Idade mínima para atleta celebrar contrato de formação com os clubes divide opiniões de palestrantes no V Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo

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Por Patrícia Campos de Sousa

Um dos pontos altos do V Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo, realizado nos dias 21 e 22 de setembro no auditório do Centro Universitário Salesiano (Unisal), em Campinas, foi a mesa-redonda "Menores no esporte: formação ou trabalho?", que reuniu os juízes do trabalho Celso Moredo Garcia, da 18ª Região (GO), e Rui Cesar Publio, da 2ª Região (Grande São Paulo e parte da Baixada Santista), além do procurador jurídico da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), Sandro Trindade, e o advogado João Henrique Chiminazzo, sob a mediação da diretora administrativa da Federação Paulista de Futebol (FPF), Mislaine Scarelli. Uma realização conjunta da International Coach Federation (ICF), do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), da Escola Associativa dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Esmat 15) e da subseção local da OAB, o simpósio, que contou ainda com o apoio do TRT-15, foi acompanhado por cerca de 100 pessoas, entre magistrados, advogados, pesquisadores, atletas e estudantes.

Juiz titular da 11ª Vara do Trabalho de Goiânia, membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) e professor do Curso de Pós-graduação em Direito Desportivo da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, Celso Garcia iniciou sua exposição comentando dois acórdãos recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os quais, segundo ele, "jogaram luzes sobre o tema do enquadramento jurídico da prática desportiva do menor de 14 anos". As decisões são relativas a duas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), coincidentemente contra os dois gigantes de Minas Gerais, o Clube Atlético Mineiro e o Cruzeiro Esporte Clube.

No primeiro caso, lecionou o magistrado, houve recurso contra a decisão de 1º grau, e o TRT da 3ª Região deu razão ao MPT. O Atlético foi proibido de realizar testes de seleção, as chamadas "peneiras", e de integrar às categorias de base atletas menores de 14 anos de idade, além de ser obrigado a afastar os que já haviam sido contratados, em cumprimento ao que determina a Lei 9.615/1998, a chamada Lei Pelé, que institui regras gerais sobre desporto e restringe os contratos de formação a atletas maiores de 14 anos. Segundo o palestrante, o Tribunal fundamentou sua decisão na ideia de que a seletividade das "peneiras" e a hipercompetitividade que permeia a participação desses adolescentes em competições oficiais são características da prática do desporto de alto rendimento. Para a Corte mineira, esses atletas estariam envolvidos numa relação de trabalho, ainda que sob a modalidade não profissional. "A mera possibilidade de seu aproveitamento futuro na equipe profissional do clube, proporcionando a este algum rendimento, já afastaria, segundo o Regional, a hipótese da prática do desporto educacional. Esse posicionamento foi confirmado pelo TST em acórdão de 2015, o qual, no entanto, manteve a decisão de afastamento dos atletas menores de 14 anos do clube apenas quando caracterizado o objetivo de formação profissional."

Já o julgamento do recurso do Cruzeiro, lembra Celso Garcia, teve desfecho totalmente diverso. Por maioria, os integrantes da 5ª Turma do TST seguiram o voto do relator, ministro Caputo Bastos, que entendeu não existir relação de trabalho em treino com menores de 14 anos e que, portanto, dada a incompetência material da Justiça do Trabalho, o processo deveria ser remetido a uma das Varas da Infância e Juventude de Belo Horizonte. "O ministro Caputo Bastos, que é o atual presidente da ANDD, argumentou que os atletas mirins não recebem para treinar e que, portanto, se não há remuneração, não há relação de trabalho. Tampouco se poderia falar de um contrato de aprendizagem, como previsto na CLT, com prestação de trabalho oneroso e o recebimento de formação técnica profissional. O contrato de formação não é um contrato de trabalho. Ele tem suas especificidades."

Pessoalmente, Celso Garcia declarou-se favorável à possibilidade de os clubes firmarem contrato de formação com atletas já a partir de 12 anos de idade, desde que autorizado pelos responsáveis legais das crianças, e que sejam asseguradas as condições adequadas ao pleno desenvolvimento físico e mental de indivíduos nessa faixa etária. "Atualmente a Lei Pelé restringe os contratos de formação aos maiores de 14 anos, mas sabemos que a busca por talentos se dá cada vez mais em estratos mais jovens. Nas categorias de base, as ‘peneiras' são uma realidade em qualquer país. Sem dúvida devemos atuar fortemente na fiscalização do cumprimento da legislação de proteção a esses jovens atletas, mas não podemos negar aos clubes formadores a criação de mecanismos de vinculação com os seus atletas mirins, de modo que, em caso de transferência de vínculo, o investimento do clube seja devidamente recompensado. Isso passou a valer para os atletas maiores de 14 anos, mas tem de valer também para os maiores de 12 anos."

O magistrado comparou o problema dos atletas mirins ao das crianças artistas e disse que a Convenção 138 da OIT, que permite o trabalho artístico de crianças e adolescentes, desde que autorizado pelo Judiciário, também pode ser invocada para afastar a restrição constitucional à atuação de atletas menores de 14 anos. Celso Garcia lembrou ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 149, dispõe que caberá à autoridade judiciária autorizar e disciplinar a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, e que o Projeto de Lei do Senado 231/2015, com relatoria da senadora Marta Suplicy, propõe alterar o artigo 60 do ECA para permitir o trabalho artístico e desportivo de menores de 14 anos, condicionado à autorização do poder familiar ou do Judiciário. O projeto conta, inclusive, afirmou o juiz, com parecer favorável da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com a ressalva de que a autorização judicial seja exigida em todos os casos.

Na avaliação do palestrante, a tendência é que o próprio conceito de formação desportiva seja alterado. "O projeto que tramita no Senado já propõe que se reconheça o vínculo de natureza meramente esportiva entre o menor de 14 anos e a organização esportiva formadora e admite a participação de crianças em competições esportivas como parte de seu aprendizado. Afinal, não se pode vetar a atuação de menores de 14 em toda e qualquer situação. É preciso dar segurança tanto ao jovem que tem a pretensão de se tornar atleta profissional, quanto ao clube que investe na sua formação. Uma vez que a participação de maiores de 12 anos seja regulamentada, com a fixação de regras estritas que assegurem um ambiente salutar a esses atletas, sou favorável à medida, se houver aprovação da autoridade judicial. Não vejo prejuízo para o atleta com essa antecipação."

A responsabilidade do Estado, dos clubes e das entidades de administração do desporto

O segundo palestrante, Sandro Trindade, também defendeu a possibilidade de os clubes firmarem contrato de formação com atletas já a partir dos 12 anos. Para o procurador-geral da FERJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo, o estímulo à prática desportiva das crianças, de grande importância para o seu desenvolvimento, e a promoção do desporto educacional são deveres do Estado brasileiro. "Com a prática desportiva, a escola introduz desde muito cedo nas crianças noções de disciplina, de respeito e de tolerância. Evidentemente, as disputas esportivas precisam respeitar determinadas regras, sobretudo quando se trata de competições entre menores de 14 anos. Estado e sociedade têm de caminhar juntos para que isso possa acontecer da forma mais correta e efetiva possível, minimizando-se eventuais prejuízos aos adolescentes", sustentou Trindade. Em sua opinião, "o caminho ideal seria o desenvolvimento do desporto educacional e de núcleos que possam pinçar os talentos que sobressaírem, para que possam fazer parte de um esforço de participação, a ser custeado pelo Estado e/ou pelas entidades de administração do desporto. Mas não se pode obrigar os clubes a manterem uma determinada categoria de base se eles não tiverem garantido o ressarcimento dos investimentos na formação dos atletas".

Nesse sentido, o palestrante defendeu o recebimento pelo clube formador de uma indenização por eventual transferência de atletas por ele formados, inclusive dos com idade entre 12 e 14 anos. Ele ressaltou que, mesmo com o veto da CBF à formação de vínculo desportivo com atletas com idade inferior a 14 anos, algumas federações de futebol, como a FPF, têm registrado esse vínculo com atletas com idade entre 12 e 14 anos. Essa redução também estaria prevista, afirmou, na lei geral do esporte que tramita no Senado. "É um prenúncio de que estamos evoluindo. Precisamos entender que tudo o que é relacionado ao desporto é diferente. Não é possível proibir um jogador de futebol de 17 anos de jogar após as 22 horas porque a CLT proíbe o trabalho noturno de menores de 18 anos. A participação desportiva é boa para a criança. Não vai privá-la de nada."

Sandro Trindade deteve-se também sobre o tipo de formação oferecida aos atletas mirins. Ele ressaltou a capacitação dos clubes formadores brasileiros, que, para serem certificados pelas entidades de administração do desporto, submetem-se, em sua opinião, a rígidas exigências quanto às suas dependências físicas e à existência de estrutura médica, odontológica e psicológica adequada. "Essa certificação também não é definitiva, tendo de ser renovada periodicamente. Há uma fiscalização constante do contrato pelas entidades de administração do desporto, que pode ser complementada pela fiscalização do MPT", acrescentou. O palestrante defendeu ainda que sejam estabelecidas certas condições para o treinamento de menores de 14 anos, como, por exemplo, a de que eles mantenham o convívio familiar e não possam ser alojados no clube.

Formação humanista

A exposição do advogado João Henrique Chiminazzo focou, por sua vez, o tipo de formação recebida pelos jovens atletas. Mestre em direito desportivo pela Universidade de Lleida, na Espanha, e fundador do Bom Senso Futebol Clube, o palestrante disse que a Lei Pelé, em seu artigo 29, confere aos clubes grande responsabilidade com a formação não só do atleta, mas sobretudo do indivíduo. "A preocupação da lei é louvável. Os clubes devem garantir aos atletas mirins educação, convívio familiar, apoio psicológico, sobretudo porque se sabe que poucos deles chegarão a atuar profissionalmente. Os garotos vivem o futebol desde os oito anos de idade, em um ambiente altamente competitivo. A maioria deles alcançará os 20 anos sem terem sidos contratados. O que eles irão fazer se não tiverem estudo, se tiverem sido apartados dos seus familiares? Temos de formar o indivíduo. A formação do atleta é consequência disso."

Chiminazzo disse discordar, porém, de Sandro Trindade, quanto ao rigor na certificação dos clubes formadores, os quais, segundo ele, só asseguram aos atletas as garantias mínimas. "De um universo de cerca de 600 clubes existentes no País, hoje contamos com apenas 39 clubes formadores, dos quais 14 estão em São Paulo. Esse baixo número por certo se deve à ausência de clubes dotados de estrutura minimamente adequada. Muitos clubes não conseguem nem sequer fornecer almoço aos seus atletas."

Para o palestrante, o Estado não pode transferir o ônus de formação dos atletas para os clubes. "Não se pode pensar só nos grandes clubes. E os outros 500 clubes que mal conseguem pagar os salários dos atletas profissionais? A CBF tem o dever de fomentar as categorias de base, de apoiar os clubes com menor estrutura, para que possam alimentar essas categorias, mas pensando sempre no futuro das crianças como indivíduos. Não só no seu futuro desportivo, mas também no seu futuro pessoal."

Como os colegas que o antecederam, Chiminazzo disse ser favorável à possibilidade de se firmar contratos de formação com atletas maiores de 12 anos, desde que respeitadas certas restrições, como a de que eles não possam ser albergados no clube, ainda que a situação econômica da família seja inferior à oferecida pela agremiação.

Contraponto

Em oposição aos demais palestrantes, o juiz Rui Cesar Publio disse ser contrário à redução da idade mínima para o atleta firmar um contrato de formação com os clubes. Doutor em direito do trabalho pela Universidade de Córdova, na Espanha, o magistrado lembrou que esse ramo especializado do direito surgiu exatamente para conter os abusos dos empregadores contra os trabalhadores, sobretudo contra as crianças, e afirmou que o legislador foi sábio ao restringir o trabalho a maiores de 14 anos. "Quem já acompanhou torneios de escolares de crianças é testemunha da ansiedade que toma conta dos pais, da expectativa gerada na criança, de toda agressividade que é despertada nesses torneios. Uma competitividade absurda. O garoto nem dorme de ansiedade", argumentou.

Rui Cesar Publio também disse se opor ao direito de indenização do clube formador em caso de rompimento do vínculo por iniciativa do atleta. Para ele, o risco de o jovem largar o clube "é o mesmo risco assumido por todo empregador. Faz parte da vida".

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