TRT-15, Ejud e Amatra XV levam a Aparecida discussões amplas acerca do combate ao trabalho infantil

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Cardeal e reitor do Santuário Nacional são homenageados pelo Tribunal com a Ordem do Mérito

Por Ana Claudia de Siqueira

Integrando uma programação especial da Semana da Criança em Aparecida (SP), que contou com a parceria do Santuário Nacional, o TRT da 15ª Região, a Escola Judicial da 15ª e a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV) promoveram na última sexta-feira, dia 14/10, o 6º Seminário Nacional sobre o Trabalho Infantojuvenil, que discutiu o tema "'Sistema de Justiça do Trabalho e a Proteção da Criança e do Adolescente". A iniciativa, sob a batuta do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, reuniu no Centro de Reuniões Santo Afonso, no Hotel Rainha do Brasil, cerca de 160 pessoas, entre professores, magistrados, procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho, advogados, conselheiros tutelares, servidores e estudantes.

Durante a solenidade de abertura do seminário, o presidente do TRT-15, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, acompanhado do colega Fernando da Silva Borges, presidente eleito para o biênio 2016/2018, concedeu a Comenda da Ordem do Mérito Judiciário da Justiça do Trabalho da 15ª Região, com a imposição das insígnias Grande Colar, ao cardeal arcebispo de Aparecida Dom Raymundo Damasceno Assis, e Medalha Ouro ao reitor do Santuário Nacional, padre João Batista de Almeida, pelo engajamento no programa de combate ao trabalho infantil da Justiça do Trabalho e desenvolvimento de ações educativas na Basílica, durante a semana de 9 a 16 de outubro.

Dom Damasceno agradeceu a condecoração e externou grande alegria com a parceria firmada, uma oportunidade de o Santuário dar a sua contribuição, buscando conscientizar pais, famílias, professores e sociedade da importância do estudo e do lazer para a criança. "A mensagem de Aparecida é de solidariedade. Ela veio ao socorro de três pescadores, pobres e necessitados. Nada mais adequado do que o Santuário desenvolver trabalhos sociais na direção da promoção da pessoa humana, na defesa de sua dignidade e de seus direitos". O cardeal lembrou da mensagem enviada pelo Papa Francisco em que saudou a iniciativa do Santuário, do TRT e do Ministério Público do Trabalho, reforçando que a criança é um sinal, um diagnóstico da sociedade.

"Gratidão é a palavra", assinalou o padre João Batista acerca da homenagem. Ele elencou os projetos sociais já desenvolvidos pelo Santuário, dos quais quatro estão ligados à criança: Colinho de Mãe, o Pequeno Trabalhador, a orquestra Pemsa e a Casa do Pão/ Menor Aprendiz. "Existe já de muitos anos um laço entre a Mãe Aparecida e a causa da criança, tanto que Deus nos presenteou com essa oportunidade da parceria com o TRT e o MPT, na Semana da Criança. Trata-se de um ato evangelizador, de garantir à criança esse direito que ela tem de crescer num ambiente sadio e ter um futuro melhor".

O presidente Lorival exaltou a parceria com o Santuário e lembrou do processo embrionário do programa nacional, iniciado em 2013, após a realização de um seminário em Brasília, que deu origem à atuação regionalizada dos comitês. Particularmente, na 15ª, foram criados 10 Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIAs), responsáveis "não só por analisar ou julgar processos, mas manter uma interlocução constante com a sociedade com relação à problemática do trabalho infantil". Para Lorival, a causa ganhou um salto gigantesco com o apoio do Santuário e a mensagem enviada pelo Papa Francisco.

O prefeito Márcio Antônio de Siqueira deu boas-vindas aos participantes. "Aparecida é de fato pequena. Estamos confinados em apenas 36 quilômetros quadrados, mas temos o privilégio de receber anualmente mais de 12 milhões de pessoas. Não é qualquer cidade". Márcio reconheceu a situação preocupante de Aparecida com relação ao trabalho de crianças e adolescentes no comércio ambulante e informou a adoção de medidas preventivas pela prefeitura, reforçando a necessidade de aperfeiçoamento.

Recorrendo ao sociólogo Darcy Ribeiro, o desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani (diretor da Ejud-15) incluiu as crianças na descrição do escritor sobre o Brasil como moinho de gastar gentes. "Construímo-nos queimando milhões de índios. Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais. E aí incluo as crianças. Está prática ainda é mais condenável". Para Giordani, todas as instituições ali presentes estão buscando fazer a sua parte no combate ao trabalho infantil.

Por fim, o presidente da Amatra XV juiz Luís Rodrigo Fernandes Braga destacou que o objetivo da instituição é de "sempre trazer a maior capilaridade possível a esses eventos para poder proteger as crianças em todas as esferas". Braga lembrou do primeiro seminário infantojuventil realizado pela Amatra, em 2004, época em que ainda prevalecia o pensamento de que ‘era melhor a criança trabalhar do que roubar'. Braga considerou o evento histórico e épico, devido aos avanços ocorridos nos últimos 12 anos, por ser sediado na "abençoada cidade de Aparecida, durante as comemorações de Nossa Senhora, e pela mensagem enviada pelo Papa Francisco". O presidente da Amatra XV fez a leitura do telegrama do Santo Padre.

Além dessas autoridades, compuseram a mesa de honra o desembargador do TRT-15 João Batista Martins César, presidente do Comitê Regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem; os juízes do Trabalho da 15ª Marcelo Garcia Nunes (titular da 4ª Vara do Trabalho de São José dos Campos e coordenador do JEIA da região) e André da Cruz e Souza Wenzel (titular da Vara do Trabalho de Aparecida); o procurador-chefe substituto do MPT-15, Claude Henry Appy; e a presidente da subseção de Aparecida da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ana Maria Seraphim. Também compareceram os desembargadores Tereza Aparecida Asta Gemignani e Samuel Hugo Lima, corregedor regional eleito para o biênio 2016/2018.

Boas Práticas

O juiz Rodrigo Braga mediou o primeiro painel do seminário, em que a juíza do trabalho substituta da 15ª Camila Ceroni Scarabelli e o desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper discorreram sobre a experiência dos Juizados Especiais da Infância e da Adolescência criados no âmbito do TRT para analisar e julgar ações envolvendo trabalho infantil e doméstico. A juíza Camila apresentou as ações extrajudiciais realizadas pelo TRT baseadas no diálogo social e institucional; e as judiciais, como a tramitação prioritária dos processos, realização de audiências públicas em parceria com o MPT e encaminhamento dos jovens para as escolas de aprendizagem. Em dados divulgados pela magistrada com base no PNAD de 2014, foi constatado aumento de casos a partir de 2014, em todas as faixas etárias: 3,1 milhões no ano anterior para 3,3 milhões, sendo meio milhão com idade de 13 anos. O desembargador Flávio Cooper, que na ocasião foi homenageado pela Amatra XV, elencou exemplos concretos julgados pelos JEIAs, como a da unidade de Franca, que recebeu de novembro de 2014 a julho de 2016, 600 pedidos de autorização para o trabalho infantil. Os alvarás não foram concedidos e os adolescentes, encaminhados para cursos de capacitação. A procuradora do trabalho Marcela Monteiro Doria também expôs as iniciativas do MPT-15, como o Projeto MPT na Escola, com a abordagem do tema em salas de aula e a realização de prêmio envolvendo conto, poesia, pintura, entre outras categorias; e as audiências públicas com empresas, para conscientização da Lei da Aprendizagem.

Exploração sexual infantil

Ao introduzir o tema do segundo painel, "Exploração Sexual Infantil", o desembargador Fernando da Silva Borges, que atuou na mediação, anunciou dados considerados ‘estarrecedores'. "A cada hora 228 crianças, em especial meninas, são exploradas sexualmente na América Latina e Caribe. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o tráfico de seres humanos movimenta 9 bilhões de dólares no mundo, ficando atrás apenas do tráfico de armas e do narcotráfico. Com esses números já se visualiza a dimensão do problema". O palestrante José Marcelo Alves Gondim, que é inspetor da Polícia Rodoviária Federal no Estado de São Paulo e presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos, confirmou o caráter altamente rentável do tráfico de pessoas, assinalando a existência de 163 rotas de exploração sexual infantil no Brasil, 78 interestaduais e 32 intermunicipais. No Estado de São Paulo foram detectados 358 pontos de vulnerabilidade. De acordo com o inspetor, de 2005 a 2014, 4.321 crianças e adolescentes foram retirados de situação de risco por meio do Projeto Mapear, da PRF.

O painelista Marcus Menezes Barberino Mendes, juiz titular da VT de São Roque e integrante do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT-15, discorreu sobre a missão das instituições, que deve abranger a proteção integral da criança e do adolescente. "A vulnerabilidade dos pais tende a ampliar a vulnerabilidade dos filhos e o 'locus' central da política pública para a infância deve ser a escola pública como centro irradiador e o mercado de trabalho como proteção de base". Barberino defendeu a estruturação das agências públicas de emprego, inclusive para a busca ativa dos grupos focais da política de proteção integral. Já o psicólogo clínico Ivan Roberto Capelatto fez uma radiografia do comportamento humano, abordando a neurobiologia da emoção, o sistema límbico e a importância da amídala cerebral - responsável pelas emoções, educação e aprendizagem -, que se forma aos 45 dias de vida fetal. A ausência de um ambiente saudável e de parceria familiar gera a falta de autoestima, o que pode levar ao consumo de álcool e drogas. De acordo com o psicólogo é preciso ser desejado e ser cuidado, daí a importância da união de esforços, via leis, família e escola, num grande projeto para buscar parcerias e eliminar o trabalho infantil.

Os Programas Nacionais

No início da tarde, uma apresentação da Cia Repara Mundo – História sobre Trabalho Infantil marcou a retomada dos trabalhos do seminário. O terceiro painel abordou "Os Programas Nacionais da Justiça do Trabalho e MPT de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem", com mediação do desembargador João Batista Martins César e participações de Tiago Ranieri de Oliveira, procurador do trabalho e responsável pela coordenação do Coordinfância, e Tarcio José Vidotti, juiz titular da 4ª VT de Ribeirão Preto. Oliveira apresentou os programas nacionais do MPT de combate ao trabalho infantil e estímulo à aprendizagem como o projeto Resgate à Infância, exibindo, em primeira mão, um vídeo sobre a iniciativa, que se sustenta em três eixos: educação, políticas públicas e aprendizagem. Vidotti, por sua vez, também dividiu sua explanação em três eixos principais, contextualizando historicamente o engajamento da Justiça do Trabalho no combate ao trabalho infantil, iniciado na década de 1990, que teve como pioneiros, o jurista Oris de Oliveira e o atual ministro do TST, Lelio Bentes Corrêa. O magistrado, que é membro do comitê regional da 15ª, destacou o que tem sido feito no TRT como a atuação dos JEIAs e lançou o desafio de adoção da chamada aprendizagem social pelos tribunais regionais do trabalho. A prática, que consiste na abertura de vagas para jovens aprendizes em serviços jurídicos, já está em andamento no TST.

A Globalização e os seus reflexos no combate ao trabalho infantil

Mediado pelo desembargador Francisco Giordani, o último painel tratou do tema: "A Globalização, as Políticas Econômicas e seus Reflexos no Combate ao Trabalho Infantil". O palestrante Mauro Vilela, padre da Arquidiocese de Aparecida, fez uma abordagem mais empírica, promovendo uma reflexão sobre a felicidade e a dificuldade do ser humano de estar satisfeito com a vida. O sacerdote indagou sobre a existência de coisas ruins, como a exploração infantil e destrinchou o conceito do "ensimesmado": a pessoa egoísta, voltada para si mesmo. Dentro deste contexto, Vilela correlacionou a felicidade ao egoísmo, em que "o outro existe para ser usado". Fez uma análise também dos tempos atuais, com a questão dos refugiados no Brasil e no mundo, e destacou que a missão de todos é formar consciência. "Para tanto é preciso coragem para anunciar o que existe de bom, e também denunciar o que está errado". José Roberto Dantas Oliva, juiz diretor do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente, membro do comitê regional de combate ao trabalho infantil da 15ª e da Comissão Nacional do programa da Justiça do Trabalho, defendeu o aumento da idade mínima para o trabalho e o fortalecimento da educação equitativa, universalizada, gratuita, integral e obrigatória dos quatro aos 18 anos. Reforçou ainda que é preciso combater os mitos enraizados de que o trabalho precoce traz benefícios. Oliva finalizou citando os prêmios Nobeis da Paz, Kailash Satyarthi e Malala Yousafzai, que enfatizam o fim do trabalho infantil e o poder da educação como ferramenta para mudar o mundo.

Sistema de Justiça do Trabalho e a Proteção da Criança e do Adolescente

Encerrando a programação, o ministro do TST Lélio Bentes Corrêa fez considerações acerca do tema central do seminário e de que forma o sistema de Justiça pode se tornar capaz de assegurar a infância. Para o ministro, o Papa Francisco, em sua mensagem enviada ao Santuário Nacional sobre as atividades contra o trabalho infantil, definiu de forma singela e brilhante o objetivo fundamental dos direitos humanos, ao assinalar que a criança é sinal de esperança e diagnóstico da sociedade; e indicou os caminhos: é necessário se colocar no lugar do outro, como também se referiu, em palestra, o padre Mauro Vilela.

Corrêa recitou trechos de "Força Estranha", música de Caetano Veloso, para expor a realidade do trabalho infantil e questionar sobre o tempo. "Qual é o tempo? O tempo de estudar, de ser criança ou de trabalhar, de assumir responsabilidades totalmente precoces, e, portanto, antes do tempo. De sofrer o peso da necessidade de produzir para seu próprio sustento". O magistrado mencionou o programa de aprendizagem social adotado pelo TST, em que quatro de 25 aprendizes formados foram aprovados em universidades, entre elas, a Federal de Brasília (UnB). Segundo ele, este programa foi responsável também pela melhoria do ambiente de trabalho no Tribunal. "O retorno é, sem sombra de dúvidas, extremamente importante".

O ministro falou em "humanização" do sistema de Justiça e ressaltou a necessidade de os magistrados estarem preparados para exercer suas funções dentro e fora da esfera processual. Corrêa considerou extremamente necessário a realização de eventos como o de Aparecida e de investimentos na capacitação de magistrados em direitos humanos. O seminário foi finalizado com a leitura da Carta de Aparecida pela Abolição do Trabalho Infantil, protagonizada pelo desembargador João Batista.

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Comunicação Social