A conciliação na Justiça do Trabalho foi o tema do primeiro painel do Congresso de Direito do Trabalho Rural do TRT-15

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Por Patrícia Campos de Sousa

O primeiro painel do XVIII Congresso de Direito do Trabalho Rural do TRT-15, realizado nestas quinta e sexta-feira, 5 e 6 de outubro, no Teatro Paulo Moura, em São José do Rio Preto (SP), reuniu as desembargadoras Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, da 9ª Câmara do Regional, e Adriana Goulart de Sena Orsini, do TRT da 3ª Região (MG), para tratar do tema "Conciliação – prática e linguagem do meio rural". As palestrantes foram apresentadas pelo colega José Otávio de Souza Ferreira, membro da 2ª Câmara do TRT-15 e coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Nupemec) da Corte, que salientou a relevância do debate proposto. "Os métodos de solução negociada dos conflitos precisam ser valorizados. Nós, juízes, não podemos ter a ilusão de que as nossas decisões são as melhores. Podemos e devemos construir a solução dos conflitos com a participação das partes, pela via da conciliação, tema que será aqui esmiuçado por duas grandes especialistas."

Mestre em direito pela PUC-Campinas e doutora em educação pela Unicamp, a desembargadora Maria Inês Targa iniciou sua participação com um vídeo que aborda, numa história em quadrinhos, a escalada do conflito entre moradores de um prédio de apartamentos situado na rota de aviões. Mesmo com o recorrente e ensurdecedor barulho das aeronaves passando próximas às suas janelas, os condôminos mostram-se intolerantes com o latido do cachorro de um dos vizinhos, ou com a música alta do outro, o que, de acordo com a magistrada, retrata bem a nossa vida em sociedade. "As situações por nós enfrentadas podem ser vistas de várias formas. Quando relatamos um fato, nós o fazemos de nosso ponto de vista. Nas ações judiciais dá-se o mesmo. A ação judicial pode não retratar o verdadeiro conflito, que, muitas vezes, surge quando não se recebe o devido pedido de desculpas, ou quando se dispensa um trabalhador por telegrama, por exemplo", lecionou a palestrante, que, no biênio 2014-2016, foi coordenadora do Centro Integrado de Conciliação (CIC) – atual Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) – de 2º Grau da 15ª, instalado na sede administrativa do TRT, em Campinas, e atualmente integra o Nupemec do Regional.

Realizadas em um "ambiente mais propício à resolução dos verdadeiros conflitos", as audiências de conciliação também podem possibilitar uma solução mais ágil do litígio, argumentou Maria Inês. "Considerando que, conforme apurou o Conselho Nacional de Justiça em sua última pesquisa Justiça em Números, 90% das ações trabalhistas ocorrem por falta de pagamento de verbas rescisórias, essas ações precisam de uma resposta rápida", defendeu a magistrada. Maria Inês lembrou ainda que a entrega da sentença judicial, na maior parte das vezes, não representa o fim do conflito. "As audiências de conciliação podem ser uma alternativa também para a fase de execução. Muitos devedores, sobretudo pequenos empregadores, gostariam de poder negociar a quitação de suas dívidas, e a Justiça do Trabalho não pode ser insensível e fechar as portas para isso."

Por todos esses motivos, afirmou a desembargadora, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) aprovou, em setembro de 2016, a Resolução 174, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado das Disputas de Interesse no Âmbito do Poder Judiciário Trabalhista e cria os Nupemecs e Cejuscs na Justiça do Trabalho, para implementação dessa política. De acordo com a palestrante, o Conselho levou em consideração três paradigmas: o trabalho desenvolvido pelo TRT da 18ª Região (GO), que, desde 2013, tem todas as suas ações pautadas no Cejusc de Goiânia e vem obtendo um índice de 40% de solução por acordo; as mesas de conciliação promovidas pelo TRT da 2ª Região (Grande São Paulo e parte da Baixada Santista); e a política de conciliação e mediação dos conflitos implementada pela 15ª Região, que possui oito Cejuscs na jurisdição – instalados nas cidades-sede de circunscrição (Araçatuba, Bauru, Campinas, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Sorocaba) –, além do Cejusc de 2º Grau, o qual concentra esforços na busca da conciliação em processos em fase de recurso e presta apoio a unidades de primeira instância indicadas pela Corregedoria Regional e pelo Nupemec.

"Os Cejuscs da 15ª desenvolvem um trabalho extraordinário. Nossos juízes, com o apoio de mediadores capacitados pela Escola Judicial da Corte, têm obtido excelentes acordos, construídos em mesas-redondas em que as partes são ouvidas com toda a atenção", afirmou, orgulhosa, a desembargadora. "Embora ainda divida os magistrados brasileiros, entendo que a política conciliatória adotada tem se mostrado muito adequada, revelando o grande interesse das pessoas em participar das decisões que lhe dizem respeito", ressaltou Maria Inês, para quem "garantir o acesso à Justiça deve pressupor garantir que se encontre o que se foi buscar. Não adianta ter acesso à Justiça sem efetividade. É preciso envidar esforços para obter a conciliação adequada. Dar às partes um dia em que elas possam dialogar e extrair da petição inicial o verdadeiro conflito, o que é realmente importante de ser resolvido".

A atuação qualificada dos Cejuscs da 15ª

A desembargadora contou que a política conciliatória implementada no TRT-15 está embasada em quatro pilares. "Primeiro, a excelência da formação de nossos mediadores, que participam de uma verdadeira pós-graduação em conciliação, tema geralmente desprezado pelas faculdades de direito. São 55 horas de educação a distância, em que os servidores são capacitados em diferentes técnicas e modelos de negociação e na elaboração dos cálculos trabalhistas. O curso prossegue com um módulo de 21 horas de aula presencial, em que eles discutem a ética e a postura do mediador nas mesas de conciliação e aprendem a analisar os laudos periciais, e é encerrado com um estágio de 60 horas nos Cejuscs. Já formamos mais de 200 mediadores na 15ª."

A segunda característica da política conciliatória da 15ª, segundo Maria Inês, é a "humanização no atendimento às partes, que compõem mesas-redondas com os mediadores, dialogando todos em um mesmo plano". O ponto mais destacado pela magistrada, contudo, foi a mediação qualificada realizada no Regional. "A 15ª busca fazer o melhor acordo possível, que solucione também a ‘lide sociológica' que está por trás do conflito e que muitas vezes não consta dos autos. Caso não seja possível obter o acordo, o mediador poderá avançar nos procedimentos executórios. Fazer a mediação qualificada é garantir a tramitação adequada dos feitos em que o acordo não for obtido. Isso não é simples, mas os resultados têm sido animadores."

Maria Inês explicou também que, diferentemente da 18ª Região, no TRT-15 trabalha-se com a seleção de processos. "Inicialmente, priorizamos buscar a conciliação com os grandes devedores. Após dois anos de trabalho convencendo os empregadores de que prosseguir com o processo fica mais caro para eles do que conciliar, sobretudo pela incidência, nos débitos trabalhistas, de 1% de juros ao mês, já tínhamos as 60 maiores empresas do País integradas ao projeto. Além da apresentação ao Tribunal de listas de processos passíveis de negociação, essas empresas têm enviado negociadores e calculistas para atuar em nossas mesas-redondas", comemorou a magistrada, que destacou também a atuação dos Cejuscs da 15ª no atendimento a solicitações das próprias partes. "A política conciliatória do TRT está aberta a todos os interessados, que contam com um canal direto para solicitar audiências. Qualquer um pode aderir."

Outro diferencial da atuação da Corte nesse campo, explicou Maria Inês, está no esforço para convencer empregadores a resolver a causa de processos trabalhistas recorrentes. "Mais do que garantir o pagamento do adicional de insalubridade a um reclamante específico, trabalhamos para convencer o empregador a estender o pagamento aos demais casos em que o direito se aplique, de modo a coibir o ajuizamento de novas ações."

A palestrante frisou ainda que o objetivo do TRT-15 não é obter a conciliação a qualquer preço, mas, sim, um acordo justo, que resolva definitivamente a lide.

Respeito à ordem justrabalhista

Mestre e doutora em direito pela UFMG e professora do programa de pós-graduação da universidade, a desembargadora Adriana Orsini falou sobre a importância de a conciliação ser buscada "respeitando-se a ordem justrabalhista, lastreada, por um lado, nos princípios doutrinários que definem que o fim da Justiça do Trabalho é civilizar as condições de trabalho, atenuando as distorções socioeconômicas inevitáveis do mercado e do sistema capitalista, e, por outro, nas normas e princípios constitucionais atinentes ao trabalho e à ordem social". Na opinião da palestrante, "é preciso combater a visão difundida por alguns colegas de que a conciliação é espaço para desconstrução do direito do trabalho. Essa é uma visão distorcida. Não homologamos acordos de qualquer jeito, guiados por uma racionalidade meramente econômica".

Sobre a Lei 13.467/2017, que institui a chamada reforma trabalhista, a vigorar a partir de 11 de novembro, a magistrada disse que as novas normas, inclusive a que consagra a "prevalência do negociado sobre o legislado" na Justiça do Trabalho, deverão ser aplicadas à luz da proteção constitucional e da legislação internacional. "As leis não podem ser deslocadas da ordem jurídica."

Adriana enfatizou a troca que se dá nas negociações em audiência e garantiu que delas costumam sair as melhores soluções para os conflitos. Disse ainda que a prática conciliatória contribui também para ampliar o acesso à Justiça, na medida em que implica o "empoderamento das partes", que saem da audiência sabendo exatamente o que aconteceu. "Nas audiências de conciliação, as partes negociam com as mãos em cima da mesa, com boa-fé, sem nada debaixo do pano, num ambiente de confiança. Podemos dizer que os Cejuscs são instrumentos estatais de equalização jurídica de partes materialmente desiguais."

A palestrante falou também sobre conciliação extrajudicial, citando o exemplo bem-sucedido do núcleo de conciliação fundado em 1994, no município mineiro de Patrocínio, para dirimir conflitos no meio rural, o Ninter. "Com composição tripartite, integrada por representantes dos sindicatos dos empregadores e dos trabalhadores rurais e da sociedade civil, o Ninter tem propiciado a aprovação de acordos reconhecidos pela Justiça. Vamos aos poucos criando esses espaços de conciliação extrajudiciais", celebrou a magistrada. Ela citou também o acordo coletivo entre o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região e a Toyota, aprovado dois dias antes, 3 de outubro, pela qual a empresa se comprometeu a não aplicar a "reforma trabalhista" a 2 mil empregados da planta de Sorocaba, "uma negociação realizada antes mesmo da vigência da reforma".

A desembargadora concluiu conclamando os congressistas a desconstruir o discurso de que a CLT é velha e fascista e de que a conciliação acaba com o direito do trabalho. Disse, por fim, que a linguagem da conciliação é a da persuasão, da argumentação racional, e não a da imposição, e que "temos muito a construir nesses espaços de conciliação. Convido todos a seguir nesse caminho".

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