Último painel do seminário sobre perícia na Justiça do Trabalho põe em pauta a responsabilidade legal dos peritos e a ação rescisória de decisão baseada em falsa perícia

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Por Patrícia Campos de Sousa

O professor doutor de direito penal Davi de Paiva Costa Tangerino, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e a desembargadora do TRT da 2ª Região (Grande São Paulo e parte da Baixada Santista) Ivani Contini Bramante foram os palestrantes do quarto e último painel do seminário "A Perícia na Justiça do Trabalho", promovido em 11 de novembro pela Escola Judicial (Ejud) do TRT-15 e pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, na sede do Tribunal, em Campinas. A coordenação dos debates coube à desembargadora Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, eleita vice-presidente administrativo da Corte para o biênio 2016-2018.

Mestre e doutor em direito penal e criminologia pela USP, Tangerino, que também leciona na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, abordou as responsabilidades legais dos peritos, a partir de uma reflexão sobre o esquema criminoso envolvendo falsas perícias denunciado pela Operação Hipócritas, deflagrada no final de maio deste ano pelo Ministério Público Federal em Campinas e pela Polícia Federal. Segundo lecionou o palestrante, além da causa em juízo, o direito penal tem como missão tutelar bens jurídicos subjacentes aos crimes, entre os quais a fé pública de que gozam os documentos produzidos por aqueles que estão imbuídos do múnus público. "Se a sociedade, de forma massiva, não consegue crer nos documentos públicos, compromete-se, em última análise, a própria coexistência social. No Brasil, ainda é comum o mercadejar da coisa pública. É nesse ponto que devemos centrar a discussão sobre a Operação Hipócritas."

Tangerino explicou que, diferentemente da Alemanha, em que a pena do partícipe de um crime é, em regra, 25% menor do que a pena do autor do crime, no Brasil, que segue a tradição da Common Law do direito norte-americano, partícipe e autor respondem pelo mesmo crime, sujeitando-se à mesma pena mínima, ainda que uma calibração seja feita no cálculo das penas individuais. Nos termos do artigo 29 do Código Penal, "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade", assegurando-se a diminuição da pena, de um sexto a um terço, apenas se a participação for de menor importância (parágrafo 1º).

O palestrante observou também que, ao contrário da maioria dos ramos do direito, em que a mera produção de um resultado lesivo é suficiente para fazer nascer a responsabilidade, independente da existência de um nexo de causalidade, no direito penal, que administra o remédio mais dolorido – a pena de privação de liberdade –, não se admite a responsabilidade objetiva. "A condenação penal exige o dolo, ou seja, a consciência e vontade do agente, ou a culpa, a quebra do dever de cuidar desse agente."

Do ponto de vista do direito penal, portanto, explicou Tangerino, duas normas penais poderiam ser aplicadas às ações apuradas pela Operação Hipócritas. O artigo 342 inscreve como crime contra a administração da Justiça "fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral", delito punível com a reclusão de 2 a 4 anos e multa, com aumento de um sexto a um terço da pena quando houver suborno. Já o artigo 343 incrimina de maneira mais grave, com pena de 3 a 4 anos de reclusão e multa, aquele que "der, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer vantagem a perito, testemunha, contador, tradutor ou intérprete para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação". Considerando que o perito que mercadeja um laudo comete um crime de corrupção porque recebe um valor para quebrar o seu dever de, fidedignamente, produzir um documento crível para que o Judiciário administre a Justiça de maneira correta, o professor vê dificuldade em aplicar os dois artigos ao mesmo tempo. "Ou bem se entende que a corrupção é mais ampla, e o laudo falso seria apenas a corporificação daquela corrupção, ou bem ela já estaria prevista na causa do aumento de pena do artigo 342."

O palestrante avaliou também a eventual culpa do advogado e do assistente técnico da empresa que participarem desse tipo de ação. "Quem faz crescer no agente a ideia de cometer um delito, que o instiga a fazê-lo, também é autor para fins do direito penal. Se o advogado instou que seu assistente buscasse o perito para oferecer vantagem, o advogado é coautor do esquema. E, se isso fizer parte de um modus operandi de trabalho de um grupo de pessoas, é delito de associação criminosa, com pena adicional de 1 a 3 anos." Tangerino advertiu, porém, que a participação do advogado não pode ser presumida. "Ele pode não saber de nada mesmo. A ação pode ter sido praticada unicamente pelo assistente, por exemplo."

O mesmo valeria também, segundo o professor, para avaliar a responsabilidade penal da empresa que teria sido beneficiada pela laudo pericial. "Se o tomador de decisão da empresa sabia ou tinha elementos que apontavam para uma conduta fora do padrão, como resultados periciais muito rápidos ou honorários excessivos, a responsabilidade pelo delito pode ser estendida à empresa, que responderá pelo mesmo crime. È claro que, a cada camada que surge, ele fica mais distante do evento criminoso. É preciso cuidado para incluir o empresário nesse enredo. Daí a importância crescente da discussão de normas internas das empresas para a prevenção de delitos."

Tangerino destacou também que, nos casos em que o custo do laudo é arcado pela Justiça pública, haveria um dano inequívoco à União, o que sujeitaria o agente público a sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, que podem ser até mais severas que as do direito penal, podendo resultar, inclusive, na perda de direitos políticos, entre outras penas.

Como reverter decisão baseada em falsa perícia?

Mestre e doutora em direito pela PUC-SP e professora doutora da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, na qual coordena o Curso de Pós-Graduação em Direito das Relações do Trabalho, a desembargadora Ivani focou em sua exposição os aspectos processuais da ação rescisória de decisão baseada em falsa perícia. "Considerando a importância da prova pericial na Justiça do Trabalho, as ações da Operação Hipócritas levantam a importância de se discutir como reverter uma decisão baseada em perícias falsas."

Segundo lecionou a magistrada, a Instrução Normativa 39 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) autoriza o ajuizamento de ação rescisória de decisão transitada em julgado na JT com base nas hipóteses arroladas no artigo 966 do Código de Processo Civil (CPC), entre as quais se incluem a falsa perícia. Ela chamou a atenção para o fato de o novo CPC ter ampliado o cabimento da ação rescisória para toda decisão de mérito, não apenas para a sentença, passando a incluir as decisões interlocutórias, como é o caso da decisão que homologa um laudo pericial.

Ivani lecionou ainda que a decisão de mérito pode ser rescindida se for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou que venha a ser demonstrada na própria ação rescisória, cuja legitimidade para proposição é restrita às partes interessadas, ao terceiro juridicamente interessado e ao Ministério Público – no caso da Justiça Trabalhista, o Ministério Público do Trabalho (MPT).

A desembargadora avaliou ainda que a situação flagrada pelo Ministério Público Federal em Campinas pode estar sendo propiciada pela atual sistemática de perícias na JT. "A remuneração dos peritos, entre R$ 700 e R$ 1.500, é reputada por muitos deles como irrisória. Ao mesmo tempo, não há proibição a que o profissional atue ora como perito, ora como assistente técnico de empresas. Muitas vezes eles alternam esses papéis numa mesma vara. Embora não seja proibido, isso não é ético. Além disso, se o laudo for favorável à empresa, como o trabalhador está isento do pagamento dos honorários periciais, o perito terá de esperar quase dois anos para receber do Judiciário. São as mazelas da perícia judicial na Justiça do Trabalho."

A magistrada lembrou também que, no caso de proposição de uma ação rescisória para rever decisão baseada em laudo pericial falso, haveria dificuldade em conseguir que outro perito revisse o trabalho de seu colega. "Nesse caso, seria interessante que a perícia fosse feita por peritos de órgãos governamentais."

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