Com participação de magistrados da Décima Quinta Região, seminário em São José do Rio Preto debate as relações trabalhistas no transporte de cargas e no agronegócio

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"Num país de dimensões continentais como o nosso, com uma enorme carência de ferrovias, o transporte rodoviário assume uma importância estratégica, daí a relevância dos debates que serão travados neste evento." Dita pelo presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Fernando da Silva Borges, na abertura do encontro, a frase sintetiza o clima em que transcorreu o Seminário Jurídico Relações Trabalhistas no Setor de Transporte Rodoviário de Cargas e Agronegócios, que lotou, na sexta-feira, 4 de agosto, o auditório do Buffet Villa Conte, em São José do Rio Preto. Cerca de 500 pessoas participaram do evento, público que reuniu principalmente magistrados, sindicalistas, procuradores do trabalho, advogados e estudantes.

Realizado pela Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo (FTTRESP) e promovido pelo Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e Anexos de São José do Rio Preto e Região, o seminário contou com o apoio do TRT-15, da Escola Judicial (Ejud-15) da Corte, do Ministério Público do Trabalho, do Sindicato dos Motoristas de Jales e Região, do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São José de Rio Preto e Região, do Instituto Dia de Formação Jurídica Estratégica e da Subseção de São José do Rio Preto da OAB.

Presidente Fernando Borges compôs a mesa de abertura junto com a desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, da 1ª Câmara do Tribunal, com o presidente da FTTRESP, Valdir de Souza Pestana, com o prefeito de São José do Rio Preto, Edinho Araújo, e com o presidente da OAB local, Milton José Ferreira de Mello.

Abrindo os pronunciamentos, o presidente da FTTRESP fez apontamentos acerca da Lei 13.467/2017, o resultado final da chamada reforma trabalhista. "Vivemos tempos de dificuldades para o trabalhador, de muitas mudanças e retrocessos. É um período de incertezas, em que a classe trabalhadora terá de se reinventar. Nesse contexto, cresce a importância de o trabalhador ter uma representação fortalecida, com sindicatos fortes", preconizou o sindicalista.


"Eventos como este demonstram que o Brasil está vivo, que é um país pulsante, que tem capacidade de construir uma nova realidade", sublinhou, por sua vez, a desembargadora Tereza Asta, que representou no seminário o colega Manoel Carlos Toledo Filho, diretor da Ejud-15. "Temos aqui uma oportunidade de construir um verdadeiro marco de consenso, um consenso construído pelo diálogo entre o capital e o trabalho, e não podemos ignorar que não vamos erguer um desenvolvimento sustentável no Brasil sem oferecer condições dignas de vida aos trabalhadores, que, junto com os empresários, são forças vitais nesse processo de construção de riqueza. Não se pode permitir que essa riqueza não beneficie a todos os envolvidos em sua geração", advertiu a magistrada.

Já o prefeito Edinho Araújo salientou a importância do transporte rodoviário para o escoamento da produção agropecuária brasileira, da qual São José do Rio Preto é um dos principais polos. "O agronegócio é hoje um grande gerador de emprego e renda para o Brasil, e uma parcela significativa disso resulta da participação de sindicatos organizados."

Concluindo os discursos inaugurais, o desembargador Fernando Borges também abordou a reforma trabalhista. "De uma proposta que previa originalmente mudanças em sete artigos da CLT, ela acabou alterando mais de 100 artigos, transformações que dão aos sindicatos uma responsabilidade sem precedentes, a começar pela prevalência do negociado sobre o legislado", evidenciou.


Debates intensos

O seminário, que contou ainda com a presença da desembargadora Olga Aida Joaquim Gomieri, presidente da 1ª Turma e da 1ª Câmara do Tribunal, foi dividido em três painéis. No primeiro, com o tema "Limites dos instrumentos coletivos como meio de normatização das relações trabalhistas", a mesa foi coordenada pelo diretor-presidente do Instituto Dia, Gáudio Ribeiro de Paula, e as atividades começaram com uma palestra do ministro Douglas Alencar Rodrigues, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O magistrado lecionou que a ditadura Vargas implantou no Brasil, por meio do Decreto 19.770 de 1931, uma estrutura em que aos sindicatos era reservado papel secundário, de meros colaboradores do Estado. A Constituição Federal de 1988, no entanto, prosseguiu Rodrigues, rompeu com esse modelo, fortalecendo a atividade sindical, num contexto de avanço das conquistas da classe trabalhadora. Passou a prevalecer o princípio de que as negociações coletivas rumariam no sentido da ampliação de direitos, e a flexibilização só seria admitida em caráter excepcional, com contrapartidas de capital importância, como, por exemplo, a garantia do emprego. 


Ministro Douglas Alencar Rodrigues detalhou diversos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo TST sobre o tema, demonstrando que essa concepção foi progressivamente alterada.  Em julgamento do RE 895.759, por exemplo, a 2ª Turma do Supremo chancelou decisão do ministro Teori Zavascki que deu provimento ao recurso de uma usina, isentando a recorrente do pagamento de horas in itinere e dos respectivos reflexos salariais. A decisão fez prevalecer acordo coletivo de trabalho firmado com o sindicato dos trabalhadores.


O ministro ainda externou preocupação de que a negociação coletiva não cumpra o papel de pacificar as relações entre o capital e o trabalho no País. "É um paradoxo", alerta o ministro. Segundo ele, é comum trabalhadores demandarem a Justiça do Trabalho pleiteando direitos diversos daqueles pactuados pelo sindicato da categoria com a representação patronal. "Às vezes, o próprio sindicato patrocina causas individuais que conspiram contra a norma coletiva por ele pactuada", criticou o palestrante, que insistiu na importância da negociação direta entre patrões e empregados. "É o ponto primordial. O Estado tem uma função disciplinadora, de coibir práticas antissindicais e garantir a dignidade da pessoa humana, mas com o dever de reconhecer a autonomia das negociações coletivas. Precisamos respeitar o Congresso Nacional. A Justiça do Trabalho, por expressa determinação legal, deve respeitar o princípio da intervenção mínima, mas com a lente da Constituição Federal. A cada flexibilização de direitos deve corresponder a necessária contrapartida. A diminuição da jornada de trabalho, com a consequente redução salarial, deve vir acompanhada de algo como a garantia de emprego, por exemplo."

Complementando o painel, o desembargador Carlos Augusto Escanfella, da 7ª Câmara do TRT-15, o especialista em legislação do transporte Márcio José Lopes e o advogado Omar Hakim Junior aprofundaram o debate sobre o tema proposto. Escanfella afirmou que o mundo passa por mudanças estruturais desafiadoras. "Como compatibilizar o trabalho como o conhecemos com essa nova realidade? São novos tempos, novos atores, novas leis. Profissões outrora tradicionais, como o acendedor de lampiões a gás das ruas e o armeiro, foram extintas. O alfaiate está se tornando raridade, e o próprio cortador de cana está em vias de extinção. É uma transformação global. A maior rede hoteleira do mundo, o Airbnb, não é dona de um único hotel. A maior rede de táxis, o Uber, não possui nem sequer um carro. Veículos autônomos, verdadeiros computadores sobre rodas, impressoras de casas e sintetizadores de comida, coisas que até pouco tempo não passavam de ficção, agora começam a fazer parte de nossa realidade. Os sindicatos terão de demonstrar muita maturidade, ao lidar com esse novo panorama."

Regras específicas

Com palestra do ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, da 5ª Turma do TST, e tratando do tema "A categoria profissional diferenciada dos condutores rodoviários no setor do agronegócio", o 2º painel foi presidido pelo juiz Hélio Grasselli, titular da 1ª Vara do Trabalho (VT) de São José do Rio Preto e diretor do Fórum Trabalhista da cidade. Também participaram do painel o desembargador Lorival Ferreira dos Santos, presidente do TRT-15 no biênio 2014-2016, e os advogados Augusto Lopes e Adilson Rinaldo Boaretto.

"A negociação coletiva é o mais importante método de prevenção e solução de conflitos coletivos de trabalho e um dos institutos mais importantes da ação dos sindicatos de trabalhadores, até por obrigação constitucional e porque o Estado não é capaz de disciplinar eficazmente todos os litígios inerentes ao mundo do trabalho", enfatizou Lorival. Segundo ele, "caberá aos tribunais regionais do trabalho a construção da jurisprudência acerca do enquadramento sindical dos motoristas que atuam no meio rural, havendo a tendência de esses trabalhadores serem enquadrados na categoria diferenciada, com a aplicação dos instrumentos normativos do sindicato da categoria profissional dos motoristas, desde que o empregador tenha participado da formação da norma coletiva específica, nos termos da Súmula 374 do TST".

No 3º e último painel, o subprocurador-geral do trabalho Luís Antonio Camargo de Melo palestrou sobre "Sindicalismo no Brasil – novas perspectivas". A juíza do trabalho Ana Paula Silva Campos Miskulin, titular da VT de José Bonifácio, município da região de São José do Rio Preto, a advogada Luciana Saldanha e o secretário regional da Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes, Antonio Fritz, complementaram o painel, presidido pelo advogado Sandro Lunard Nicoladeli.

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