Em Albacete, Espanha, mais de cinquenta magistrados, advogados e professores brasileiros tratam da “crise no direito do trabalho”

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Mais de cinquenta magistrados, advogados, servidores públicos e professores universitários brasileiros e espanhóis se encontraram nos dias 7 e 8 de novembro, no campus da Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM), em Albacete, Espanha, para a Primeira Jornada Hispano-Brasileira do Espaço Judicial e Acadêmico. O evento debateu os temas "Crise no âmbito do direito do trabalho e da segurança social" e "Consequências da globalização e suas repercussões no direito do trabalho".

A jornada, que teve como título "Algumas dimensões nacionais e supranacionais dos direitos sociais em um mundo em crise", foi organizada pela Faculdade de Relações Laborais e Recursos Humanos de Albacete, em colaboração com o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho do Brasil (Ipeatra). O encontro contou com a participação dos desembargadores Henrique Damiano, vice-presidente administrativo do TRT-15, e João Batista Martins Cesar, da 6ª Turma da Corte (11ª Câmara), e do advogado Raimundo Simão de Melo, procurador do trabalho aposentado, professor e vice-presidente do Ipeatra.

Presidente do Instituto, João Batista Martins Cesar fez parte da mesa de abertura da jornada e palestrou sobre o tema "Proibição do pagamento por produção nas atividades insalubres, perigosas e penosas", tendo por base a decisão paradigmática da 11ª Câmara do TRT-15 proferida no processo 0001117-52.2011.5.15.0081. No julgamento do recurso, o palestrante apresentou divergência ao voto proposto pelo relator, a qual foi integralmente acolhida pelo juiz Hélio Grasselli e serviu de fundamento para a elaboração do acórdão. Na ocasião, o desembargador João Batista asseverou: "A proibição do pagamento por produção, no caso específico dos cortadores de cana, é medida impeditiva de retrocesso social. Como é sabido, nesse caso existe um estímulo financeiro capaz de levar o trabalhador aos seus limites físicos e mentais, para que, mesmo assim, aufira salário mensal aviltante e incapaz de suprir as necessidades básicas próprias e as de sua família. Não se deve concluir pela proibição do pagamento por produção para todas as profissões, mas tão somente para aquelas cujas peculiaridades as tornem penosas, degradantes e degenerativas do ser humano. É o caso dos cortadores de cana, embora não exclusivamente. Deve-se entender, de uma vez por todas, que o cortador de cana remunerado por produção não trabalha a mais porque assim deseja. Muito pelo contrário: ele trabalha a mais, chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque precisa ganhar algo para sobreviver. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela sua necessidade de sobreviver e prover sua família. A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, Fundamentos da República Federativa do Brasil, devem impedir a manutenção de uma situação que remonta aos abusos cometidos durante a 1ª Revolução Industrial, de modo que a coisificação do ser humano que trabalha nos canaviais é realidade que não se admite há muito tempo".

Num painel presidido pelo advogado Henrique Bassi de Melo, que atua no âmbito do TRT da 15ª Região, o professor Raimundo Simão de Melo palestrou sobre o tema "A interpretação do Tribunal Superior do Trabalho em matéria de convênios coletivos de trabalho". Ele abordou o sistema de garantias trabalhistas no Brasil a partir do artigo 7º e incisos da Constituição Federal, como garantias mínimas que todos devem respeitar, inclusive os órgãos da Justiça do Trabalho. Falou também sobre a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) em duas decisões nas quais a Corte fez prevalecer o negociado sobre o legislado, e o contraponto do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que vem adotando uma linha protetiva dos direitos dos trabalhadores, não aceitando negociações coletivas prejudiciais a eles, "especialmente no momento em que os ventos sopram a favor de um certo desmonte do direito do trabalho". Melo concluiu sua fala enaltecendo a atuação dos órgãos e entidades que aplicam e defendem os direitos dos trabalhadores, como o Ministério do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e os sindicatos, "os quais estão todos ameaçados com as reformas que se quer implementar no Brasil, no campo trabalhista".

Sobre a crise no âmbito do direito do trabalho e da segurança social, a professora da UCLM e coordenadora das jornadas, Maria José Romero, afirmou que "falar no direito do trabalho na crise é falar do próprio direito do trabalho", explicando que, "a partir da década de 1980, há uma tentativa de ‘colocar panos quentes' à crise através de um fenômeno que se agravou no novo milênio e que foi definido como ‘reforma permanente do mercado de trabalho'". A respeito do tema, a professora explicou que o mercado de trabalho "é diferente do mercado do capital e do mercado financeiro". Para ela, "o mercado de trabalho precisa ser regulamentado conforme os princípios constitucionais e do direito internacional do trabalho, com especial atenção aos princípios do direito do trabalho e da segurança social".

Quanto às consequências da globalização e suas repercussões no âmbito do direito do trabalho e da segurança social, a professora explicou que a globalização "denota a expansão e o aprofundamento das relações sociais e das instituições através do espaço e do tempo". "Já é comum que as práticas e decisões dos grupos e comunidades locais ou regionais possam ter importantes repercussões globais e referenciais para os direitos dos trabalhadores", acrescentou.

O evento teve a participação de D. Julián Garde López-Brea, vicerrector de Investigación y Política Científica, D. Joaquín Aparicio Tovar, director de Jornadas Científicas, D. Antonio Baylos Grau, catedrático de Derecho del Trabajo y Seguridad Social da UCLM, director del Departamento de DTTS y director del CEDLS, Dña. María José Romero Rodenas, decana de la Facultad de Relaciones Laborales de la UCLM – Albacete, e Dña Lorena de Mello Rezende Colnago, representando la REDLAJ.

A Jornada contou com uma variada gama de temas e personalidades palestrantes: D. Joaquín Aparicio Tovar palestrou sobre a tensão entre os direitos sociais e as liberdades econômicas na União Europeia, bem como sobre o pacto mundial para o emprego e o papel dos sindicatos; Enrique Gasco García fez um balanço sobre as reformas laborais na Espanha; o advogado brasileiro José Affonso Dallegrave Neto apresentou um balanço sobre as reformas trabalhistas no Brasil; o professor Antonio Baylos palestrou sobre o sindicalismo no mundo globalizado; Óscar Contreras Hernández apresentou uma análise sobre a mobilidade dos trabalhadores no âmbito do Mercosul; o desembargador do TRT-4 (RS) Marcelo José Ferlin D´Ambroso fez uma apresentação sobre a tutela do trabalhador migrante no Brasil; Luis Collado García palestrou sobre a interpretação dos tribunais a respeito das dispensas coletivas; Jesús Rentero falou a respeito da doutrina do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a sucessão de empresas nos casos de terceirização; a professora Amparo Merino Segovia apresentou uma análise sobre a responsabilidade social das empresas; a professora Belén Cardona Rubert falou sobre a precariedade do trabalho e os novos perfis da pobreza; Juan Luis García Ríos apresentou um estudo sobre o sistema de garantia aos empregos dos jovens; o desembargador do TRT-9 (PR) Sérgio Murilo Rodrigues Lemos palestrou sobre as dimensões nacionais e internacionais dos direitos sociais em um mundo em crise; e o advogado brasileiro Marcus Kaufman discorreu sobre o sindicalismo no Brasil, afirmando que não temos liberdade sindical.

Concluindo o evento, foram apresentadas e defendidas várias teses sobre os temas debatidos, inclusive por representantes do Brasil, entre eles servidores da Justiça do Trabalho.

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Comunicação Social