Seminário sobre perícia une auditor-fiscal e médico do trabalho apontando cenário preocupante para trabalhadores
Por João Augusto Germer Britto
O seminário "A perícia na Justiça do Trabalho", promovido pela Escola Judicial do TRT-15 nesta sexta-feira, 11, prosseguiu, em seu segundo painel, sob a coordenação do desembargador José Otávio de Souza Ferreira, ouvidor da 15ª Região e presidente do Colégio de Ouvidores da Justiça do Trabalho (Coleouv). Ele apresentou o auditor fiscal do trabalho em Campinas Gil Vicente Ricardi e o médico do trabalho Paulo Roberto Kaufmann. Os profissionais falaram sobre, respectivamente, "Análise da exposição dos trabalhadores aos riscos ocupacionais e a correlação com as doenças profissionais e as relacionadas ao trabalho" e "Formação profissional de peritos".
O desembargador José Otávio cumprimentou o colega Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani "pelo excelente trabalho realizado na Escola no biênio 2014-2016" e deixou "votos de sucesso para a nova diretoria, na pessoa do futuro diretor [gestão 2016-2018] desembargador Manoel Carlos Toledo Filho".
O auditor Gil Vicente alertou que seria importante distinguir os conceitos de perigo e risco e disse que, em toda perícia, repete-se a mesma pergunta: "É ou não é uma doença do trabalho?". Gil opinou que sempre é preciso saber a probabilidade de uma exposição causar uma doença específica e citou o exemplo estadunidense: "Lá, se o perito aponta uma possibilidade maior de a doença vir do trabalho, a decisão judicial já reconhece a doença laboral".
O palestrante distinguiu perigo ("propriedade intrínseca do produto") de risco ("possibilidade de que a pessoa fique ferida quando exposta a um perigo"), lançando mão da famosa foto de trabalhadores novaiorquinos sentados sobre vigas de metal, a uma enorme altura, numa construção.
O auditor disse que as empresas devem fazer uma análise de risco, "processo que identifica e analisa as características dos perigos, adotando uma gestão de riscos, revendo e atualizando as avaliações. Acaba sendo uma gestão em segurança e saúde do trabalhador".
Gil Vicente elencou os grandes grupos de riscos ocupacionais, relembrou o conceito de doenças ocupacionais admitido pela Organização Internacional do Trabalho – "aquelas resultantes da exposição de riscos e perigos numa atividade" – e trouxe a classificação do professor inglês Richard Schilling para relacionar trabalho e doença: hipóteses em que o trabalho é causa (perda auditiva por ruído), em que pode ser um fator de risco, tendo o nexo causal natureza epidemiológica ("contributivo" – câncer ocupacional) e em que é o provocador de um distúrbio latente (doenças alérgicas de pele e respiratórias).
O primeiro expositor também apontou as diferenças entre nexo causal ("relação direta da exposição ao perigo/risco e a doença"), nexo técnico ("identificação da presença do perigo/risco no ambiente de trabalho, o que significa, necessariamente, que foi o fator causal da doença") e o mais recente nexo técnico-epidemiológico ("relação entre lesão/agravo e a atividade desenvolvida pelo trabalhador"). O auditor exclamou que "há situações em que você deve interditar uma empresa, sem precisar fazer uma avaliação mais detalhada do que acontece lá dentro", e lembrou também que "a análise do auditor é diferente da perícia judicial, porque essa última, quando ocorre, vai encontrar condições alteradas ou já inexistentes".
Gil Vicente apontou que "o cenário socioeconômico atual exige mais produtividade, mais resultados e, ao fazê-lo, influencia na contaminação ambiental e nas condições de trabalho, ao mesmo tempo em que temos uma desigualdade crescente e uma concentração do poder econômico e político, o que contrapõe prioridades do mercado e dos setores do trabalho e da saúde".
O auditor alertou que "o que o empregador quer produzir e como chegará lá define se o trabalhador ficará doente ou não. Os profissionais de saúde que estão dentro de uma empresa atuam para defendê-la, mas é imoral o empregador ser dono da saúde das pessoas".
Gil Vicente concluiu dizendo que "o trabalhador está perdendo sua dignidade, montando aparelhos tecnológicos sofisticados e depois ficando seriamente adoentado".
O médico Paulo Roberto Kaufmann, diretor do Instituto Síntese e mestre em Sociologia pela USP, disse que "diversas instituições supostamente de interesse público estão contaminadas e adotando um viés predominantemente favorável ao mercado nas perícias". O médico, que já realizou mais de 5 mil perícias, atendendo cerca de 30 mil pessoas na área de saúde do trabalhador, advertiu que, "quando se fala em ampliar a compreensão de riscos e perigos, é preciso ver exatamente o que está por trás de certas posições técnicas". Ele teme que os peritos, "que, pela própria etimologia da palavra, devem ser pessoas experientes, podem estar sendo parcialmente ‘deformados' por cursos".
Segundo o palestrante, alguns profissionais podem estar usando o argumento da "atualização" para trocarem de opinião em casos que habitualmente eram favoráveis aos trabalhadores.
Outro problema levantado por Kaufmann é o argumento de defesa, comumente usado por muitos empregadores, que a doença adquirida por trabalhadores se deve a causas degenerativas. "Degeneração não é causa, é consequência, e, inclusive, a degeneração pode até ser moral", cutucou o palestrante. Ele lembrou que "a lei fala em degeneração por causa natural, mas esse aspecto é sempre esquecido por quem a argui".
O médico testemunhou que "tem aprendido muito com o trabalhador, mantendo um diálogo, algo que acaba sendo mais importante do que consultar ou traduzir obras de uma biblioteca". Kaufmann criticou "a atitude de peritos que tratam os trabalhadores como suspeitos de sempre teatralizar e mentir".
Ainda em linha crítica, Kaufmann ironizou ao dizer que "o médico do trabalho faz um curso, se aprimora, e os mais espertos viram peritos. Se houvesse uma perícia das perícias, haveria reprovação para 80% dos casos". Ele defendeu que se dê uma amplitude à formação, rechaçando uma "experiência rasteira, que seleciona textos e agrada a um mercado muito regulador". Sentenciou que, hoje, o médico sai da formação "produzindo de modo acrítico, repetindo conceitos com pragmatismo e pressa, para atender ao mercado".
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