Escola Judicial do TRT e Centro de Memória trazem palestra de urbanista: lembranças de uma Campinas desde sempre estratégica e o valor de seus ferroviários
Por João Augusto Germer Britto
Tarde de passeio histórico no Auditório da Escola Judicial do TRT da 15ª Região, no 5º andar do edifício-sede da Corte, em Campinas. Representando a Presidência do Regional, o juiz Firmino Alves Lima deu as boas-vindas, nessa quinta-feira (17/11), ao professor Luiz Cláudio Bittencourt, de extenso currículo acadêmico e convidado pelo Centro de Memória, Arquivo e Cultura (CMAC) do Tribunal para falar sobre o papel das ferrovias e dos ferroviários numa Campinas antiga.
Firmino destacou, referindo-se aos cortes orçamentários impostos este ano à Justiça do Trabalho, o "cenário complexo, no qual é necessário criatividade para se preservar a memória dos fatos, e o tema da palestra remete a um importante capítulo da história do trabalho brasileiro, a luta dos ferroviários". O juiz lembrou a organização e politização daquela categoria e observou que, mais recentemente, em nossa história, o transporte ferroviário foi relegado, "para que fossem atendidos interesses da indústria automobilística".
Pela Magistratura da 15ª estiverem presentes, também, o desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, membro da Comissão da Preservação da Memória da Justiça do Trabalho da 15ª Região, e o juiz auxiliar da Vice-Presidência Administrativa do Tribunal, Mauro César Luna Rossi.
Conhecimento perdido
Bittencourt, que, além de professor, é arquiteto, pesquisador e urbanista respeitado, disse que se acostumou a pensar cidades e seus espaços por meio de "um recorte diferente", uma vez que sua profissão "precisa imaginar futuros".
O convidado recordou uma Campinas nascida como distrito de Jundiaí, "abrigando sertanistas, que se diferenciavam dos bandeirantes heroicos ou dos corsários, pois eram pessoas que aderiam à terra". A cidade servia de pouso a tropas e viu surgirem seus campinhos, "como uma recomposição dos Caminhos de Goiases". Da significativa economia do açúcar, cuja organização – também social e política – permitiu a passagem para a "Campinas do Café", Bittencourt observou que, "se tivesse sido mantido o aglomerado dessas duas eras, Campinas seria patrimônio da Unesco". Acrescentou que existia ainda "uma outra Campinas, a dos ferroviários, de conjunto ferroviário absolutamente único, cujo acervo foi desmantelado e roubado".
A palestra mencionou os pátios das Companhias Paulista, Mogiana e Sorocabana, "conjunto que é a base de qualquer processo industrial, pois pela produção ferroviária é que se dominava o ferro. As primeiras multinacionais perceberam isso, e ali nos distanciávamos de uma produção baseada no trabalho escravo".
Bittencourt disse que Campinas foi influenciada por dois vetores políticos e culturais, "os ingleses e os franceses, colaborando na escala produtiva e no campo das artes e proporcionando uma transformação extensiva e intensiva. Chegou-se ao ponto de peças de teatro serem apresentadas aqui e não em São Paulo".
O urbanista ressaltou que "os camaradas que trabalhavam nas ferrovias formaram um ‘algo' que ainda não está na historiografia. Constituíram famílias e moraram nas vilas construídas pelas companhias, com vida intensa, de 24 horas diárias, nas ferrovias. Engenheiros, carregadores e operários formavam um grupo gigantesco, e foram apagados da história, assim como o conjunto ferroviário, por interesses diversos".
O palestrante criticou a opção brasileira de "saquear as ferrovias" e as respostas "didáticas" de economistas, de que isso é decorrente "do crescimento das indústrias".
Bittencourt observou que "a violência acontecida contra os ferroviários no Brasil não se igualou em nenhum lugar do mundo". Além disso, em outros países, explicou o professor, as ferrovias se atualizaram e foram criados modais que provaram que não havia excludentes entre os diversos meios de transporte.
Na seara política, o palestrante diferenciou "a movimentação dos operários em Campinas, mais difusa, por exemplo, do que em Bauru, nascendo daí ligações com manifestações mais à esquerda, especialmente comunistas e anarquistas. Os ferroviários tinham o poder de parar o país. Traziam indícios de uma política mais socializante".
Sobre a destruição do acervo, para Bittencourt "o maior crime não foi o desaparecimento das máquinas, dos trilhos, das estações. Nós massacramos uma inteligência ferroviária. Perdeu-se não só o domínio de um ‘saber fazer', mas também um sistema cultural em torno das ferrovias, que integrava festas, religiões, convicções políticas e imigrantes". O palestrante previu, por fim, que, "se um dia retomarmos o parque ferroviário, vamos ter que importar um saber, porque não existem mais oficinas e liceus. Perdemos a interação entre a mão e a inteligência".
A palestra, "instigante", como definida pelo juiz Firmino, em seus agradecimentos, foi complementada com a apresentação de fotos que, em sequência, mostraram traçados, mapas, ligações e invasões de áreas ferroviárias, aptas a bem contextualizar o que foi verbalizado com aguçada visão crítica.
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