Audiência pública em Taubaté reúne os três Poderes, o Ministério Público do Trabalho e o empresariado local para debater e promover a contratação de aprendizes

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Por Luiz Manoel Guimarães

Resgatar 3,3 milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil, como enfatizou o presidente do TRT-15, desembargador Fernando da Silva Borges, vale um esforço adicional? E se, desse total, cerca de 80 mil tiverem apenas de cinco a nove anos, como também sublinhou o magistrado, citando números apurados pelo IBGE? É possível admitir uma criança de cinco anos trabalhando? E ela não estará num ambiente confortável, um escritório com ar-condicionado, por exemplo. Longe disso. Será, via de regra, em trabalho degradante, como bem lembrou o procurador do trabalho Ronaldo José de Lira. Esses foram alguns pontos debatidos na noite desta terça-feira, 13 de junho, na abertura da audiência pública realizada na Câmara de Vereadores de Taubaté, no Vale do Paraíba. Com a Lei 10.097/2000, a chamada Lei da Aprendizagem, em pauta, o evento reuniu a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho (MT), além do Executivo e do Legislativo locais, com representantes de empresas da região, para estimular a contratação de adolescentes e jovens como aprendizes.


A audiência faz parte da 2ª Semana Nacional da Aprendizagem, iniciativa do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, criado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. A Semana teve início nesta segunda, 12, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, e termina na próxima sexta, 16.

Mobilização mundial

Em seu pronunciamento, Fernando Borges anunciou a chegada ao Brasil da "Iniciativa Global 100 milhões por 100 milhões", que teve início no último mês de dezembro, em Nova Delhi, na Índia, durante o Laureates and Leaders for Children Summit 2016, e é liderada pelo indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz de 2014. O objetivo é mobilizar 100 milhões de pessoas para lutar pelos direitos de 100 milhões de crianças que vivem na extrema pobreza, submetidas ao trabalho infantil e sem acesso à saúde, à educação e à alimentação. Satyarthi veio pessoalmente a Brasília nesta segunda, para o lançamento da campanha no País.

O presidente do TRT-15 enfatizou que, não obstante a celebração da Semana Nacional da Aprendizagem e do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil anualmente, a luta do Tribunal contra a exploração irregular da mão de obra de crianças e adolescentes "é um trabalho permanente, em ações coordenadas pelo Comitê Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da 15ª". Presidido pelo desembargador João Batista Martins César, que também participou da audiência pública, o Comitê é composto ainda pela desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani e pelos juízes Eliana dos Santos Alves Nogueira, José Roberto Dantas Oliva e Tárcio José Vidotti.


Já o coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) da Circunscrição de São José dos Campos, juiz Marcelo Garcia Nunes, afirmou em sua fala que, a exemplo de outras audiências públicas semelhantes já realizadas na jurisdição do TRT, o objetivo do evento em Taubaté é "construir o novo, algo especial, contribuindo para a erradicação do trabalho infantil e para o fortalecimento da aprendizagem".

Segundo o magistrado, muitos empresários erram ao enxergar a aprendizagem como mais um custo a se arcar. "Existe a lei, que precisa ser cumprida, mas essa é uma ‘lei do bem'. A aprendizagem é uma oportunidade de o empresário gerir diretamente o investimento que faz e, para os adolescentes e jovens, muitas vezes ela é a melhor ou talvez até a única chance de ingressar no mercado de trabalho de forma adequada e não traumática. De outra forma, o que eles vão entender que é trabalho em sua vida? Doze horas por dia numa carvoaria, sem tempo para a escola, para brincar e até para sonhar? É preciso lhes dar o tipo de oportunidade que a aprendizagem proporciona, porque muitos deles sonham exatamente com algo assim: o primeiro momento num emprego decente, a chance de aprender um ofício."


Marcelo acrescentou ainda que, ao se unirem na promoção de audiências públicas como a desta terça-feira em Taubaté, a Justiça do Trabalho, o MPT e o MT têm a expectativa de convencer os empresários a aderir espontaneamente aos programas de aprendizagem, e não pela obrigatoriedade imposta pela lei. "Queremos a sensibilização do empresariado para a importância de nossa proposta, sem ter de impor o cumprimento de uma obrigação legal. Todos sabemos o caminho, e o instrumento é a Lei da Aprendizagem."

Acesso digital

O procurador Ronaldo José de Lira endossou as palavras de Marcelo. "O diálogo do MPT com os empresários não tem caráter punitivo, mas, sim, sensibilizador. Nossa intenção é fazer com que a contratação de aprendizes ocorra naturalmente e que, uma vez contratados, eles desempenhem atividades adequadas ao programa de aprendizagem. Têm havido casos de acidentes de trabalho com aprendizes, por isso é fundamental que a contratação se dê por intermédio de uma entidade séria, para que todas as normas sejam seguidas."


Lira noticiou o lançamento do aplicativo Rede Aprendiz, desenvolvido pelo MPT para aproximar adolescentes e jovens das vagas em programas de aprendizagem profissional. A ferramenta é gratuita e por meio dela os candidatos consultam as oportunidades, selecionando o estado e a cidade de seu interesse. As vagas podem ser cadastradas pelos próprios empregadores. O aplicativo traz ainda as entidades que fazem a intermediação das contratações. Ele também é uma forma de a empresa fazer uma prestação de contas, comprovando o cumprimento da Lei 10.097/2000.


O vice-prefeito de Taubaté, Edson Aparecido de Oliveira, que representou o prefeito José Bernardo Ortiz Monteiro Junior, afirmou que os órgãos promotores da audiência pública podem contar com o engajamento do governo do município no projeto. "Temos aqui em Taubaté 16 mil alunos que estudam em tempo integral, além de 13 escolas profissionalizantes mantidas pela Prefeitura. É nossa obrigação, de fato, dar às crianças, adolescentes e jovens a oportunidade de sonhar, como nós mesmos já tivemos", assinalou Oliveira, que, além de político, é funcionário do Senai.
Representando o presidente da Câmara de Vereadores de Taubaté, Diego Fonseca (PSDB), o vereador Jessé Silva (SD) revelou que viveu pessoalmente o que é trabalhar na infância. "Passei por isso, trabalhando desde os 10 anos, muitas vezes carregando volumes que pesavam mais do que eu mesmo. Mas a família precisava, porque éramos nove irmãos, e meu pai ganhava salário mínimo. Por isso eu acho que programas como esse, de promoção da aprendizagem e de combate ao trabalho infantil, têm de andar lado a lado com iniciativas de planejamento familiar. Hoje eu tenho apenas dois filhos e posso fazer diferente."


Apesar de ter rompido a barreira da miséria a que a maioria das vítimas do trabalho infantil são condenadas, o parlamentar não se deixa iludir pela ideia de que o trabalho precoce pode ser uma boa alternativa para crianças de famílias carentes. "Uma criança num semáforo está fazendo um ‘estágio' que pode levá-la até mesmo ao crime. Dificilmente ela vai alcançar o futuro que alcançaria se pudesse se preparar adequadamente."

Casos de sucesso

A audiência prosseguiu com depoimentos de profissionais bem-sucedidos que começaram a carreira como aprendizes. Hoje com 29 anos, Manassés Áquila de Faria Santos é formado em administração de empresas e em pedagogia e leciona no Senac de Guaratinguetá, também no Vale do Paraíba. Foi exatamente lá que, aos 14 anos, ele deu os primeiros passos em sua vida profissional, no programa de aprendizagem da instituição. Filho de um vigilante e de uma comerciária, Manassés protagonizou um depoimento entusiasmado sobre como essa chance foi decisiva para ele. "Agarrei aquela oportunidade como se fosse a única, e de fato era. Em dois anos de aprendizagem, faltei apenas um dia, porque estava doente. Acabei sendo efetivado na empresa em que fui aprendiz e, tempos depois, aprovado num processo seletivo, tornei-me professor na mesma escola em que havia estudado."


Fernando Manoel Gonçalves falou como diretor da Escola do Senai de Taubaté – "a primeira do interior do Brasil", como ele frisou –, mas também como ex-aluno da instituição. Também de origem humilde, o diretor não fez por menos ao resumir os benefícios que essa formação lhe proporcionou. "Mudou a minha vida", sublinhou.


O terceiro depoimento partiu do engenheiro de produção Marcio Marioto, supervisor da área de engenharia de motores da Ford de Taubaté, empresa onde ingressou em 1983, ano em que começou seu curso de aprendiz, também no Senai da cidade. "Meu aprendizado no Senai é que me permitiu tudo isso, foi a base de tudo. Não só pela formação técnica em si, mas também pela preparação para ser um bom profissional. Tenho a certeza de que não fui um custo para a Ford, fui um investimento, e hoje eu recebo novos aprendizes vindos do próprio Senai e os ajudo a sonhar, a realizar o sonho de ocupar seu espaço no mercado de trabalho, como futuros engenheiros, engenheiras ou administradores de empresa, por exemplo."


Também participaram da audiência, entre outras autoridades, o juiz Carlos Eduardo Vianna Mendes, que representou o colega João Batista da Silva, diretor do Fórum Trabalhista de Taubaté, e a auditora fiscal do trabalho Laiana Alves da Guarda, além de representantes da OAB local, do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) da cidade, do Senai de São José dos Campos, do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), da Associação Comercial e Industrial de Taubaté (Acit) e do Senac de Guaratinguetá, entre outras instituições.

 

Novo encontro

O juiz Marcelo Garcia Nunes esclareceu que foi criado no Vale do Paraíba o Fórum Permanente de Diálogo sobre a Aprendizagem, que já promoveu dois encontros com empresários da região para debater e promover a contratação de aprendizes. O terceiro encontro já está marcado, para o próximo dia 30 de agosto, no Senac de Taubaté (Rua Nelson Freire Campello, 202). "Vamos inovar no formato da reunião. Começaremos já às 8 horas, com um café da manhã para o qual todos estão convidados – empresários, funcionários da área de gestão de pessoas e entidades que inserem os adolescentes e jovens nos programas de aprendizagem, além, é claro, dos principais interessados, os nossos futuros aprendizes. Queremos ouvir o empresariado, suas queixas, suas dificuldades, mas também queremos nos fazer entender, para que desse diálogo surja o entendimento que vai fazer com que a Lei de Aprendizagem seja cumprida voluntariamente", antecipou o coordenador do Jeia da Circunscrição de São José dos Campos.


O juizado atende 36 municípios do Vale do Paraíba, do litoral norte paulista e da Serra da Mantiqueira, instruindo, conciliando e julgando processos que envolvem trabalhador com idade inferior a 18 anos, incluindo pedidos de autorização para trabalho de crianças e adolescentes, ações civis públicas e coletivas e autorizações para fiscalização de trabalho infantil doméstico. Ao todo são 10 Jeias na Justiça do Trabalho da 15ª Região. Além de São José dos Campos, eles estão instalados nas outras sete cidades-sede de circunscrição – Araçatuba, Bauru, Campinas, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba – e nos municípios de Franca e Fernandópolis.


Regulamentação – A Lei de Aprendizagem determina que as empresas de médio e grande porte devem contratar um número de aprendizes equivalente a no mínimo 5% e no máximo 15% dos empregados cujas funções demandem formação profissional. Podem ser contratados adolescentes e jovens dos 14 aos 23 anos, que tenham concluído ou que estejam cursando o ensino fundamental. O contrato deve ser anotado na Carteira de Trabalho do aprendiz, e a duração é de no máximo dois anos. Além disso, o aluno tem direito ao salário mínimo hora, entre outros direitos.
 


 

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