Entre a intermediação fraudulenta e o ônus desmedido para o empregador: decisão exclui preparo do solo e transporte da condenação de usina que industrializa e fabrica álcool e açúcar
Por João Augusto Germer Britto
Em ação civil pública que, em sentença e no 2º grau, reconheceu-se ofensa aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa e dos valores sociais do trabalho a terceirizados, com dano moral coletivo fixado em R$ 500.000,00, a usina que figurou como ré (e recorrente) foi absolvida de terceirização ilícita nas etapas de preparo do solo e transporte para cultura da cana-de-açúcar. Para o relator, desembargador Edison dos Santos Pelegrini, "a questão da cultura da cana merece maiores reflexões, uma vez que a atividade rural deixou de ser manual e passou por profundo processo de transformação - da era do machado, enxada, enxadão e podão para a era da mecanização em grande escala; do transporte da cana no lombo de burro/mula para a utilização de treminhões -; contribuindo sobremaneira com a melhoria das condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores melhores qualificados e com o desenvolvimento do agronegócio, hoje responsável por boa parte do PIB do país, além da expressiva cota de exportação, assegurando a manutenção das reservas do país, mesmo num ambiente interno de redução econômica".
Pelegrini anotou que "a pretexto de combater a intermediação ilegal da mão de obra rural, não se pode impor ônus desmedido ao empresário rural, sob pena de dificultar ou até mesmo inviabilizar a atividade agroeconômica, mormente num ambiente de competitividade e de redução de custos, a fim de que o produto tenha preço justo e possa abastecer o mercado interno e externo. No caso, estamos tratando de uma Usina que tem por atividade-fim a industrialização e fabricação de álcool e açúcar". Assim, o relator entendeu que " tendo em vista as especificidades das atividades para o preparo e sistematização do solo, bem como o enorme custo para aquisição da expertise e dos equipamentos necessários à realização das operações, o que poderia causar distorção nos custos de produção, em prejuízo à decantada produtividade e competitividade do setor sucroalcooleiro".
Quanto ao transporte, o desembargador afirmou estar "convencido de que, no atual estágio do desenvolvimento econômico e social do País, o transporte dos produtos rurais em geral, inclusive a cana-de-açúcar pode ser transportada do campo até a Usina por terceiros, uma vez que se trata de um serviço especializado, com caminhões adequados percorrendo trechos em terra e por rodovias asfaltadas. Ademais, a atividade de transporte de cargas é regulamentada, tanto pelo Código Civil (arts. 730-756), quanto pela Lei nº 11.442/07. De sorte que, não vejo necessidade de impor à recorrente o ônus de transportar, com pessoal, caminhões e equipamentos próprios, a cana do campo para a sua Usina. Pois, como ela estima, haveria necessidade de altos investimentos só em caminhões/equipamentos (R$59 milhões), os quais também ficariam ociosos por vários meses no ano, no período da entressafra, refugindo ao princípio da razoabilidade, sob a ótica produtiva. Agora, esse serviço de transporte da cana deve ser prestado por empresa idônea e que cumpra com as obrigações trabalhistas. Do contrário, a recorrente será chamada a cumprir com as suas obrigações sociais".
(Processo 0000732-63.2011.5.15.0127, 10ª Câmara, DEJT 22/01/2016, votação por maioria)
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