e Edison dos Santos Pelegrini.
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