Impactos nos acidentes de trabalho da terceirização ilimitada é tema do terceiro painel de seminário promovido pela Escola Judicial do TRT-15
Dos nove trabalhadores mortos em obras de estádios para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, sete eram terceirizados. Os rastros deixados pela terceirização ilimitada nas estatísticas de acidentes de trabalho, para muito além dos canteiros de estádios de futebol, foram o tema do terceiro painel do seminário "A saúde do trabalho e os transtornos mentais à luz das recentes reformas trabalhistas", realizado na sexta-feira (15/9), na sede judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Com a mediação do juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba e gestor regional de primeiro grau do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, Firmino Alves Lima, discorreram sobre o tema o procurador regional do trabalho Ronaldo José de Lira e o diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho.
O procurador Ronaldo de Lira iniciou a apresentação destacando que, com ou sem reformas na legislação trabalhista, há um grupo de valores, base da Constituição Federal, o quais devem orientar qualquer decisão judicial. "A dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e o desenvolvimento sustentável são princípios básicos de nossa legislação. Não podemos perder de vista o que diz a Constituição", afirmou. Ele lembrou que, desde o Tratado de Versalhes (1919), uma série de instrumentos jurídicos, dos quais o Brasil é signatário, asseguraram padrões mínimos de direitos sociais.
Sobre as terceirizações, ele afirmou que, antes mesmo das recentes reformas, elas já se manifestavam sob a forma de cooperativas, pessoas jurídicas, trabalho em domicílio ou autônomo e microempresários individuais. "Se são formas legais ou não de contratação, é outro assunto. Mas não há dúvida de que, nessas figuras que fogem ao ‘guarda-chuva' da CLT, os trabalhadores estão desamparados de proteção legal", disse Ronaldo de Lira.
Além do exemplo dos operários mortos em canteiros de estádios de futebol, o procurador apresentou outros dois casos paradigmáticos, que comprovam a precarização dos trabalhadores submetidos às diversas formas de terceirização. Em 2011, no Município de Americana, 52 bolivianos foram resgatados de uma confecção onde trabalhavam em condições análogas às de escravos. Recebiam R$ 1,80 para cada calça costurada para uma grife espanhola. "Eles viviam em condições extremamente precárias de qualquer ponto de vista, seja moral, laboral, econômica ou ergonômica", ressaltou.
Outro caso lembrado pelo procurador Ronaldo de Lira ocorreu em Limeira, cidade polo regional na produção de semijoias. Lá, o trabalho em domicílio é regra há anos, muito antes de ser tratado como sinal de vanguarda por defensores das recentes reformas trabalhistas. Entretanto, essa modalidade de trabalho faz com que 27,5% dos estudantes do município troquem o tempo de lazer pelos ferros de soldas de brincos e pulseiras, além de manipularem produtos químicos utilizados no tratamento das semijoias.
Confusão Legal
O diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho, leu aos participantes do seminário, no início de sua palestra, uma notícia publicada em 4 de abril deste ano – dias após a publicação da Lei 13.429/2017 –, na qual se afirmava que a ampliação das terceirizações aumentaria o número de acidentes de trabalho.
O diretor da Escola Judicial também apresentou algumas das contradições presentes na Lei 6.019/ 1974, após as mudanças promovidas pelas Leis 13.429/2017 (já em vigor) e 13.467/2017 (vigente a partir da primeira quinzena de novembro). Da maneira como ficou o texto elaborado na década de 1970 para tratar do trabalho temporário, empresas tomadoras de serviços continuam respondendo diretamente, em muitos aspectos, por trabalhadores terceirizados. Como exemplo Manoel Carlos citou a inclusão, pela Lei 13.429/2017, do parágrafo 1º do artigo 4º-A da Lei 6.019/1974, o qual estabelece que caberá à prestadora de serviço exercer o poder de mando. Segundo o dispositivo, é a prestadora quem "contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores". "Como terceirizar a atividade principal da empresa abrindo mão da subordinação, do poder de comando? Temos aí um paradoxo estrutural. Eu acredito que isso não é possível. Talvez seja em situações muito específicas", explicou.
Outro caso citado pelo desembargador foi o acréscimo do parágrafo 3º ao artigo 5º-A, também adicionado à Lei 6.019/1974 pela Lei 13.429/2017. Ele prevê que cabe ao contratante (tomador de serviços) garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores em suas dependências ou em local convencionado em contrato. "Parece-me que a empresa tomadora de serviços tem responsabilidade direta em relação às condições de higiene, acidentes do trabalho, doenças do trabalho, adicionais de insalubridade e de periculosidade.
Por fim, o desembargador Manoel Carlos questionou aos participantes se a terceirização ampla e irrestrita, pretendida pelas reformas trabalhistas, beneficia algum grupo de trabalhadores. "Quem já é terceirizado, ganha algumas garantias. Mas, para todos os demais trabalhadores, empregados diretamente, a insegurança é total. Ouso dizer que teremos aumento da precarização das relações de trabalho e ampliação da quantidade de processos trabalhistas", finalizou.
- 4 visualizações